Luiz Fabrício Mendes (Goldfield) é professor de história e nerd.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Durante boa parte do ano, ouvir o tema “Encounter” de Metal Gear Solid (PSX) tocar no despertador do celular, dar um giro de 90º para levantar da cama, usar o banheiro, tomar meia caneca de café, trocar de roupa, olhar rapidamente as redes sociais e ir trabalhar. Sou professor, e dependendo do ano (como é o caso deste 2020), trabalho todas as manhãs. Percebe-se que a escrita em minha vida é uma atividade que quase sempre precisa ser colocada em segundo plano perante obrigações de sobrevivência mais imediatas. Porém isso não significa que ela não seja “gestada” nesses momentos, inclusive o ritual de acordar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho preparação alguma, principalmente por não ter períodos específicos para escrever devido ao trabalho como professor. O que tenho observado é possuir dois modos: o “escrever por prazer” e o “escrever por obrigação”. O primeiro ocorre quando tenho ideias pulsando em mente, já razoavelmente estruturadas e prontas para irem ao papel. Geralmente é a escrita de minhas histórias de ficção e, com maior tempo livre disponível (geralmente nas férias escolares, em julho e janeiro), ela costuma fluir contínua por vários dias. Já o segundo momento envolve a redação de trabalhos acadêmicos ou, mais recentemente, roteiros (tenho trabalhado como freelancer). Essa escrita é um pouco melhor planejada previamente em questões de tempo, e geralmente me dedico a ela nos momentos livres mais imediatos possíveis (minha ansiedade crônica colabora para isso, querendo eliminar pendências o quanto antes), conseguindo desenvolvê-la em qualquer momento em minha casa ou até mesmo nas “janelas” do trabalho se estiver desperto o suficiente para isso. E ah, os dois modos podem também se misturar. Escrever roteiro, mesmo cumprindo regras e prazos, chega muito mais próximo do prazeroso do que os trabalhos acadêmicos, por exemplo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Aqui os dois modos também se refletem. Escrevendo por prazer, não tenho metas definidas e retomo/abandono o manuscrito conforme a “inspiração” (leia-se ideias já definidas em mente) oscila. Caso ela se mostre constante, consigo manter um bom ritmo, com milhares de palavras escritas, por vários dias, mesmo sem um cronograma a cumprir. Escrevendo por obrigação, o estabelecimento de horários definidos e metas exatas torna-se necessário. Dando aulas de manhã, geralmente dedico toda a tarde e parte da noite a isso, escrevendo cerca de 6h/dia, e estendendo a 8h se o cansaço físico e mental permitir.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Dificilmente tomo notas escritas. Os enredos e elementos ficam todos em minha mente. Tenho uma vantagem que me permite esse luxo: boa memória. Porém, reconheço que isso às vezes torna-se um entrave, já que certas informações esvanecem ou se confundem. Quando elaboro detalhes de worldbuilding muito intrincados, registro alguma coisa em documentos no computador paralelos ao texto central da história, mas é algo que faço com pouca frequência. Faço muita pesquisa ao escrever (ainda mais pela maioria dos meus enredos se passar em outras épocas ou então serem ficção especulativa), e o fluir das informações à narrativa em si ocorre até de forma natural, talvez pelo treino adquirido em preparar aulas de História e tentar ser didático sem soar cansativo. Confesso que a pesquisa acaba sendo desestímulo a começar um enredo, às vezes, pois quando penso que a coleta de informações será muito extensa, a falta de tempo hábil me intimida a avançar. Embora, com a pesquisa feita, a construção do enredo ocorra sem maiores problemas quanto a isso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Alterno projetos. Isso também é reflexo da minha ansiedade. Dificilmente escrevo uma só coisa ao mesmo tempo e, se travo ou procrastino em uma história por certo período, geralmente começo a dar vazão a outra ideia que tinha em mente, para depois retornar à anterior em certo momento, e assim sucessivamente. É exaustivo, por vezes frustrante, e confere um ritmo lento à conclusão de várias dessas histórias. Ao mesmo tempo, mantenho-me produtivo numa diversidade maior de textos, e treino a habilidade de conduzir duas ou mais narrativas muito diferentes em tom ou estrutura de uma vez só.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Já fui mais neurótico com revisão, o que se tornava um flagelo para alguém que publica textos em vários sites de Internet simultaneamente. Se eu achasse um “a” errado em algum capítulo, mesmo bem pouco nítido, tirava todos os textos do ar para a correção e só os retornava devidamente consertados. Sempre queria adicionar ou alterar algo nas histórias, como se elas nunca estivessem suficientemente boas – algo meio “George Lucas” e os Episódios IV-V-VI de Star Wars. Hoje já entendo que as histórias só devem ser incrementadas até certo momento, quando ficam prontas à sua revelação ao mundo. Passam, então, a ser também dos leitores, e o autor não pode “recolhê-las” sempre que achar necessário para alterações. A evolução melhorando o que não ficou bom na narrativa anterior deve focar também outras narrativas vindouras, ou o escritor jamais crescerá. Quanto a outras pessoas lerem antes da publicação, foi algo que sempre busquei e que certamente auxilia o processo de revisão – embora não consiga fazer isso com todas as minhas histórias.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Desde quando comecei a escrever na adolescência, já utilizava direto o computador para escrever, através de aplicativos como Word. Em certos momentos, principalmente em locais nos quais não havia computador disponível (como viagens ou até no trabalho), já rascunhei trechos extensos a mão. Embora esse método tenha seu “charme”, e até deixe fluir melhor as ideias dependendo do contexto, é algo que utilizo muito pouco devido ao “trabalho dobrado” que acarreta, ao depois demandar tempo para a digitação. E, como já sinalizei, tempo livre para escrever é algo escasso em minha vida. Por isso dou preferência a escrever direto digitalmente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias surgem e fluem de maneira um tanto frenética – mais uma vez é a ansiedade falando. Posso me inspirar tanto assistindo a um filme ou ouvindo uma música (aliás, música é uma parte imensa do meu projeto criativo, principalmente trilhas sonoras orquestrais), quanto refletindo sobre uma situação ou questionamento surgidos durante uma aula. Meu pensamento flui e divaga muito facilmente, e o que posso fazer para cultivar isso é me manter aberto aos mais variados estímulos, seja de obras já existentes ou de situações do cotidiano. Uma conversa frugal ouvida num ônibus pode servir de base a um diálogo entre dois exploradores espaciais em Júpiter, por exemplo. A questão é transpor essas inspirações aos contextos e estruturas pelos quais se quer narrar a história.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O tempo disponível para escrever diminuiu – e é o que mais afeta o processo como um todo. No Ensino Fundamental, quando comecei, havia pouco cansaço mental e horas à vontade durante a tarde e a noite para buscar inspiração e transpô-la ao papel. Hoje, embora eu ainda tente recuperar essas horas, a estafa é um fator prejudicial e as obrigações da vida adulta surgem como obstáculos constantes. O “escrever por obrigação” muito se sobrepõe ao “por prazer”, quando não o suplanta por completo – o que restringe a inspiração. Quanto ao que diria a mim mesmo? “Vai ficar mais difícil, mas ao mesmo tempo você sentirá que evolui”. Se eu voltasse no tempo e contasse ao meu eu de 12 anos que iria roteirizar games, com certeza ele exultaria de alegria e entenderia que, mesmo com a estrada árdua, a recompensa gera satisfação. E é preciso frisar isso em pensamento, mesmo não ocorrendo sempre, para persistir.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho de tomar um cuidado imenso para não começar coisas e abandonar, justamente por me desdobrar em múltiplos projetos simultâneos. Minha saga de livros “O Legado de Avalon” precisa de um final, porém também quero continuar as histórias do “Adamsverso” (caçada a vampiros e criaturas sobrenaturais), e outros projetos paralelos. Há anos pulsa em minha cabeça a ideia de uma trilogia (cada livro correspondendo a um ano do Ensino Médio), em que um personagem passaria pela adolescência vivendo situações que misturam ensinamentos de Filosofia a jogos de videogame, além de ser uma semi-autobiografia mesclada a elementos fantásticos como alienígenas e viagens no tempo (sim!) – mas é o tipo de projeto “minha obra-prima” que só pretendo começar com uma paz de mente, remuneração e tempo disponível melhores. Algo difícil na vida de um professor, mas que, acredito, ainda alcançarei.