Lucas Barroso é escritor, autor de Um Gato que se Chamava Rex (Moinhos, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sempre inicio ouvindo rádio. Depois dou uma lida nas notícias e vou me espantando com as manchetes. Não é um jeito prazeroso de começar o dia, se deparando com tudo que há de pior no mundo (quase sempre são só notícias ruins). É um péssimo hábito que cultivo. Meu vô também era assim, ele assistia o noticiário só pra se irritar. Eu herdei isso dele. Preciso saber o que está acontecendo a minha volta e me irritar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho certeza, mas acho que se eu fizer um balanço dos turnos de produção, vai dar que é de tarde ou início da noite. De qualquer forma, sei que trabalho melhor quando não posso sentar e desenvolver a escrita de um fôlego só. Daí, fico com aquela ideia martelando. Penso nela o dia todo, o mês todo. Até que uma hora tenho que expulsá-la. Em relação ao ritual de preparação, tenho escrito depois de lavar a louça. É um bom momento. Tem que manter a concentração pra não quebrar nada. Ao mesmo tempo, dá pra fazer uma reavaliação do dia. Quando acabo a limpeza, me sito tranquilo. No fundo, também estou um pouco limpo. Pode ser um ritual, quem sabe… Mas procuro não ter um momento específico. Não tenho o mínimo interesse em bater ponto com a Literatura.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Procuro ter sempre uma caneta ou o celular comigo. Fico puto quando perco algo. Busco anotar o que me causa estranheza ou me é novo. Sou como aquele turista japonês com a máquina fotográfica, sabe? Um chato. Só que não chateio os outros. Guardo o que eu vejo pra mim. E o que presta vira Literatura. Jamais estipulo uma meta. Não me importo em ter prazos de entrega ou publicação. Só não lido bem com rotina forçada da escrita, essa coisa de ter um número específico de caracteres ou páginas não é comigo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Processo é bem simples. Se a ideia me parece agradável, eu sigo e invisto nela. Vou escrevendo sem medo de jogar fora depois. Lógico, às vezes, saem coisas sofríveis. Faz parte. Em meu primeiro livro, Virose (romance, 2013), teve um assassinato do lado da minha casa. Conversei com a vizinhança e comecei a descrever o que poderia ter motivado aquela execução. A história tomou uma proporção, foi encorpando e surgindo outras tramas. Virou uma bagunça organizada, como um filme do Iñárritu. Depois de quase pronta, fiz umas pesquisas. Voltei e ampliei temas que abordei rapidamente e me pareciam superficiais. Tem casos que é diferente. É pura contação mesmo. Relatos, cenas, personagens. Até hoje, a pesquisa não me tem servido como ponto de partida, ou seja, nunca começo por ela. Não estudo personagens de outros livros para criar os meus. Prefiro ir tateando com o que tenho, com o que sei do mundo. Depois, se for o caso, agrego com outras visões. Minha Literatura é mais empírica, nesse sentido.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho prazeroso sentar e escrever de bate pronto. Eu já enchi o peito e disse “isso aí eu escrevi em meia hora”. Porém, quase nunca funciona dessa maneira. Tem que suar. Caberia uma frase de coach ou autoajuda aqui. Mas vou poupar quem está lendo. A verdade é que gosto da folha em branco. Pode soar bizarro afirmar isso, mas me sinto mais escritor não tendo o domínio da narrativa. Não tendo certeza se coloquei a palavra certa. Lutar contra os vazios criativos são desafios pra quem vive essa sina, que é fazer Literatura. Então, é preciso encarar isso e sempre criar algo, nem que vá para o lixo depois.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas. E acho sofrível esse processo. Sinto que é como ouvir a própria voz num gravador. Dá uma certa angústia. Queria muito escrever sempre de primeira, ou, melhor dizendo, achando bom o que escrevi de primeira. Prefiro a revisão de uma segunda pessoa ou editor. Mas não tem como largar um texto cru para os outros. Resta ao próprio autor reler e editar. Em meu segundo livro, Um Silêncio Avassalador (contos, 2016), foram três revisões minhas e seis do editor antes da publicação. Nisso, foram saindo uns textos, entrando outros. Creio que esse esgotamento ajudou no resulto final.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho pilhas de cadernos no apartamento dos meus pais. Escrevi muito à mão. Meu primeiro livro, o Virose, boa parte dele tá num caderno. Alguns contos do Um Silêncio Avassalador foram assim também. Teve um conto, Aconteceu na Prússia, que me surgiu a ideia às 6h (até usei o horário exato que sentei para escrever no texto). Foi tudo tão louco que não deu tempo de ligar o computador. Foi num papel mesmo. Depois, passei pro computador e o revisei direitinho. Hoje, rascunho muito no celular. Tem um aplicativo chamado Keep, que é integrado ao Gmail. Tu escreve e ele automaticamente salva também no email. Ajuda a não perder ou a abrir o texto tanto no celular como no pc. Mas, enfim, mesmo com essas facilidades, jamais desistirei da caneta e do papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm da rua. Tenho que caminhar, pegar ônibus, ver gente, sentir cheiro, ouvir barulho ou silêncio. Desde pequeno, fui sempre de estar na rua. Com seis anos, me perdi porque sai caminhando e olhando as coisas. Um policial voltando do trabalho me achou. Só fui ter um carro com 30 anos. Nunca me importei de usar ônibus, metrô. Enfim, busco manter esse espírito rueiro. Mas confesso que, com a idade, as manias e os ranços, já não é mais uma tarefa fácil. Estou começando a entender a reclusão do João Gilberto…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou pouco o processo de escrita. O que mudou mais está sendo a paciência com que produzo. Antes, eu achava que, depois do ponto final, tudo estava pronto. Era uma ânsia em mostrar serviço. Atualmente, não é assim. Encerro e deixo o texto exposto ao tempo. Meu livro infantil, Um Gato que se Chamava Rex (2018), ficou dois anos esperando pra ser publicado. Hoje, meus textos ficam maturando, enferrujando, porque não quero ter vergonha dos meus livros. Não quero olhar pra trás e ver que produzi algo datado, descartável. Então, hoje, acho prefiro não ter pressa para publicar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro extenso só com diálogos. Sem descrição de lugares ou personagens. Os diálogos resolveriam isso. Até cheguei a fazer, mas não queria que fosse um conto. Queria o fôlego de um romance. Vamos ver se consigo fazer isso um dia. Se eu não tiver capacidade de fazer, gostaria de ler um bom livro assim.