Marcio Aquiles é escritor e crítico de teatro.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Fora do meu horário de trabalho na SP Escola de Teatro, qualquer momento pode ser útil para a criação literária. Tenho agendas, bloco de notas, aplicativos no celular, tudo para anotar ideias ou conceitos que podem dar origem ou continuidade à produção.
No momento, estou com três projetos simultâneos: uma edição crítica sobre a Cia. de Teatro Os Satyros; o segundo livro da série sobre o sujeito histórico teatro de grupo, dessa vez com foco na produção do Estado de São Paulo; e meu novo romance.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Para mim, o mais complicado é ter a premissa, o conceito daquilo que quero desenvolver. Tendo isso, o processo segue automaticamente; assim, a primeira ou última frase são fáceis; difícil mesmo é o conjunto de todas as frases…
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não sigo uma rotina, embora geralmente escreva bem no começo da manhã ou fim de noite. Silêncio e privacidade certamente ajudam na hora de escrever, mas às vezes consigo produzir bem com a televisão ligada, por exemplo.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Se me sinto travado, não escrevo, deixo para mais tarde.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Meu penúltimo livro, “A Odisseia da Linguagem no Reino dos Mitos Semióticos”, deu um trabalho absurdo, porque é uma epopeia, com milhares de versos. Existe uma subdivisão didática por sonetos, em que cada um é construído segundo diferentes métricas e dispositivos dominantes. Meu primeiro romance, “O Amor e Outras Figuras de Linguagem”, também foi bem espinhoso, porque são muitas personagens, tem personagem conceitual presa dentro do próprio romance, há referências cifradas e intertextualidades múltiplas dentro da narrativa, combinação de elementos distópicos, de literatura fantástica, realista…
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
O principal é o conceito da obra – que colige tema, forma, técnicas e referências a serem utilizadas.
Acho difícil idealizarmos tipologias de leitores, pressupor recepções etc. Mas, de maneira geral, penso no que seriam esses extremos: de um lado, o leitor dito mais erudito, de outro, o leitor não iniciado, de modo a tentar compor um texto com diversos níveis, que possa ser interessante para ambos.
Acho que meu último livro, “A Cadeia Quântica dos Nefelibatas em Contraponto ao Labirinto Semântico dos Lotófagos do Sul”, por exemplo, consegue propor bem essas camadas de interpretação: há referências – explícitas ou cifradas – que partem do cânone, da historiografia e dos estudos literários, ao mesmo tempo que apresenta jogos sonoros – aliterações, rimas internas – intuitivos, que podem ser agradáveis também para vários tipos de leitores.
Digamos assim, eu gosto de explorar ao máximo a intertextualidade, então não tem porque eu me censurar; ao mesmo tempo, quero um livro democrático, que possa ser legível em alguns de seus níveis semânticos.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Geralmente não mostro para ninguém, o material pronto vai direto para a editora. Nesse novo romance que estou trabalhando, contudo, talvez eu faça um pouco diferente, porque estou participando de um grupo de estudos na Unicamp. A cada três semanas alguém apresenta um novo material e debatemos. Embora o foco esteja nos textos acadêmicos (teses que os doutorandos do grupo estão produzindo; artigos do pessoal do pós-doutorado) e críticos, não posso perder a oportunidade de, na minha vez, enviar o início do romance, para que seja discutido em termos de suas potencialidades.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
A escrita literária mais sistematizada, digamos assim, veio quando eu já era adulto, tinha boas referências etc. Não fui o adolescente que compunha poemas e coisas do tipo.
Minha primeira paixão foi o cinema, e toda minha inserção no meio artístico começou aí (sobretudo a partir de Buñuel, Bergman, Tarkovsky e Ana Carolina). Então veio o teatro, comecei a escrever peças, contos e, só depois, poemas e romances. Daí decidi fazer uma nova graduação, já com quase 30 anos, prestei vestibular e fui cursar Estudos Literários na Unicamp.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Leio muito, e tenho um raciocínio não cartesiano, portanto creio que a soma desses dois fatores geraram essa maçaroca rizomática inconsciente que é a base da minha criação.
Autores que me influenciaram: Alcir Pécora, que foi meu orientador na Unicamp, uma das pessoas mais geniais que já conheci, para mim o mais importante crítico literário do país, cinco minutos de conversa com ele são suficientes eu aprender algo novo e altamente relevante; Alexandre Mate, com quem eu tive intenso contato nos últimos dois anos, produzindo o livro “Teatro de Grupo na Cidade de São Paulo e na Grande São Paulo: Criações Coletivas, Sentidos e Manifestações em Processos de Lutas e de Travessias”, um pesquisador de fala e escrita brilhantes; Mallarmé, Borges, Beckett, Thomas Bernhard, Margaret Atwood, Irvine Welsch, Michel Houellebecq, Leyla Perrone-Moisés, Chimamanda Adichie, para ficar em nomes de escritores e críticos que me vem à cabeça agora.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Geralmente eu não faço isso. A não ser que eu esteja ministrando algum curso. No último, sobre escrita ficcional, além do material que fazia parte do escopo teórico e literário, recomendei obras que eu tinha lido nos últimos anos, e acreditava que tinham impacto literário: “O Vendido” (Paul Beatty); “Visita Cruel do Tempo” (Jennifer Egan); “A Trama do Casamento” (Jeffrey Eugenides); “Americanah” (Chimamanda Adichie); “Skagboys” (Irvine Welsh); “Divórcio” (Ricardo Lísias); “Carvão Animal” (Ana Paula Maia); e todos os livros da Margaret Atwood e do Michel Houellebecq.