Maizé Trindade é jornalista, feminista, de esquerda.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em geral, minhas manhãs são dedicadas a assuntos pessoais e domésticos. Depois de acordar e tomar meu café da manhã, faço uma pequena caminhada, vou ao Pilates duas vezes por semana, cuido de mim e de prover e administrar a casa. Concentro todas as minhas atividades práticas na primeira metade do dia. Não consigo escrever/produzir nada neste horário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Produzo mais (e melhor) à noite. Sou notívaga. Quando o mundo silencia, minha cabeça entra em ebulição. Muitas vezes avanço madrugada adentro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sou indisciplinada. Não estabeleço metas. Tenho certeza de que é ruim, mas não consigo ficar frente à frente com a folha de papel branco sem ter algo para escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando surge uma ideia, não começo a escrever imediatamente. Anoto e deixo fermentar. Feito vinho. Cerveja é volúpia. Vinho exige paciência. Vou “flertando” com o assunto. Carrego pequenas cadernetas na bolsa e mantenho-as espalhadas pela casa. Caso o assunto continue a me provocar é porque reclama ser escrito. Depois que escrevo, deixo o texto amadurecer. Faço correções. Enxugo artigos e adjetivos. Meu texto é limpo. Hábito de jornalista. Raramente acontece do texto chegar pronto! Quando ocorre, transcrevo imediatamente. Mesmo que precise me levantar da cama, durante a madrugada.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Trava na escrita é feito vinho no decantador. É preciso dar-lhe tempo para “abrir o sabor”. Quando fico “travada”, busco outras atividades. Vou ao cinema, ando pela cidade, dedico-me à leitura… Dou-me um tempo para lapidar a ideia. Em geral dá resultado. Quando não dá, rendo-me. Não insisto. Pode acontecer da ideia só vir a “desencalhar” muitos dias depois. Aí é a glória! Eu me lambuzo!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras vezes até sentir que o texto está redondo. Chega a ser exaustivo! Nunca considero o texto pronto. Por isso preciso estabelecer um prazo para terminá-lo. Já aconteceu de retornar ao texto, um ano depois, e ainda fazer alterações. Tenho sorte de ter uma amiga a quem confio a primeira leitura e revisão. Ela é implacável!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador. Entretanto, quando a ideia explode, costumo anotá-la em qualquer pedaço de papel para, depois, transcrevê-la. Passada a explosão, já ocorreu de sentir que o que escrevi não tem conexão com o que desejo. Quando ocorre, costumo guardar um tempo. Depois, se o insight não se confirmar, descarto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Como disse, sou indisciplinada. Não cultivo hábitos para me manter criativa. Isto é muito ruim. Por isso também não me considero escritora. Sou uma escrevinhadora. Meus textos, embora densos, são curtos, quase fragmentários. O único hábito que pratico é o da leitura. Sou leitora voraz. Leio tudo: poesia e prosa, crônicas e contos, romances e biografias, artigos acadêmicos e filosofia, revistas e jornais…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus primeiros textos não são bons. Mudou, fundamentalmente, minha exigência com a garimpagem da palavra. Buscar a palavra certa para me expressar. Afinal, palavra é poder, mas também é prazer. Busco fazer conexões com outras ideias, dar um fio melódico para o texto. Começar a falar de algo e buscar links com o assunto que me interessa.
Por exemplo, como costurar assuntos tão diversos como o sentimento de ser mãe, as revelações da amante de um ex-presidente e a presença dos Rolling Stones no Brasil? Com que fio costurar assuntos tão diversos? Perguntas deste tipo me inquietam. Sempre acreditei que há um jeito de alinhavar minhas reflexões. Tessitura invisível que, para mim, dá significado aos acontecimentos. De repente, pareceu-me clara a conexão. A palavra prazer foi fundamental para tal compreensão. Ser mãe nem sempre á prazeroso. Ser mulher e amante também não. Satisfation é a palavra que dá nome à música dos Rolling Stones. De repente, a conexão me pareceu clara. Surgiu um bom texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou me engajando agora num projeto de escrita de uma biografia. Relutei em aceitar o trabalho. Não tenho nenhuma experiência com biografias. Argumentei com a pessoa que me contatou. Talvez por saber que não sou disciplinada e ser avessa a estabelecer prazos para terminar um trabalho. Encomendas, entretanto, exigem um cronograma. Estou me sentindo desafiada e bastante insegura ante a hipótese de não corresponder às expectativas do biografado e da pessoa que me fez a encomenda. De outro lado, sou obcecada. Quando me engajo num projeto, me entrego. Penso nele o tempo todo! Mesmo uma cena de rua pode me trazer ideias. Isso me consome, com certeza! A cabeça ferve!