Luciana Rangel é jornalista, escritora e pesquisadora, autora de Está (quase) tudo bem (Folha de Relva, 2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo cedo desde sempre. Gosto de tomar café da manhã com meus filhos e de sete às oito, rearrumo pensamentos, vejo a agenda, leio emails. Oito em ponto estou na minha mesa. Não trabalho imediatamente, muitas vezes ligo para amigos para repensar o dia anterior, ou simplesmente bater papo. Preciso muito da troca, é importante estar com o outro, sem me perder de mim, um grande desafio.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou uma pessoa diurna. Tenho mais energia de manhã. Só abro exceção quando vou ao teatro, ao museu, lugares inspiradores e que me dão vontade de escrever livremente. Nem sempre consigo, mas já passei boas horas da noite depois de uma peça trabalhando (free writing). Gosto de gente, de barulho, mas para escrever, preciso de silêncio absoluto. Não gosto de ser interrompida. Por isso gosto tanto das manhãs. Berlim é uma cidade que acorda tarde, muitas lojas abrem às 11h, então, a cidade está acordando. Eu muitas vezes escrevo as ideias principais do que vou escrever em um caderno. Cada projeto que tenho, seja livro, crônica, artigo ou entrevista, é desenvolvido primeiro usando lápis e caderno. Amo lápis, a textura, o barulho do lápis no caderno. O interessante também é que o lápis me dá a opção de apagar o que não me agrada, mas sempre prefiro riscar. Mas gosto muito de ter essa possibilidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo todos os dias coisas variadas. Tenho meu caderno de escrita livre. Às vezes vou lá buscar uma ideia. Tenho caderno de pesquisa. Eu posso dizer que sento na minha mesa todos os dias. Mas tem dias que eu apenas leio muito e anoto o que eu li. A leitura faz parte da escrita. Não conseguiria escrever sem as minhas leituras diárias. As metas são necessárias muitas vezes para cumprir prazos. Então, no meu caso, apenas assim elas se fazem presentes.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu pesquiso muito, leio muito, faço anotações no caderninho e depois fico pensando. A escrita se dá costurada na minha cabeça. Sempre foi assim. Eu escrevo muito rápido, leio muito rápido para quem vê de fora. Mas o processo interno demora muito. Eu anoto, estudo, leio. Aí fico semanas pensando em como vou contar essa história, reportagem. Quando pego as notas e sento no computador, o texto sai pronto. A dificuldade, na época em que trabalhei em redações, era explicar que eu estava trabalhando, que era o meu processo. Depois as pessoas se acostumaram. Hoje em dia, a pressão é comigo mesma, mas venho cada vez mais respeitando o meu tempo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Vou separar por blocos. Travas e procrastinação acontecem quando o meu texto não está pronto. Aprendi a respeitar como processo. Leio muito nessa fase, permito-me respirar. Quando me sinto sufocada, eu saio vou pra rua, pra museu, mudar o foco.
Em relação às expectativas, eu entendi que nada do que eu produzir será perfeito. Alguns textos serão bons, outros nem tanto. A minha responsabilidade será sempre com a ética e o respeito, tanto no meu trabalho, quanto no trabalho alheio. A expectativa que tenho da escrita e da vida é ao longo dos anos ser uma pessoa melhor. Projetos longos são um problema pra mim. Eu demorei muito a entender que eu sou jornalista, que amo essa profissão, e que tudo que eu fizer, terá a jornalista. E eu sou criada nas notícias do dia a dia, em que a velocidade é primordial. Eu recentemente fui revisar um livro e percebi que a minha ansiedade e impaciência estavam mutilando o trabalho. Ao invés de pensar sobre soluções, eu estava simplesmente apagando o questionado pelo editor. Aí, parei e pensei, é hora de respirar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso meus textos sempre, várias vezes antes de entregar, depois que entreguei e até depois de publicado. No jornal, eu sempre tinha a opção de corrigir algo para a segunda edição. Virou um hábito, que eu acho bom. Minhas revisões são em camadas: gramática, ortografia, conteúdo. Mas isso não significa que eu não mostre para outras pessoas. Eu acho a leitura de outras pessoas tremendamente importante. Com o tempo, ou a idade, a gente aprender a lidar com críticas boas e ruins. A crítica boa aponta possíveis falhas na compreensão do texto, o que você pretende compartilhar de pensamentos. Às vezes, a gente quer dizer uma coisa e escreve outra, então um revisor é fundamental, seja amiga ou amigo, profissionais. Não há uma verdade universal sobre tudo e todos, mas escrevo para a troca e se essa troca não ocorre por falha de um texto meu, aí não fui feliz na escrita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu amo escrever a lápis. Tenho muitas anotações em papéis, caderninhos. Cada projeto tem um ou vários cadernos. Quando vou para o computador, os levo comigo. O texto mesmo, escrevo no computador. Já cheguei a escrever uma matéria no celular dentro do metrô. Quando você tem filhos, acaba usando a oportunidade que tem, aparece.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu leio muito. Literatura, matéria de jornal, noticiário, matérias de cultura, sociedade, resenhas, política. Antes da pandemia eu sempre que podia estava em um museu, ou simplesmente andava na rua, para ver pessoas. Sou cronista de coração, preciso de pessoas reais, diferentes. Pesquiso novas autoras e autores. Livros que me trazem outras perspectivas, outros mundos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Na vida estamos sempre indo, nada tem volta. Até quando a gente regressa à uma cidade que já morou. As pessoas mudam o tempo todo. E assim, a escrita também. Ao longo dos anos, percebo que escrever, como tudo na vida, precisa ter prazer e liberdade. Eu demorei sete anos para publicar o meu primeiro livro e muitas vezes penso que comecei a escrevê-lo desde que nasci.
Aos oito escrevi um livro e entreguei ao Austregésilo de Athayde, na época presidente da Academia Brasileira de Letras. Ele muito doce e gentil, adornado das filhas em um restaurante em Botafogo, me disse: “continue”. Então, esse encorajamento, diria e ainda digo pra mim. E para quem passa pelo meu caminho. Escreva, continue!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever a história de uma mulher incrível e romanceada. Mas ainda chego lá. Gostaria de ler mais livros da perspectiva feminina. Por anos li em livros sobre Alma Mahler, como sendo a mulher do compositor Gustav Mahler, que ela o traiu, que teve amantes, etc. Apenas recentemente passei a ler reportagens e livros sobre suas composições. Alma Mahler era compositora. As mulheres são sempre retratadas da perspectiva masculina ou de algum relacionamento afetivo. Gostaria que isso mudasse. Precisa mudar.