Lucas Litrento é poeta, contista, membro do Pernoite, coletivo de literatura de Maceió.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo lutando pra dormir de novo e sempre me atraso pro que vem depois. Por ser atrasado quebro várias rotinas, mas mantenho a do atraso. Num dia, meia hora; no outro duas e meia… é difícil, mas não funciono bem pela manhã. Somente sob uma condição: a de que eu acorde cedo e não reclame de nada porque o dia tá tão lindo e consigo ouvir o canto dos pássaros (e não está frio).
A rotina é viver sempre no limite feito Ethan Hunt em Missão Impossível. A rotina é adiar o despertador, é o atraso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Difícil dizer, mas acho que entre os períodos, não em um horário específico. Sinto que costumo ser mais produtivo nos intervalos das coisas, antes do almoço, do jantar, dentro do ônibus indo pra universidade. Sou da hora do lanche.
Sobre o tal do ritual, acho que sou bem bagunçado. Tento ler e ver filmes que dialoguem com a história, ouvir músicas (raps pros poemas). Isso dá uma instiga e acho que esse movimento favorece o momento inicial da minha escrita. Aí pode-se dizer que é uma espécie de preparação sim. Até notícias e artigos entram nesse meio, mas os trechos de outras obras são mais frequentes, visito muito o que tô lendo no momento pré-escrita. E fico na paranoia do pastiche, de não soar igual ou caricato, mas acho que esse medo acelera o desafio e me dá mais criatividade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Me dou a liberdade (ou vagabundagem) de não escrever todos os dias, mas termino escrevendo. Mas há momentos em que me desafio, nas férias ou quando preparo um projeto pra um edital de publicação. A escrita diária exige essas condições extraordinárias. (Eu deveria pôr na cabeça que sempre tenho um edital pra submeter algum livro, só assim pra velocidade aumentar.)
Mesmo com essa conversinha eu tenho uma meta. De escrever qualquer coisa, no mínimo um verso. Menos, pode ser o começo de um verso, ou até o primeiro rascunho de um conto. Ou revisar um texto antigo. Essa é a meta, mexer em algum texto meu, em algum momento; refletir sobre um texto, passar a régua. Acho importante e, no fundo, fico triste quando não escrevo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita primeira, o rascunho, é o momento de mais liberdade. Sou calculista (segundo alguns, porque sou capricorniano), por isso tantas versões do mesmo texto. Por isso a demora pra escrever essa resposta. O processo começa com o rascunho, se for poema é um rascunho mais natural, mais bruto. O rascunho do conto já é mais alinhado, pensado. Mas a meticulosidade no poema vem já na primeira leitura e reescrita.
Se eu junto alguns temas (palavras-chave), uns dois versos, às vezes só preciso do final, já consigo iniciar. Já tive dificuldade em começar, mas essa liberdade ajudou bastante porque o que vem primeiro é simplesmente um rascunho. Não desligo a sanidade, mas nessa primeira versão do texto o flow rege a escrita.
A escrita pra pesquisa, de trabalho (jornalística) e literária se confundem, em alguns momentos. No geral, são dosadas e distintas, mas sempre tento colocar a poesia nas coisas. O movimento para a literatura sempre é o de me despir, tirar as roupas, as formalidades das convenções. Me permitir não usar vírgulas e fazer meus próprios parágrafos caírem no meio da sentença. O legal é fazer isso depois de respeitar o lide da matéria jornalística e as referências bibliográficas (enquanto existem) das pesquisas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Preciso de leitura e prazos. Primeiro, o que me instiga é a obra alheia, é a grandiosidade e o sucesso dos grandes escritores e escritoras. Às vezes, nem preciso de um livro, basta entrar no Youtube e ver um autor falando sobre sua obra e seu processo de escrita, já me sinto cheio de energia e adeus às travas.
A leitura traz um efeito parecido. Ler livros dos grandes me faz perceber detalhes, aceitar que o que quero fazer já foi feito e tentar superar, homenagear ou brincar com uma variação daquilo. Esse papo de originalidade é muito purista pra mim. A gente lê estudando e esse estudo da leitura atenta é pra que se imite, pra que se trabalhe em cima de determinado tema, atmosfera…
Tenho problemas com projetos longos. Acho o romance muito distante da minha realidade, por isso fico no conto e na poesia. Me sinto mais à vontade na narrativa curta. Penso que o romance exige muita disciplina e isso falta em mim. Escrevo as histórias todas ao mesmo tempo, um romance seria extremamente fragmentado e fraco.
Mas preparar um livro de contos ou de poemas não é fácil, também é um projeto longo. Porque não encaro como uma coletânea. O livro de poesia que estou preparando não é uma coletânea e os últimos meses foram trabalhosos. Assim como o projeto mais ambicioso, TXOW (contos). Não gosto do livro de textos curtos que não preza a unidade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão me persegue. É difícil saber quando o texto tá pronto porque sempre quero e vou mexer. É muito fácil abrir o Word e começar a fazer pequenas alterações no texto. Poucas vezes, conto nos dedos, senti que o material tá pronto. Aconteceu há alguns dias com os três primeiros contos do meu livro, criei uma nova pasta chamada 100%, joguei esses contos lá e pretendo não mexer.
É porque o texto sempre diz mais alguma coisa a cada releitura, é um processo de lapidação. Como faço essa primeira escrita mais sensorial, vou deixando passar muita coisa. É um processo lento e que exige paciência porque vai além do meu ritmo, preciso entrar no ritmo do texto.
Mostro alguns textos pros amigos mais próximos, que também são ótimos leitores, tenho essa sorte. Aí faço uma triagem, há textos que puxam mais pra veia social, outros são experimentais, daí é só jogar pras pessoas certas. Por serem amigos os feedbacks são sinceros, consigo uma troca massa. E já tenho esse costume e liberdade de receber críticas sem filtros. Organizo o Pernoite, coletivo literário de Maceió, além de participar do Ofélia e outros grupos parecidos. Então já tenho o costume de dissecar o texto e falar sobre na frente do autor. É um exercício ótimo, clubes de leitura e de produção são tesouros para escritores de primeira viagem como eu.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Totalmente dependente da nuvem. Essa ferramenta me ajuda muito porque me permite escrever no ônibus e eu moro num bairro afastado, passo muito tempo dentro dos coletivos (quase uma segunda casa), escrevo e leio nos ônibus. Além disso, posso alterar o arquivo raiz quando eu quiser, basta ter internet e tá com o celular na mão. A nuvem me ajuda muito, além de me dar uma segurança em ter várias versões do texto e de não o perder, principalmente.
Uns rascunhos saem primeiro no papel, geralmente os poemas. Até por esse lance do poema ser mais intuitivo. A maioria dos contos são iniciados no computador mesmo, mas não é regra.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tenho uma veia muito cronista, até por ser estudante de jornalismo. Minha literatura é muito imagética, também pela minha relação com o cinema. Então minhas ideias surgem de imagens que vejo, principalmente das ruas. Caminhar e cruzar a cidade dentro dos ônibus rendem muitas histórias. Mas também saio do macro e vou até o micro da veia cronista intimista, de pegar trejeitos dos outros e falar sobre a cor do outro, sobre os pedaços da mulher que amo. No fim tudo vem do que vejo diariamente, a imagem é o principal, vem antes do discurso, vem antes do desejo.
O que acredito que me mantém criativo é estar sempre consumindo arte. E em contato íntimo com ela, seja escrevendo sobre ou só comentando com amigos. Desnudar a obra alheia é um exercício que reforça a minha criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Os achismos diminuíram. Agora sou ciente das minhas limitações, sei que preciso de muito e consigo ver o texto quando verde. O texto maduro exige tempo e agora respeito esse ritmo.
Eu diria ao meu eu do passado “pare de escrever besteira e leia mais, leia mais!”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Roteiros de cinema, já tenho ideias de um documentário e de uns curtas de ficção. Na literatura o projeto máximo é o romance, pela dificuldade que tenho. Seria o maior desafio.
Eu gostaria de ler um livro sobre a minha vida ou sobre o desastre que foram os 100 dias do governo Bolsonaro e de como a onda conservadora foi diminuindo após o impedimento do Trump.