Luiz Otávio Oliani é escritor, autor de Luiz Otávio Oliani – Entre-Textos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O ofício do magistério começa com café e literatura, na preparação das aulas a serem ministradas, o que inclui a escolha de poemas, contos, crônicas, trechos de filmes, imagens, músicas, vídeos, imagens e materiais diversos para a sala, além da organização dos conteúdos gramaticais, literários e de produção textual.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não há um horário específico para escrever. Às vezes, a inspiração surge de forma inesperada, e é preciso registrar as ideias, uma frase ou até mesmo o texto que vir à mente pronto, de imediato. Mas, em outros momentos, é necessário ser “frio”. Escrever se torna uma atividade racional. O trabalho se torna árduo e pode ocorrer de dia, tarde, noite ou madrugada. Isto porque produzir literatura exige labuta, paciência e dedicação, já que o texto, antes de ser divulgado, deve ser lido, relido e corrigido até chegar à exaustão a agradar em cheio o autor.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever diariamente, todavia, às vezes, isso não é possível por conta do magistério, aulas particulares e revisões de textos, bem como a participação em eventos literários. Tudo ocupa um tempo considerável. Agora, elejo metas de escrita não diárias, mas a curto, médio e longo prazos na elaboração de livros que produzo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita surge, às vezes, do inesperado. Trata-se de uma frase que você ouve, um verso lido, uma palavra numa canção ou simplesmente tudo decorre de um esforço intelectual quando há o desejo de produzir determinada obra literária. Nesse momento em que as ideias vêm à mente, é preciso anotá-las (o que pode gerar um texto imediato, nascido do fluxo do pensamento) ou deixar que tudo adormeça para ser trabalhado a posteriori. Ou seja, há sempre dois caminhos para a criação: um espontâneo, natural e outro decorrente da racionalidade, ou seja, de uma necessidade de criar, por conta de demandas diversas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da escrita são naturais, até porque não é sempre que se tem a ideia para o desenvolvimento do texto desejado. Muito pelo contrário. O escritor vive momentos de seca, de ausência de produção. E lembro aqui uma metáfora do poeta, romancista e acadêmico Lêdo Ivo, quando entrevistado por mim e por Carlos Figueiredo para uma revista literária, a SPN – Sociedade dos Poetas Novos, de que participamos há tempos. Lêdo Ivo disse que a imaginação do poeta era como uma piscina que, depois de cheia, sempre se esvaziava num ciclo de muita ou pouca água. Assim seria o escritor que produz um poema e o finaliza; de sorte que a piscina pessoal dele não teria mais água e demoraria para encher. Logo, penso que este exemplo demonstra as securas por que o escritor passa em momentos de ausência de criatividade.
Quanto à procrastinação ou o medo de não corresponder às expectativas e à ansiedade em projetos longos, entendo que cada escritor deve lidar com os próprios fantasmas, no sentido de abatê-los, porque fazem parte de qualquer processo. As dificuldades são inerentes a qualquer ofício e, no caso pessoal, é preciso ter mais do que dedicação, mas muito ímpeto para seguir num projeto grandioso. Cito aqui não um medo, uma apreensão que tive ao iniciar um longo projeto denominado de “Entre-textos”, iniciado em 2013 e concluído somente em 2016. Ou seja, após publicar o primeiro volume de “Luiz Otávio Oliani – Entre-Textos”, pela Editora Vidráguas, Porto Alegre, 2013, iniciava-me na criação de diálogos poéticos denominados de “entre-textos” que seriam textos meus inspirados em outros poetas brasileiros contemporâneos e percebi que não podia parar. Lançado o primeiro volume com 41 autores brasileiros contemporâneos, realizei diversas intervenções poéticas no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Espírito Santo, Porto Alegre, Pará, Maranhão e Sergipe, realizando ao total mais de 80 eventos, nos quais divulgava o trabalho. O interesse do público leitor e a receptividade por parte da mídia fizeram com que eu prosseguisse as atividades, a fim de concluir a trilogia com a histórica marca de 123 poetas de vinte estados da federação. Em suma, foram necessários o esforço, a paciência e a dedicação, para que um projeto de tal porte fosse concluído com êxito.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão dos meus textos é incessante e só termina no momento em que decido pela publicação do material já lido e relido diversas vezes. E é por isso que, sempre antes de publicar um livro, os textos têm de passar pela leitura de pessoas próximas, muitas vezes amigos escritores que podem emitir notas, no sentido de direcionar escolhas acerca de tudo que estará naquela obra ou não. Ou seja, leitores críticos são fundamentais, por serem olhos externos àquilo que você produziu, mas não consegue visualizar pela ausência do distanciamento entre o autor e a obra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A tecnologia é fundamental no meu processo de trabalho. Hoje, só escrevo à mão se não tiver o computador ou o bloco de notas do celular. Agora, é interessante dizer que organizo, no momento, um livro de contos e muitos dos textos surgem da observação de cenas cotidianas. Às vezes, na rua, indo ao trabalho, ou resolvendo questões cotidianas como ir aos correios ou ao mercado, flagro momentos, diálogos, posturas ou vejo pessoas que me inspiram. Nestes momentos, escrevo no bloco de notas e, às vezes, dali mesmo já sai um texto. Mas depois é preciso compilá-lo, de forma a achar o final ideal àquele conto, isto é, a forma que agrade tanto o autor quanto o leitor em cheio.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias surgem de todos os lados, de todos os pontos. Como dito anteriormente, tudo inspira o escritor, o qual, segundo Erza Pound, é “a antena da raça”. Daí, é preciso ter olhos e ouvidos atentos para o entorno, porque um poema pode surgir de um gesto, uma atitude; uma crônica pode despontar de uma situação corriqueira e um conto pode nascer da observação atenta de uma cena diante do escritor. Só que não basta este estado de atenção. Urge que o escritor leia, escreva, reescreva e estude principalmente o ofício da palavra.
Um exemplo é o fato de que, embora tenha publicado doze livros, nove de poemas e três peças de teatro, decidi me lançar como contista, afinal sempre me dediquei ao gênero, mas a poesia terminou por ocupar um longo espaço no meu trabalho, de forma que outras manifestações literárias tornam-se secundárias em meu ofício, mas não menores, pelo contrário. Para tanto, no momento, trabalho na elaboração de um livro de contos. Estudo na Oficina de Literatura Cairo Trindade, a fim de buscar maior embasamento crítico-teórico na criação de meus textos. Trata-se de um aporte a mais em minha literatura.
Em suma, com estudo e dedicação, é fundamental ainda ler muito, a fim de ampliar todos os horizontes da imaginação. Não se pode conceber um escritor sem leitura; assim como um jogador de futebol sem bola e sem treino. O ofício só será melhor se houver paixão, palavra que deve mover qualquer atividade profissional.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quanto mais se escreve, mais exigente e mais maduro se torna o escritor. Mas isso não se trata de um entrave, como falamos há pouco. É uma situação decorrente a quem busca um crescimento intelectual.
No meu caso, percebo que a ousadia é fundamental na elaboração de uma obra. Um intelectual deve buscar a originalidade, sair do lugar-comum e não escrever os mesmos livros com as mesmas roupagens. Vivenciei isso após publicar “Luiz Otávio Oliani – Entre-Textos”, “Luiz Otávio Oliani – Entre-Textos 2” e “Luiz Otávio Oliani – Entre-Textos 3”. O que publicaria após uma trilogia na qual a intertextualidade era o mote? Foi preciso me desvincular deste trabalho, para que outros surgissem. Foi neste contexto que vieram à tona os livros “A vertigem das horas”, dedicado a Airton Sousa e Claudia Manzolillo, (livro decorrente de um convite e uma viagem para divulgação de minha obra em Marabá, Pará) e “A persistência da memória”, livro todo dedicado ao pintor catalão Salvador Dalí. Sobre estes dois volumes, cabe dizer que o primeiro era um livro de poemas avulsos; enquanto o segundo era um trabalho que dialogava com as artes plásticas e a literatura. Ou seja, reinventar-se é essencial.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Embora já tenha projetos iniciados com novelas e romances, ainda não tenho nada publicado nestes gêneros, mas se trata apenas de uma questão de tempo, afinal será preciso um afinco diverso para elaborar narrativas mais longas.