Maíra Dal’Maz é poeta e professora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia começa bem cedo, já que acordo por volta das 5h20. Isso porque sempre dei aula nos primeiros horários da manhã. É quando tenho mais energia para desempenhar esse papel, que exige muito do meu corpo e do meu raciocínio, então costumo dar preferência ao trabalho na escola logo cedo. No intervalo entre as aulas, tento levar uma rotina de exercícios físicos e, quando há disposição e tempo nessa correria, leio.
Parece pouco o tempo da leitura, mas leio sempre. Carrego comigo algum livro mais curto, ou o Kindle – em geral, livros de poemas ou narrativas curtas. Nos finais de semana, também acordo cedo (pero no mucho) e leio. Leio a manhã inteira principalmente romances ou textos mais longos, alternando o livro com os cochilos, claro. A escrita é a consequência disso tudo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como dito antes, no trabalho com a educação, sem dúvidas, meu desempenho é melhor pela manhã. Também em virtude dessa rotina, o trabalho com a escrita tende a ocorrer mais no fim do dia, desde o trajeto de volta para casa no fim da tarde até adentrar a noite. Meu deslocamento da escola para casa dura, em média, 1 hora e o trânsito todos os dias é um verdadeiro tédio. Eu gosto do tédio e detesto o trânsito, então tento ir me livrando do turbilhão de coisas pelas quais passei no dia.
Sempre observo pessoas pelo retrovisor, vejo como elas interagem com o sinal fechado, se estão cantando uma música ou apenas buzinando para mim. Tento me familiarizar com as árvores da via pública e acompanhar o movimento dos bichos. Por semanas, testemunhei o corpo de um urubu morto sem que ninguém o recolhesse. Faço isso para dar mais espaço à vida e seus desdobramentos que aos carros. Este é um ritual de preparação da escrita muito usual para mim. O outro ritual primordial é ler. Ler muito, tanto quanto possível, e anotar palavras que acho bonitas e poderosas, para que elas estejam ali comigo quando uma imagem se revelar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta nenhuma de escrita, não escrevo todos os dias e não há, também, períodos concentrados – ou, pelo menos, nunca observei que isso acontecia. É evidente que, em épocas de férias e folgas, consigo trabalhar por um tempo prolongado nos meus textos, mas daí criar mais… Eu já não sei.
Não que eu não goste de metas e rotina, sou virginiana. Mas a escrita vem em decorrência não de uma meta, mas de um método de observação, de conexão e de sentido. Essas coisas duram o tempo delas. Como diz um professor, não podemos apressar, disciplinar ou forçar a Musa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Orides Fontela escreveu um poema chamado Vigília e, por meio dele, afirmo que sou um “pássaro vivo, atento a.” Atenta a tudo, quando me vêm as imagens, gosto de já ter um inventário de palavras (que encontro sobretudo nos livros que leio e nas músicas que escuto) cujos significados eu me aproprio para escrever.
Uma vez nesse movimento, que não é rápido – toma tempo, vira uma espécie de obsessão-, escrever é muito natural, não é difícil. Em alguns momentos, tenho a impressão de que o tempo de elaboração mental já é tendencioso para revelar a forma de como o poema virá. Então trabalho na forma com o mesmo objetivo com o qual me dedico ao conteúdo. Um não existe sem o outro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido muito bem. Não é questão da expectativa alheia, porque esta nunca procurei atender, mas somente a minha. Acabo criando uma aversão, um verdadeiro abuso de poemas e de poetas. Acredito que nada presta, rejeito o que já fiz, jamais releio nada meu nem de ninguém nesses tempos. Em redes sociais, silencio todos os poetas ou deixo de acompanhar aquelas páginas que compartilham trechos de poemas, não abro um livro sequer de poemas. Digo de poemas, porque é o que eu escrevo. A ficção em prosa, principalmente os romances, é o que me resgata dessa bad.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso constantemente, tanto que, muitas vezes, erro a mão e ultrapasso aquele limite da revisão, que é quando você começa a estragar o que já estava ok. Não uso muito as redes sociais para compartilhar meus poemas, então há um blog fantasma em que posto tudo em primeira versão, mas ninguém vê.
Nesses tempos enviei um projeto de um livro para um colega, para que ele lesse. O impressionante foi que ele realmente leu e fez comentários. Foi a primeira vez que aconteceu algo parecido. Um dia vi a Júlia de Carvalho Hansen respondendo a uma afirmação feita no seu Instagram, quando algum seguidor falou: parece que os poetas são muito unidos e se ajudam. Ela foi a única pessoa até agora que falou algo parecido com o que percebo: não, não há tanta camaradagem dessa maneira. Há, como em todo canto, ego, muito ego. Desconfiem das legendas generosas e dos listões de melhores livros, rs.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto da tecnologia, principalmente do smartphone, mas só ligo o computador em última instância, quando preciso formatar o texto de tal forma que as ferramentas do celular não são mais suficientes. É no celular que anoto tudo, nos documentos do Google Drive. Tinha cadernos e achava super romântico comprar mais cadernos. Mas comecei a perceber que eles estavam se acumulando e com muitas folhas em branco, então deixei para lá.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sou formada na escolinha do Belchior, aquela que me mostrou o lado mais humano do humano, por isso não estou interessada em nenhuma teoria. Minhas ideias vêm da experiência com coisas reais. Por consequência, me mantenho informada, leio muito, assisto a muitas coisas, quero saber sobre o meu tempo, quero ser uma pessoa profundamente acordada, como diz Matilde Campilho, apesar de estar atenta aos sonhos. O hábito que cultivo é o de escutar. Sou uma ótima ouvinte e me interesso verdadeiramente pelas pessoas e pelos mistérios da existência de cada um.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou porque a minha bagagem de leitura se alargou. Antes eu achava que conhecia Hilda Hilst porque tinha lido a série Alcoólicas e a imitava, na escrita e na vida. Bebia muito para encontrar alguma liberdade. Tudo era na base do limite, coisa que vivenciava só dentro, não havia quem reparasse. Minhas experiências me testaram de tal modo que sinto que não preciso tanto disso hoje.
Diria para mim mesma: seja mais moderada consigo e procure ajuda psicológica, fofinha. Você não precisa ter tanto medo assim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Queria fazer um livro em que eu escrevesse os poemas pensando neles como um projeto, um roteiro, com uma ideia central. Como demorei muito para publicar algo, hoje entendo meu livro publicado e o que está no forno como uma espécie de antologia. São 12 anos de textos, é antologia. Tem um livro da Adelaide Ivánova, o martelo, que ela escreveu como um projeto fechadinho. É algo assim que eu ainda quero fazer.
Não há nenhum livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe. Tive certeza disso depois que li David Copperfield, do Charles Dickens.