Luís Fernando Sgarbossa é doutor em direito pela UFPR e professor adjunto da UFMS.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia cedo. Logo após o café da manhã e o banho matinal, costumo dedicar pelo menos parte da manhã, conforme as possibilidades da agenda, para leitura e escrita, quando não possuo outros compromissos, como aulas. O banho e o café são fundamentais, pois me despertam e preparam para a atividade intelectual. Tenho uma rotina de muitas horas diárias dedicadas a leitura, escrita e outros afazeres, como preparação de aulas, especialmente no começo da semana. O número de horas varia ao longo da semana, e de semestre para semestre e em diferentes momentos de cada semestre. Não sigo nenhuma rotina elaborada, realizo apenas os afazeres estritamente necessários, como checagem e resposta de e-mails e outras providências que não possam esperar. Após, a atividade de leitura e escrita é realizada no período matutino, em que me sinto mais descansado e com maior capacidade concentração, antes do desempenho de outras atividades docentes ou burocráticas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha atividade intelectual é inegavelmente melhor realizada no período matutino, mas isso depende, naturalmente, de uma noite de sono adequada. Mas em geral é no período matutino. Com o avançar do dia, normalmente surgem ligações, mensagens, e-mails e compromissos, e todos estes fatores são dispersivos da atenção, e muitas vezes geradores de ansiedade, e vão prejudicando a capacidade de concentração, memorização e escrita. Então tento dedicar as primeiras horas do dia para a atividade intelectual, e as horas posteriores para outras atividades e compromissos profissionais ou pessoais. A preparação para a escrita, em meu caso, não envolve nada de especial. Preciso apenas de um ambiente adequado, tranquilo e silencioso, pois tenho dificuldade em ler e escrever com ruído ou agitação excessiva ao meu redor. Não sou apreciador de café, mas preciso da cafeína para o dia ser produtivo. É importante, após o início da escrita, evitar interrupções frequentes. Em meu caso é preciso evitar a checagem constante de e-mail, WhatsApp ou redes sociais. Tento verificar isso, quando escrevo, apenas esporadicamente, para não quebrar a continuidade do raciocínio ou perder tempo necessário à escrita. Pausas são importantes, no entanto. Após cerca de uma hora de atividade, noto que o rendimento cai um pouco. Então costumo dar uma pequena pausa, não superior a dez minutos, após a qual retomo a atividade com níveis melhores de desempenho. Consigo escrever à tarde, mas o rendimento não costuma ser o mesmo, exatamente em função do aumento do cansaço e da intensificação de fatores que dispersam a atenção. Não costumo escrever à noite, período que dedico ao repouso e lazer quando não me encontro em sala de aula. Tenho evitado escrever muito aos finais de semana nos últimos anos, pois notei que um intervalo semanal da atividade intelectual é muito importante tanto para a qualidade de vida quanto para a qualidade da escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito da época do ano e dos afazeres existentes no momento. Existem períodos em que consigo escrever diariamente, especialmente quando tenho prazo para entrega de originais, como capítulos de livros, ou quando tenha começado a preparação de um artigo, por exemplo. Nesses casos costumo escrever até terminar o texto, e isso leva vários dias, uma semana a quinze dias ou mais, em geral. Então envolve a dedicação de uma ou mais horas diárias para a escrita. Há textos que chegam a exigir um período de cerca de trinta dias de elaboração e revisão. Mas quando me dedico à escrita de textos mais longos, como livros, alternam-se períodos de concentração de escrita com períodos de escrita diária por períodos mais curtos. Tudo depende, como dito, da rotina do momento, se há aulas ou é período de recesso, quantos orientandos possuo no momento, se estou preparando novas disciplinas, o momento em que as atividades de projetos de pesquisa se encontram, por exemplo. A meta da escrita é variável. Há momentos em que estou simplesmente escrevendo originais para submissão a periódicos e, nesse caso, geralmente não tenho uma meta de escrita diária, havendo dias em que escrevo mais páginas, e dias em que escrevo menos. Em outros momentos, quando estou dedicado à escrita de textos longos, como livros, costumo estabelecer metas mais exigentes, para que o processo de escrita não se prolongue demais, levando-se em consideração o tipo de projeto em questão. Ao longo de minha experiência como escritor, aprendi que embora não se deva escrever nada com muita pressa, o processo de escrita também não deve levar tempo demais. Parece-me que livros, por exemplo, amadurecem ao longo das sucessivas edições. Então embora a primeira edição deva ser robusta o suficiente, e isso exige investimento de bastante tempo, é importante saber que o livro melhorará em edições subsequentes, de modo que é preciso saber qual o nível adequado de desenvolvimento do texto em certo momento. É o que me parece.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita baseia-se em certo grau de anarquismo metodológico. Uma vez que tenha levantado informação suficiente, costumo escrever “de improviso” um texto-base, que será objeto de múltiplas revisões, sendo reescrito normalmente por mais de uma vez. Esse é o método de escrita que se revela mais natural para mim: escrever o texto básico todo, do começo ao fim, sem consultas às fontes neste primeiro momento. Depois, na revisão, incorporam-se detalhes, citações, fontes e o mais. Quando utilizo este método não costumo ter dificuldade em começar a escrever, desde que já possua elementos suficientes de antemão. Quando preciso escrever consultando fontes simultaneamente a escrita se torna mais difícil, e o resultado menos intelectualmente autônomo. Então tanto quanto possível tento separar os processos e momentos de leitura e escrita. Isso contribui para a autonomia intelectual na escrita, embora seja necessário maior cuidado nas revisões do texto. As sucessivas leituras são imprescindíveis. Embora às vezes o texto possa ficar bastante satisfatório já em suas primeiras versões, eu diria que se o texto for revisado vinte vezes, em todas elas surgem aprimoramentos em termos de conteúdo e forma. Então as sucessivas revisões me parecem essenciais. E mais do que isso, é sempre oportuno um afastamento temporário do texto, quando possível, antes de sua revisão. A revisão do texto após o transcurso de um lapso de tempo suficiente costuma ser mais produtiva do que a revisão realizada imediatamente após a elaboração do texto. O afastamento suficiente do texto, para viabilizar sua leitura crítica pelo próprio autor, requer tempo, me parece. Quanto ao número de revisões, naturalmente é necessário saber o momento de parar. O ato de encerrar um texto, de dá-lo por pronto e acabado, me parece em grande medida arbitrário.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Normalmente não tenho problemas que me impeçam de escrever, a escrita flui naturalmente e sem maiores dificuldades, desde que eu encontre um tema estimulante, tenha angariado informação suficiente para seu tratamento e esteja devidamente motivado para escrever. Normalmente não procrastino, e uma vez iniciado o processo de escrita ele segue até o final, salvo em projetos mais longos, em que por vezes fatores alheios à minha vontade impedem a continuidade da redação do texto na dinâmica originalmente pretendida. Estou finalizando um livro no momento, por exemplo, cuja redação iniciei em 2013, mas que, por força de diversos fatores de ordem profissional, teve que ser adiada, tendo sido retomada apenas em 2017. Então essas coisas acontecem, mas em geral não tenho problemas de procrastinação propriamente dita. O medo de não corresponder às expectativas é enorme, mas aprendi que o risco é inerente à escrita, e que o perfeccionismo é essencial, mas que se levado a extremos, será um elemento que tornará o processo de escrita um sofrimento. Então aprendi algumas coisas. Uma delas é a de que somente se deve escrever em campos que se domina razoavelmente bem, pois escrever em áreas em que temos pouco domínio aumenta a insegurança e normalmente redunda mesmo em textos de pior qualidade no que diz respeito ao conteúdo, ou em uma elaboração muito demorada. Outra coisa que aprendi é que os textos amadurecem com o tempo. Se artigos são publicações instantâneas, e, portanto, textos cuja versão inicial deve ser tão próxima quanto possível do ideal, livros são textos que amadurecem com o tempo, ao longo das sucessivas edições, revisões e ampliações, como já dito. A primeira edição já deve ser satisfatória e não pode conter erros, mas a obra adquirirá robustez, muitas vezes, ao longo das edições. Então me parece necessário controlar a insegurança, entender as críticas como inevitáveis, e conter a ansiedade para conseguir escrever. Escrever significa se expor, invariavelmente. Os projetos longos têm realmente um adicional significativo de ansiedade. São trabalhos que normalmente começamos muito motivados, e nos quais a demora em se concluir a escrita e os imprevistos que a interrompem, retardam ou atrapalham, são tanto geradores de ansiedade quanto redutores da motivação. É preciso paciência e perseverança em projetos longos. É necessário um bom planejamento de leitura e escrita, e uma expectativa razoável de prazo, levando em consideração possíveis imprevistos, para evitar a ansiedade demasiada e a frustração. É necessário compreender, também, que dilações do prazo de conclusão podem ser boas para a obra, na proporção em que corresponder a uma melhoria qualitativa de seu conteúdo (principalmente) e forma.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras vezes, a depender do texto. Mas não consigo conceber que um original esteja pronto para publicação antes de, pelo menos, três revisões profundas, quanto ao conteúdo e quanto à forma. Cada revisão costuma redundar em melhorias significativas do texto, de modo que eu diria que a qualidade do texto é diretamente proporcional, entre outros fatores, ao número (e à qualidade) de revisões que o mesmo sofreu. Mas como dito, é preciso também saber dar o trabalho por encerrado, sob pena de deixá-lo inédito por excesso de perfeccionismo. Devemos evitar os erros, mas devemos compreender que o texto é sempre precário e o saber encontra-se sempre em construção, de modo que em certo momento nossa intuição deve nos dizer que o texto encontra-se pronto. Este momento é em grande medida arbitrário, ao que me parece. Não costumo submeter meus originais à avaliação de terceiros antes de sua publicação, excluindo-se, naturalmente, aqueles que são submetidos à avaliação necessária por pares. Mas aquela prática de enviar o texto a colegas para apreciação crítica não faz parte de meus hábitos de escrita. Não sei dizer exatamente qual o motivo, mas reconheço que a crítica de um terceiro apto pode ser benéfica para o trabalho, apenas não tenho tal hábito. Uma das razões, provavelmente, é a escassez de tempo que todos enfrentamos na atualidade, derivada do excesso de afazeres. Isso me torna recalcitrante em solicitar a alguém que disponha de seu tempo para revisar meus originais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo diretamente no computador, sem fazer rascunhos à mão. Tenho razoável grau de intimidade com a tecnologia, pelo menos em seus aspectos básicos, como editores de texto e mecanismos de armazenamento de dados, de modo que desde o início de minha vida acadêmica e desde meus primeiros escritos tenho por hábito elaborá-los no computador. Alguns fatores são essenciais, como a ergonomia. Não consigo escrever em netbooks ou notebooks, salvo textos bastante curtos, como ensaios. Preciso de um computador pessoal, com tela grande em altura razoável, com teclado adequado e demais elementos devidamente ajustados para conseguir produzir. Como a escrita requer longos períodos à frente do computador, estes aspectos são essenciais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A principal fonte de minhas ideias são minhas atividades de pesquisador e docente. Os temas explorados em meu grupo (Núcleo de Pesquisa em Estado e Política) e meus projetos de pesquisa são uma fonte de inspiração, bem como as leituras exigidas pela atividade docente. Leio constantemente, e toda vez que encontro temas novos, pouco explorados na literatura, ou instigantes, inscritos em minhas áreas de interesse, penso em produzir algo a respeito daquele aspecto específico. Tenho uma grande lista de temas sobre os quais pretendo escrever, no momento oportuno. Fui compilando esta lista ao longo de anos de leitura e magistério. Tenho o privilégio de ter atuado, enquanto docente, em áreas bastante específicas durante a maior parte do tempo. Sempre atuei em disciplinas de formação geral ou no Direito Público, e é das constantes leituras que realizo para fazer e refazer minhas aulas, na graduação e na pós-graduação, que vem boa parte do material que utilizo no processo de escrita. Um dos aspectos fascinantes do Direito e de áreas afins, como a Política, é a infinitude da informação, dos problemas, das questões e das perplexidades. Esse infinito é, de um lado, gerador de angústia, mas, por outro lado, é gerador de motivação, pois sempre e inexoravelmente a leitura e a pesquisa trarão novas dimensões a serem exploradas e aprofundamento constante na compreensão dos fenômenos. O conhecimento não acaba nunca, é um processo infinito, e isso é muito bom para a produção. Porém parece-me essencial saber interpretar os sinais que sua mente e seu corpo lhe enviam. Descobri, a duras penas, que é preciso repouso, relaxamento, lazer e distração para manter a criatividade. Então, pausas diárias, semanais, mensais, anuais, são fundamentais. Em meu caso preciso de alguns momentos de desligamento total da atividade intelectual, após os quais as reinicio com muito mais intensidade e qualidade. Dedicar-se exclusivamente à atividade intelectual parece-me improdutivo, pelo menos no meu caso. Sempre busco uma relação equilibrada entre atividade acadêmica e os demais aspectos da vida, embora isso seja bastante difícil.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Meu processo de escrita tornou-se mais maduro ao longo do tempo. De artigos dogmáticos e fortemente opinativos, verdadeiros ensaios, passei a tentar escrever cada vez mais de forma estritamente científica, preponderantemente descritiva. Isso às vezes é mal compreendido, pois por vezes em processos de avaliação cega por pares recebo um feedback recorrente no sentido de que meus textos seriam demasiadamente descritivos (o que era exatamente minha intenção e o que é, em meu ponto de vista, mérito, e não demérito, em texto científico). Melhoraram minhas fontes também. Em meus primeiros escritos eu não me preocupava muito com as fontes que utilizava, e atualmente sou muito mais seletivo. Mas a maior maturidade de meus últimos escritos tem um preço, a saber, certa perda em termos de criatividade. Comparando meus primeiros escritos com os últimos, percebo uma grande criatividade naqueles e uma criatividade bem menor nestes, mas, em compensação, um grau significativamente maior de cientificidade. Isso é um custo com o qual é preciso se habituar quando se trata de escrita científica, me parece. A liberdade de um ensaio ou de outros tipos de escrita não-científica não caberão em textos científicos. Não me agradam os informalismos e modismos na escrita científica. A escrita de minha tese foi um pouco dramática, pois apesar de eu ter bastante facilidade para escrever encontrava-me significativamente assoberbado de atribuições e cansado. Cursei o doutorado logo após o mestrado, então ao concluir a tese estava no sexto ano seguido de atividade na pós-graduação stricto sensu, sem afastamento, exceto por curtos períodos, da atividade profissional. Na época, era docente e coordenador de curso, então foi um processo que exauriu minhas forças. Se eu pudesse voltar à escrita de minha tese, aplicaria o princípio de que menos pode ser mais. Seria mais objetivo, e faria um texto menos extenso e analítico. Mas apesar de desejar aprimorar minha tese em certos aspectos, considero que são aspectos acidentais, e não essenciais. Aliás, no momento encontro-me prestes a iniciar a revisão da mesma com vistas à sua publicação, em futuro próximo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou realizando um sonho que era o de escrever um livro de Teoria do Estado. Estou concluindo-o e ficando bastante animado com o resultado. Será publicado em breve, ainda em 2018, mesmo sendo estrategicamente mais inteligente lançar os livros no primeiro semestre. Não me importo com isso, e não tenho uma visão comercial de meus livros. Não pretendo escrever para o mercado editorial, pretendo escrever para a academia. Aliás, tenho investido na publicação de livros eletrônicos para livre distribuição, e tem sido muito gratificante. Meu último livro Direito Constitucional em Perspectiva Comparativa: os Sistemas e a Jurisdição Constitucional, escrito em coautoria com a Professora Geziela Iensue, foi publicado neste formato em 2017 e encontra-se disponível para download gratuito no site da Editora (Instituto Brasileiro de Pesquisa Jurídica). Teve importante acolhida e encontra-se atualmente disponibilizado também na Biblioteca Jurídica Virtual da Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM, onde recebeu milhares de acessos. Sempre tive o sonho de escrever um livro de Direito Constitucional, um manual ou curso sólido, mais acadêmico do que comercial, mas o momento para levar a cabo este projeto ainda não se apresentou. Além disso, atravessamos no Brasil um período em que é difícil ensinar e escrever sobre Direito Constitucional, então talvez seja um projeto futuro, não sei ao certo. Sempre fui muito vinculado ao Direito Constitucional, mas mais recentemente tenho me aproximado significativamente da Teoria Política, então não sei quais serão os desdobramentos futuros disso em minha produção. Eu adoraria ler um livro que tratasse profundamente do Direito Constitucional Estadual Comparado, em Estados federais, mas não sei se esta obra existe. Eu, pelo menos, não a conheço.