Marco Catalão é poeta, dramaturgo e ficcionista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Vista de fora, a rotina de quem escreve é a coisa menos interessante do mundo: passo horas e horas sentado diante de um livro, depois me levanto com uma súbita resolução e anoto duas ou três frases no computador, depois volto a me sentar por mais algumas horas, depois me levanto e apago o que me custou tanto para escrever… No entanto, vista de dentro, é uma rotina cheia de surpresas, tormentos, alegrias e várias outras emoções conflitantes. Hoje, por exemplo, eu passei a manhã com Plutarco na Grécia antiga, depois discuti longamente com Gombrowicz em Buenos Aires e terminei a noite vagando pelo limbo descrito no Livro Tibetano dos Mortos.
Tenho três filhos ainda pequenos; assim, as primeiras horas do meu dia são dedicadas a atividades que têm pouco a ver com a literatura. Depois que eles vão à escola, aí sim começa minha rotina de trabalho, que consiste fundamentalmente em ler e escrever até a hora do almoço. Se o trabalho corre bem, reservo a tarde para ler outras coisas sem relação imediata com o trabalho de escrita, para caminhar e resolver questões domésticas. Se o trabalho da manhã não rendeu o suficiente, estendo-o tarde adentro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo melhor de manhã, quando disponho de mais energia e quando a casa está tranquila e silenciosa. Mas tenho minhas melhores ideias à tarde, quando caminho, e à noite, quando medito por cerca de uma hora antes de dormir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, mas há dias especialmente gratos em que escrevo muito — quase sempre quando estou no início de um projeto, entusiasmado com a exploração de uma ideia ou de uma forma. Tipicamente, se eu escrevo metade de um livro num determinado tempo, vou levar o quádruplo ou o quíntuplo desse tempo para escrever a outra metade.
Em relação às metas, sou ótimo para estabelecê-las e péssimo para cumpri-las. Costumo fixar metas exageradas e irreais (dez páginas por dia, vinte poemas por semana), que jamais consigo cumprir; ainda assim, elas me servem como parâmetro e me ajudam a aceitar meus limites.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Cada livro, cada projeto tem um processo próprio de criação, mas raramente a pesquisa e a invenção são etapas separadas: mais cedo ou mais tarde, elas acabam se misturando e se influenciando mutuamente. E o processo nunca é linear: às vezes, é preciso ler um livro de trezentas páginas para aproveitar uma frase; em outras, uma fonte que parecia insignificante é capaz de alterar todo o planejamento prévio.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Há várias técnicas para driblar a procrastinação. A melhor que eu conheço é trabalhar em três ou quatro projetos ao mesmo tempo; assim, é possível procrastinar e criar ao mesmo tempo. Com relação às outras travas que você cita, elas não me incomodam: em primeiro lugar, porque não acho que ninguém nutra grandes expectativas sobre o que eu escrevo, exceto eu mesmo — mas já estou tão acostumado a me decepcionar com os resultados dos meus esforços, que ficaria surpreso com o contrário: se eu de fato correspondesse às minhas expectativas. Em segundo lugar, não sinto ansiedade por trabalhar em projetos longos; gosto de estar no meio de um projeto e de saber que poderei me dedicar a ele ainda durante vários dias. O que me inquieta, às vezes, é quando terminei um processo criativo e ainda não comecei outro. Isso, sim, esse momento de súbito vazio e de esterilidade, é capaz de me deixar ansioso. Nesse caso também, a técnica de trabalhar em três ou quatro projetos ao mesmo tempo funciona esplendidamente: assim que termino um trabalho, posso continuar outros que deixei pela metade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o tempo todo, até a hora da publicação, e mesmo depois. E ainda assim, só vou perceber as gralhas e os erros anos depois, quando já me distanciei o suficiente do texto para lê-lo com olhos alheios. Para a minha sorte, disponho de um grupo de amigos formado por alguns dos melhores escritores e professores de literatura do país, que estão sempre dispostos a ler pacientemente meus esboços antes da publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador. Posso até anotar uma ideia ou outra no papel, caso não disponha de um teclado por perto, mas a liberdade de poder trocar as palavras de lugar, alterar as frases e experimentar diferentes disposições rítmicas que o processador de texto oferece é muito superior à escrita à mão. Estou certo de que minha escrita seria completamente diferente se eu ainda utilizasse a tecnologia antiga do lápis e da caneta. Mesmo a minha leitura, que a cada dia se cumpre mais em telas eletrônicas do que em páginas de papel, tende a transformar a minha escrita. À medida que a realidade se aproxima da Biblioteca de Babel, a escrita tende a se tornar cada vez mais borgeana.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm das minhas experiências. Não há como virem de outro lugar. No entanto, a minha experiência não é constituída apenas daquilo que eu vivi diretamente, mas também daquilo que eu ouvi, sonhei, imaginei e li. Desse amálgama de diferentes ficções nascem as ideias para novas ficções.
A melhor forma de despertar a criatividade é tentar resolver problemas. Quanto mais difícil o problema, maior o estímulo à criatividade. Um problema pode ser resolvido através de uma pesquisa científica, de uma investigação filosófica, mas também por meio de uma invenção artística — neste último caso, não se trata propriamente de uma resolução, mas da criação de uma resposta singular e aberta, uma resposta que não esgota a questão, mas que nos faz vê-la de outra forma.
Outra maneira de cultivar a criatividade é se manter sempre próximo de pessoas criativas. Se não for possível tê-las por perto fisicamente, você pode sempre estar em contato com suas obras.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevo com muito mais facilidade do que há vinte ou dez anos, mas é claro que isso só acontece porque perfiz um trajeto que dependeu das escolhas que fiz há vinte e há dez anos; assim, a única coisa que eu poderia dizer a mim mesmo seria: Leia o que desperta a sua curiosidade, e só escreva quando se sentir compelido a escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dezenas de projetos à espera, mas prefiro não os anunciar antes da hora. São exatamente esses os livros que eu gostaria de ler e que ainda não existem.