Lu Evans é editora, tradutora, antologista e escritora de ficção fantástica.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Preciso levar minha filha para a escola pela manhã. Vamos conversando no caminho de ida e na vinda eu escuto audiobooks ou narração de contos – eu gosto principalmente dos que estão no canal Fantástico Feminino. Geralmente é nas manhãs que eu mais trabalho no computador porque não há interferência da minha filha. Mesmo assim, também preciso fazer as tarefas domésticas. Acredito que uma casa limpa e bem arrumada é um ambiente mais feliz e contribui para o bem-estar, principalmente para as crianças. Então me empenho muito nisso também.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Qualquer hora que eu tenho acesso a um computador, faço alguma coisa. Tiro vantagem de qualquer tempinho que aparece. Não tenho rituais – ainda bem. Consigo escrever até mesmo na minha cabeça. Às vezes imagino um trecho, um diálogo, ou um capítulo, por exemplo. Quando finalmente me sento para digitar, consigo me lembrar de tudo. Uma vez fiz um conto inteiro assim, durante uma ida à cidade vizinha enquanto dirigia.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não estabeleço metas do tipo 3 mil palavras em um dia ou uma semana. Se eu fizer algo assim, acabo ficando meio estressada. O que eu faço é mesmo escrever um pouco todo dia. Quando não é um projeto, é outro. Quando não estou escrevendo, estou revisando textos meus ou os contos das várias coletâneas que organizo. Tenho também três projetos literários voltados para mulheres e para os quais preciso pesquisar e escrever os textos sobre as autoras: Escritoras Fantásticas (com Rozz Messias), Dramaturgas, e um em inglês para o mercado americano que é Fantastic Literature by Women.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu pesquiso muito porque produzo literatura fantástica. Para os textos de fantasia, pesquiso mitologias, lendas, folclore, etc. Não há como fazer fantasia de outra forma, há? Se escrevo sci-fi, então pesquiso as informações científicas e tecnológicas para compor aquela história específica. Minha scifi segue um estilo mais europeu, pois não peso muito na parte tecnológica. Às também faço fantasia científica, mas em qualquer caso, a pesquisa é fundamental.
Pesquisa é a parte mais trabalhosa para mim. Depois disso, a história sai com facilidade na maior parte das vezes. Mas teve uma vez que enfrentei um calor imenso no meio do verão, indo a um lugar super seco e muito alto, com terreno irregular, placas alertando para cascavéis, e não havia quase ninguém, pois era durante a pandemia quando as pessoas não podiam viajar. Pois bem, eu estava sozinha lá, no meio das ruínas, e fiquei pensando, se eu cair e quebrar a perna, se aparecer uma cobra e me picar, se um leão da montanha me atacar… rsrssr E aí, depois desse esforço todo, e ainda assistindo a documentários sobre o tema e lendo artigos, sentei na frente do computador e não saiu nada. Precisei de semanas pra ordenar as informações e compôr a história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para as travas, eu aplico algumas estratégias: pesquiso mais, leio ficção que tenha a ver com o que estou escrevendo, reflito sobre a minha história ou leio o que já escrevi e “pego no tranco”, ou seja, ao reler, me chegam as ideias para continuar.
Raramente procrastino. O comum no meu caso é adiantar projetos. Projetos longos dão mesmo ansiedade. Atualmente estou fazendo revisão de livros meus que foram traduzidos para inglês e espanhol. É um projeto longo e desgastante porque consome muito tempo e exige atenção total, já que nem em português os textos são. Sinto-me de volta à mesma história, embora em um idioma diferente. Conscientemente, sei que é preciso, mas emocionalmente, me sinto presa a algo que já fiz, impossibilitada de fazer coisas novas. Mas minha meta é ter meus livros em outros idiomas, então esse projeto é uma prioridade, por mais cansativo que seja. Sei que eu não conseguiria sem o trabalho dos tradutores. Eles sim, estão sendo pacientes, porque esses livros estão aguardando publicação a mais de um ano. Então sou muito grata a todos eles, e tento me concentrar e continuar motivada.
Não crio expectativas para nada. Sei que é impossível que uma história agrade a todos. Por exemplo, já teve gente criticando uma scifi romântica que escrevi, mas a pessoa era leitora de scifi, e não de histórias românticas, então, óbvio, não era a leitora certa. Ou seja, antes de ficar abalado, você tem que considerar muitas coisas quando recebe uma crítica negativa: o leitor faz parte do público alvo que você quer atingir; a pessoa que leu é também escritora e escreve o mesmo gênero (competição); gosta mais de histórias na terceira pessoa, e a sua é contada na primeira; vai se irritar com algo no texto que é incômodo para ela por causa de experiências de vida? Realmente não há como fazer com que todos gostem do seu texto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não sei quantas vezes eu leio antes de passar para um revisor (que uso apenas para textos mais longos, não para contos). Leio várias vezes, e no final, ainda não está bom, ainda tem erros de digitação, pontuação. É meio estressante. Porém, tem hora que a gente precisa deixar de ler e consertar o texto, e apertar o botãozinho de imprimir.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quando eu era adolescente, eu escrevia à mão, pois não havia computadores no mercado a um preço acessível, e nem máquina de escrever eu tinha. Tenho ainda um texto escrito a mão que não encontro tempo para digitar. É uma história de vampiro. Foi o primeiro texto que escrevi do início ao fim na adolescência. Ano passado fiz a capa do livro na tentativa de me incentivar e me entregar a esse projeto, mas não chegou a vez dele ainda. Então, não! Eu não sugiro a ninguém fazer textos a mão. Faça tudo direto no computador. Que me desculpem os que mantêm esse péssimo hábito, mas escrever a mão e depois passar para o computador é apenas uma perda de tempo, pois você faz o mesmo serviço duas vezes.
Quanto à tecnologia, eu aprendo apenas e tão somente o que vai servir para uma necessidade específica. Eu não tenho mais 20 anos. Sou mãe de uma adolescente, mãe de uma cachorra surda que precisa de treinamento e cuidados constantes porque sofre de ansiedade, tenho casa para cuidar e todas as tarefas diárias de uma dona de casa. Preciso estudar o mercado e fazer meus investimentos, e ainda sou escritora, tradutora, antologista, contistas, editora, dramaturga, etc… Isso significa que aquele minuto que usei fazendo uma coisa desnecessária vai contar contra mim e não terei como recuperá-lo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ultimamente tenho me dedicado mais à escrita de contos. Então funciona assim: quando vejo uma coletânea com uma temática que me interessa, já aparece uma ideia. Esse é um sinal para eu participar. Esse ano, como eu falei mais acima, estou muito envolvida com revisão de traduções e quase não tenho tempo para outras coisas, mas estou tentando me organizar e participar de alguns projetos nos EUA.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou tudo, mas na essência, não mudou. É difícil de explicar… O que eu diria a mim mesma? “Continue exatamente como está fazendo”. Eu não mudaria nada. Gosto principalmente de me lembrar da minha empolgação – ainda adolescente no curso de teatro – me dedicando a ler peças de gente como Sófocles, Ésquilo, Eurípedes, Shakespeare, Molière, Ariano Suassuna e Maria Clara Machado. Gosto também de lembrar que, ao não ser uma garota popular na escola e nem ter muitos amigos, recorri à biblioteca durante os intervalos para ler Machado de Assis e Monteiro Lobato. Minhas leituras e minha paixão pela escrita me mantiveram longe de drogas, álcool, saídas perigosas à noite com jovens irresponsáveis. Então, cara! Eu tive muita sorte por ter feito essa escolha.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero ler os livros que tenho na minha biblioteca. Se conseguir isso, já vou me dar por satisfeita. Se eu quiser ler algo que não existe – dentro da literatura fantástica – então eu mesma vou escrever a história porque aí já adianto o meu lado e o lado de outros leitores.
E o projeto que não comecei e quero muito fazer é mesmo digitar alguns textos que, de alguma forma, estão apenas impressos e não existem mais como arquivo digital no meu computador. Não sei o que aconteceu para eu ter perdido esses textos antigos, agora o jeito é digitar tudo.