Márcia Maranhão De Conti é escritora.
De madrugada é quando sou mais aberta aos fluídos, mais pronta a escrever, é quando vem a coisa (é assim que sinto). Normalmente, já dormi um sono, acordo e me deparo comigo, o silêncio e a noite. É quase inevitável o poema, mesmo maluco (não que não o seja na maioria das vezes, mas tem que saber a que veio, um fio de luz ao menos, origem e destino, mais ou menos isso), sem ainda a sua substância precisa (não que precise de precisão, mas tem que ter um traço qualquer, identidade, beleza no sentido mais amplo, um simples ato de coragem ou ineditismo na poesia pode ser o seu traço mais belo, seja na forma ou no conteúdo). Deixo vir o que precisa. Na aurora também adoro escrever, quando ainda resta silêncio e escuro, quando ainda estou em transe…
Quando não estou morta de sono e escrevendo só para não perder o que pode não voltar, gosto de ouvir música enquanto me vem o primeiro jorro. Depois desligo a música e ponho os pés um pouco mais no chão, começo a cortar, a burilar, a ver se o derramamento é mesmo poema ou só catarse.
Não tenho metas, mas escrevo quase todos os dias, nos meus dias normais. Há fases em que escrevo mais de um poema por dia, até vários. Há outras em que a alma se cala mais, nos lutos, por exemplo, ou quando preciso ler mais para algum projeto (excepcionalmente).
Tudo pode ser inspiração, minhas impressões, o que guardo de qualquer leitura, qualquer filme, música, qualquer arte, qualquer frase de qualquer artista, qualquer coisa enfim da vida, do que vejo, do que sinto, do que percebo nos outros ou em mim, de um instante, de uma flor, de uma paisagem. Sou extremamente curiosa, cato fragmentos de tudo, encantada, numa loucura para recuperar o tempo em que me dediquei a outros estudos distantes da poesia. Tudo agora é precioso, tudo me fascina. A música nunca me deixou, essa me inspira desde sempre.
Não tenho travas para a poesia, ao menos que eu perceba, até precisaria um pouco, pois escrevo muito, mas muitas vezes só critico um texto depois de publicar nas redes sociais. Sinto-me meio criança nisso, escrevo sem me preocupar tanto, num êxtase, e divido no mesmo clima. Às vezes, depois é que percebo que o texto não estava ainda maduro ou nunca estaria. Por outro lado, outros eu reviso inúmeras vezes, o que tem acontecido cada vez mais. Falo muitas vezes, escuto-me, vou moldando (ainda assim não preciso de tanto tempo pra isso) e tento deixar o que importa. Isso também não é a regra, há os poemas que descem quase prontos, sem muito o que revisar. Não ter travas não significa não reconhecer meus limites e a minha vontade de ultrapassá-los. Muitas vezes me percebo no automático, escrevendo o fácil, não me falta inspiração, mas disciplina.
O ócio me mantém criativa, ter tempo para pensar, ler, ouvir música, ver filme, danças, qualquer arte (como mencionei sobre o que me inspira), estar aberta ao mistério e às questões que me (ou nos) provocam e não estar demasiadamente triste, com a tristeza extrema, que seca as palavras, só com a inevitável (ou necessária).
Não imagino nenhum livro que eu gostaria de ler que não existe, mas uma montanha infinita que quero ler e não consigo. Lamento exatamente isso, não ter lido mais e viver enrolada no tempo…