Márcio Barreto é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Agradecendo. Acordo, costumeiramente, entre quatro e seis horas da manhã. Minha rotina é permeada pelas linguagens que vivo, como a poesia, a música, a dança, o audiovisual, a edição de livros, a fotografia, os projetos socioeducativos, a produção e curadoria de eventos culturais e também o trabalho burocrático que envolve leis, editais e impostos. Se há uma rotina, ela é sempre modificada de acordo com as necessidades e imprevisibilidades do dia-a-dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tenho procurado trazer a poesia para minha vida cotidiana, o que significa olhar o mundo através dos olhos da poesia, como o cineasta ou o fotógrafo que ao olhar determinada imagem, mesmo que corriqueira, observa-a com as lentes de sua arte. Tenho maior clareza quando acordo, mas a clareza mental nem sempre é necessária para a escrita, ao menos para o momento criativo. Não há uma hora melhor, há apenas o momento em que a poesia se faz necessária.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Minha escrita é caótica. Concentro os esforços quando decido pelo lançamento de um livro, então só paro quando está pronto para ser publicado ou quando outra atividade requer meu tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não faço notas, simplesmente começo a escrever, às vezes sem saber exatamente onde irei chegar. Há livros que escrevo há mais de vinte anos, outros são terminados em dois ou três meses. Minha pesquisa é constante, diária e, desse modo, procuro expressá-la de acordo com a linguagem à qual ela melhor se adeque.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho trabalhos que duram décadas, são escritos e reescritos de tempos em tempos. Lido com isso no decorrer dos anos. Quando sinto que não consigo escrever, paro e começo a fazer outra coisa, uma música, um exercício físico, um café. Depois, volto e tento novamente. Alguns poemas nascem quando não estou escrevendo, algo que poderíamos chamar de inspiração, nascem prontos, como que assoprados em nossos ouvidos. Outros são fruto de uma intensa batalha entre a palavra e o silêncio, esse silêncio povoado de inúmeras tentativas frustradas. A frase que não se finaliza, o ritmo que desaparece, a palavra mal escolhida, a ideia que não comunica e o verso que não se faz a despeito de nossa mais profunda vontade. Aprendemos a conviver com isso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu os reviso mesmo depois de prontos. Carrego a ideia de que toda obra pode ser reescrita, continuada. O livro Macunaímabladerunner, por exemplo, começou com o convite do escritor Luiz Bras para a coletânea Hiperconexões – Realidade Expandida. O primeiro movimento do livro está nessa coletânea. Porém, após o lançamento, continuei a escrevê-lo. Ainda não o considero pronto. Provavelmente eu o continuarei, ou talvez, insira-o em outro livro, como personagem. Assim é com Totem, um romance que escrevo há tempos e acaba sendo uma espécie de matriz para meus outros trabalhos. Ou ainda, é a tentativa de criar mundos paralelos, onde diferentes obras e seus personagens se movimentam entrelaçados.
Sempre mostro meus trabalhos antes de publicá-los. É um diálogo importante, possibilita perceber os impactos que a obra causa, escutar de outra voz a sonoridade e cadência da leitura, as possíveis críticas. É também uma oportunidade para conversar e rever os amigos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador. A tecnologia é uma excelente ferramenta, possibilita-nos autonomia criativa. Podemos escrever e editar e publicar, quase ao mesmo tempo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De um sem número de lugares, livros, frases, músicas, diálogos, encontros, impactos, filmes, danças. Minhas ideias vêm de referências diversas que se juntam para criar novas referências. Trabalho 30 horas por dia, meu cotidiano é voltado à criação, nele procuro inserir a poesia, essa tentativa fugaz de olhar o mundo de outra forma. Tenho que ser criativo, minha sobrevivência depende disso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não mudou muito, é um diálogo constante entre minhas dúvidas, permanece, ainda assim, mutável, na medida em que novas linguagens o contagiam, recombinações de referências fragmentadas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Em breve publicarei uma coletânea de dramaturgia. São obras para teatro, dança e música. Provavelmente a publicarei no primeiro semestre de 2019. Há também a publicação do romance Totem que não sei ao certo quando acontecerá. E o mais importante: O Brasil Caiçara – a reinvenção do futuro, livro que comecei com a pesquisa sobre identidade e cultura caiçara dentro do ponto de vista genesíaco, enquanto formação e desenvolvimento do povo brasileiro. Este é o livro que gostaria de ler, que comecei mas ainda insiste em rebelar-se contra minhas tentativas de escrevê-lo.