Lucas Daniel Tomáz de Aquino é filósofo, escritor e tradutor, autor de Lâmpada diurna (2020) e Sangue nos Trópicos (2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende do meu estado de espírito e do enfrentamento das obrigações diárias. Nunca fui um cara que gostasse de escrever pela manhã. Há escritores que adoram ouvir o barulhinho dos pássaros cantando. Daí sentam de frente a um janelão com vista para a natureza e começam a escrever. Eu nunca fui assim. Enquanto ficcionista, sou um notívago inveterado, provavelmente porque fui DJ há muito tempo e isso meio que não saiu de mim. Desde antes da pandemia eu trabalho em modelo home office e isso contribui, creio eu, para que minhas manhãs sejam produtivas de um modo ou de outro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Antigamente eu adorava tomar café de madrugada e escrever. Ainda mantenho isso, apesar de não achar mais tão charmoso. A idade chega e eu sou fumante e sedentário. Mesmo assim ainda tomo duas garrafas de café por dia e fumo como Boris Yeltsin. Daí a escrita sai. Uma coisa surpreendente em mim é que eu nunca consegui escrever ficção bêbado, mesmo em uma época a qual eu bebia feito Bukovski. No fundo, acho que tenho receio em me esforçar à toa na frente de um computador enquanto deveria estar me divertindo e, no dia seguinte, ter de deletar tudo enquanto estou com dor de cabeça. A preparação da escrita é a preparação do café com açúcar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nunca levei a sério e à risca isso de escrever todos os dias. Muitos escritores dizem “Ei, escreva todos os dias!”, mas acredito que quem fala isso seja esses poucos que vivem de literatura ou que criam oficinas de Criação Literária para complementar a renda ou assemelhados. Sou daquele tipo de escritor que escreve quando quer, não sei planejar nada em post-its, escaletas, mapas mentais de personagens, nada dessas coisas, o que foi, para o bem ou para o mal, uma escrita quase diária regada a café e cigarro por alguns anos. Sempre sem obrigação de fazê-lo, todavia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não sei organizar coisa alguma. Minhas notas compiladas estão como que em notas de rodapé no próprio arquivo no qual estou escrevendo. Sou o tipo de escritor que só vai jogando as sementes pelo meio do caminho. Sento na frente do computador e vou escrevendo, assim, com as ideias na cabeça, criando uma massa considerável de texto e só posteriormente vou cortando, aparando as bordas.
Venho de uma bateria de escrita de três romances seguidos e que ocuparam boa parte dos meus anos passados. Desde 2010 tentei escrever um romance, porém, sem sucesso. Até que meu livro de contos ficou pronto em 2017, o Lâmpada diurna, e enquanto eu o escrevia passei a compreender minha forma de escrita literária, a forma de composição dos meus romances. A partir de um conto do livro, sobre um assassino que mata em nome da Arte, criei o primeiro personagem do Sangue nos trópicos, que sairá este ano, cuja extensão será grande para um romance de estreia.
Daí vieram os outros personagens em paralelo, sei lá, tipo uma dezena deles. Para criá-los, fui bebendo de livros, filmes, peças de teatro e da música, que nunca sai de mim, e também das pesquisas filosóficas, tecnológicas, científicas e teológicas que fiz. Basicamente, neste romance, ao mover a pesquisa para a ficção, foi só colocar os personagens para conversarem filosoficamente de modo sério ou mesmo como uma espécie de doxa, como diria Platão.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Faz tempo que não sento para escrever ficção. Tem pelo menos uns 3 anos que não invento nenhum personagem e não escrevo nada de literatura, apenas aparo as bordas dos romances que já foram escritos. Tenho memória curta e a literatura na minha vida foi de certo modo substituída pela filosofia, impulsionado muito pelo fator acadêmico.
A demora em não conseguir escrever um romance antigamente era por causa das travas mesmo. A coisa empacava e eu simplesmente não sabia o que fazer com um personagem. Hoje, com um romance fragmentário que é o Sangue nos trópicos, que possui histórias paralelas correndo junto uma que é a espinha dorsal e qua conecta às outras, consegui criar uma narrativa de fôlego. Deste romance central saíram um romance chamado O devir dos idiotas e uma novela chamada Partisans.
Não fico ansioso para escrever coisas longas. Quanto a expectativas, não tenho nenhuma. Escrevo pelo fato de que é gostoso. Na verdade, é gostoso o ato de escrever, de criar muitas coisas. Morri de rir escrevendo O devir dos idiotas e o Sertanejo sangrento, um roteiro de quadrinhos. Porém, sei que poucas pessoas lerão o que escrevo literariamente. Fiquei muito feliz que o último livro que traduzi Introdução à Filosofia e especialmente à Metafísica vendeu bem mais que meu livro de contos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Devo fazer umas três revisões do texto, fora as mudanças habituais que o texto sofre durante a própria escrita. Meu livro de contos passou por uma revisão crítica de um grande escritor que me ajudou a corrigir defeitos. A novela está nas mãos de um amigo e escritor muito competente, o Tiago Velasco, que é Doutor em Literatura, tem um laboratório de contos e tal, e que na verdade me fez um grande favor de misericórdia, porquanto eu não possuo recursos suficientes para pagá-lo pela leitura crítica. Sei que os xingamentos sobre minha escrita literária virão gratuitamente porque eu não tenho dinheiro pra pagar por isso também.
Sempre acho que não sei conversar com ninguém e pessoalmente eu converso o mínimo com pouquíssimos escritores por isso. Literatura, mais raro ainda. Síndrome de vira-lata, talvez. Um dia desses eu estava batendo papo com o Carlos Henrique Schroeder sobre techno e aracnologia. Eu estudo morfologia e taxonomia de algumas espécies e ele escreveu o livro Aranhas baseado nesses animais, nesse gosto que, curiosamente, temos em comum.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevi em papel quando eu achava que conseguia escrever poesia, há uns 12 anos atrás. Guardo até hoje essas coisas em caixas de sapatos, acho que por nostalgia, para não perder algo da minha história pessoal mesmo. Narrativas de ficção, para mim, são escritas no computador, em nuvem., no Docs do Google.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Normalmente as ideias vêm de músicas, de livros, de histórias que minha mãe contava, de filmes que assisto, das transformações filosóficas, políticas e tecnológicas que vivemos na sociedade e também nos diversos modos de absorção que muitos têm dessas mudanças, que por vezes são antagônicas entre si.
Gosto de colocar este antagonismo nos meus livros. No Sangue nos trópicos, por exemplo, existe um embate entre uma jornalista que acredita que tudo é política e que isso deve sempre permear a literatura e há também um professor que acredita que o tom panfletário na ficção é um blefe e que diminui o status da Arte em prol da ideologia e da revolução. Quanto a isto, fica claro que o olhar clínico para dentro da sociedade é um modo natural de concepção artística de qualquer mente criativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que o que mudou foi conseguir terminar esses romances e, pelo meio do caminho, encontrar um modo de fazê-los. O processo de escrita de conseguir criar uma narrativa polifônica foi bom.
Bem, e o que eu diria para o Lucas do Passado? Largue esse troço de ficção, rapaz. Pare de beber e leia o Metaphysicorum Aristotelis expositio no original.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Penso que já deu essa coisa de ficção. Não tenho a mínima vontade de me expressar ao modo literário. Tenho na gaveta um projeto chamado Introdução ao realismo político que nasceu das minhas graduações em Ciência Política e em Filosofia e que versa sobre os pressupostos filosóficos da nossa política contemporânea, cujas bases foram estremecidas justamente por separar-se da Ética e da Justiça. Tenho projetos de escrita na área da Lógica e da Metafísica também.
Tenho vontade de ler muitos livros, mas não acredito nisso de “vou escrever um livro que eu queira ler”. Ser escritor de ficção é pisar em ovos porque tudo leva à vaidade, que só nos leva ao abismo. A humildade e a caridade vencem todas as coisas e elas existem na realidade imutável, na mão dupla entre o homem e o que ele apreende da natureza com seu intelecto.
De fato, todas as coisas do mundo que são importantes já foram escritas. Cabe então ao intelectual relembrar àqueles que se esqueceram, seja ao modo literário ou não.