Lucas Barreto é escritor e estudante de psicologia.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu confesso que dei uma risada singela ao ler essa pergunta. Ao longo da minha vida, vivi muitas coisas em muitos cenários e com muitas pessoas diferentes, mas nunca tive uma rotina. As minhas obrigações e minhas atividades podem até ser planejadas com antecedência, mas eu talvez acorde para realizá-las com apenas quinze minutos de antecedência (mesmo que sejam atividades noturnas). Meu horário de sono é uma eterna incógnita e cada semana tem um modus operandi totalmente diferente. Mas, respondendo de forma geral “como eu gosto de começar o meu dia”, eu sou movido a café. Poucos são os dias em que não tomo ao menos uma xícara de café após acordar. Posso iniciar o “dia” já na hora do jantar, mas com certeza estarei acompanhado de um café. Gostaria de ser mais do que o clichê “escritor viciado em café”, mas ser clichê às vezes é inevitável e, em termos de rotina, essa é a maior certeza que posso dar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Essa fluidez da rotina acaba sendo refletida na minha escrita: ela vem sem aviso. Talvez por não viver da minha escrita e por não tê-la como minha fonte de renda, ela acaba sendo algo mais espontâneo do que regrado (como este que vos fala em quase tudo que faz). Sou apaixonado pela noite e com certeza é fora da luz do sol em que escrevo mais (tanto para trabalhos da faculdade, quanto na minha escrita artística). Foi justamente abraçando isso que reuni diversos desses meus textos noturnos no meu primeiro livro, “uma noite que teima em permanecer”, a minha homenagem particular a esse turno da vida.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Outra vez, minha escrita é tudo menos ordenada, então posso passar por um período em que escrevo diversos dos meus textos ao longo de uma semana, como também posso passar semanas sem escrever absolutamente nada a não ser tweets e mensagens evasivas no whatsapp. Acho que essa definição de meta de escrita diária virá com o meu amadurecimento enquanto humano e enquanto escritor também, mas por enquanto sou jovem inexperiente inclusive na forma que levo a minha arte, tá tudo atravessado mesmo né?
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo falar que meus textos são todos vomitados. Vou juntando ideias aleatórias ao longo de um tempo (talvez minutos, talvez horas, talvez semanas), mas quando sinto que o texto está pronto para sair, ele sai todo de uma vez. Poucas vezes revejo, edito ou refaço algum dos meus textos. Mesmo os acadêmicos saem dessa forma: colho referências de forma mais aleatória por um tempo e quando sinto que minhas próprias ideias tomaram um corpo mais definido, ponho tudo para fora. Geralmente fico travado na primeira frase de um texto, esta e a última são sempre as mais importantes para mim. Mas quando a primeira vem, o resto sai agarrado e sem freio.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que é a trava na escrita meu maior autoindicador de que não estou bem. Penso pouco nas expectativas alheias e por ter um trabalho mais espontâneo, vejo a procrastinação como um processo de amadurecimento do texto dentro de mim. Projetos longos são sempre os mais complicados para mim justamente por eu ter o costume de fazer textos mais curtos e de uma só vez (não consigo vomitar 100 páginas de uma só vez, então nunca o fiz). Acho que por isso fiz o meu primeiro livro ser uma coletânea de textos escritos ao acaso e não uma única história linear mais longa. Vou me adaptando ao que a escrita mobiliza em mim, viramos bons parceiros de luta ao longo dos anos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Minhas revisões antes de dar um texto como finalizado são muito mais no sentido gramatical ou de concordância do que de mutação de ideias. Mesmo que eu leia algo depois e não ache mais tão interessante ou ache que poderia elaborar mais, eu confio no Lucas do passado e na inspiração que o arrematou no momento da escrita. Não deixo meu eu artista ser tolhido pelo meu eu crítico visto que ambos têm uma personalidade muito forte. Ninguém vê meus textos antes que eu os publique, acho que esse compartilhamento só aconteceu na confecção do meu primeiro livro. Meus editores e conselheiros foram meus pais. Para todos os outros, cada texto meu é inédito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não lembro a última vez em que escrevi à mão a não ser que tenha sido algum fichamento para a faculdade. Todos os meus textos, desde que comecei a escrever como forma de expressão artística lá no ensino médio, brotam no meu bloco de notas do celular. Já perdi alguns quando o aparelho quebrava ou quando eu o perdia, mas fiz as pazes com isso também, nem todo texto precisa ser colocado no mundo para ser válido. Além disso, meus textos sempre vieram à vida pela internet: comecei postando coisas de cunho mais social e político no meu Facebook e tive um retorno bom das pessoas, o que me deu confiança de postar textos mais artísticos e vulneráveis também por lá. Eventualmente, criei uma página na rede social exclusivamente para meus textos artísticos e no início da pandemia conheci o Medium. Foi a maior transformação na minha impressão sobre escrita, a minha e a dos outros. Lá encontrei pessoas com um jeito e uma energia semelhante a mim, me descobri mais artista e pude ter coragem de ser mais ambicioso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Música. Muita, muita música mesmo. Passo o dia ouvindo música e escrevo muito a partir das músicas que escuto. Sempre foi assim, mas desde que fui parar no Medium comecei a dar aos meus textos o título igual ao da música que o inspirasse. Essa inspiração pode vir pelos sons, pela letra, pela energia que a música me passa… Enfim, diversos fatores, mas sempre atravessados pelas experiências que alguma música ou algum álbum me trouxerem. Gosto de estar com pessoas, conhecer pessoas e observar pessoas (estudante de psicologia tem dessas) e isso me inspira muito a escrever mais, com personagens mais humanos, cheios de nuances e surpreendentes até para mim. E se um dia for recheado de pessoas e de músicas, tenho certeza que acordarei muito inspirado no dia seguinte.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria “ainda tem como ser você sendo um outro alguém”. Acho que aprendi isso pelas experiências na fotografia e no teatro: quando eu fotografo alguém ou alguma coisa, a fotografia diz muito mais sobre mim do que sobre o objeto fotografado; da mesma forma, quando eu atuo num personagem, ele se constrói daquela forma porque eu o construí daquele jeito, seus comportamentos vêm da minha mente, nunca do vácuo. Eu hoje percebo que não preciso escrever em primeira pessoa para falar sobre mim ou sobre minhas visões de mundo, mas eu não tinha essa percepção antes. Essa frase também me encorajaria a aceitar mais as possibilidades múltiplas da vida, algo que demorou a fazer sentido para mim. Vivia muito preso quando comecei a escrever (acho que isso foi causa-consequência, inclusive) e hoje eu sei que mudar quem eu sou não me faz menos eu, pelo contrário, a cada dia ponho mais elementos no que significa ser quem eu sou. Mudo o tempo todo e essa é a única permanência da existência.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Essa pergunta me pegou de jeito… Tenho um livro todo pronto, mas só na minha cabeça. É algo mais longo e com muitos personagens e, como eu disse, minha forma de escrita (e de vida) é meio inimiga dessas histórias maiores. Mas quanto mais o tempo passa, mais essa história se cristaliza na minha mente, e tenho certeza que um Lucas do futuro mais pragmático e rotineiro será capaz de colocar tudo isso no papel da melhor forma possível. Antes de pensar nos livros que quero ler e que ainda não existem e ficar totalmente sobrecarregado pelas infinitas possibilidades de uma só vez, prefiro terminar o livro que estou lendo agora (“a máquina de fazer espanhóis”, de Valter Hugo Mãe, um dos autores que descobri na pandemia e pelos quais me apaixonei imensamente) e nos livros empilhados na estante que eu ainda não li. Acho que os livros que eu quero ler já existem pois os melhores livros existem simplesmente por existirem. Acho que existir de verdade já é melhor que qualquer ideia fantasiosa.