Lu Evans é escritora de literatura fantástica.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Atualmente, não estou com nenhum planejamento de organização seja diária, semanal ou mensal. Acho que nunca tive um.
Eu preferiria me dedicar a um projeto por vez, mas não é o que está acontecendo nos últimos anos, e isso é bem estressante. No entanto, tenho planos de ir diminuindo o ritmo até estabelecer uma rotina que não demande tanto tempo e esforço mental.
Cortei algo que tomava muito meu tempo: a organização de coletâneas. Em 2020 foram 8, em 2021 foram 10, esse ano o número desceu para 4, e decidi que quero usar o segundo semestre para agilizar minhas pendências e estabelecer uma rotina mais relaxada no ano que vem.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu não sou muito boa com planejamentos do tipo escaleta, roteiro, etc. Estou tentando mudar isso para ver se consigo ser mais ágil. Até hoje, deixo que a história se forme na minha mente, bem como os personagens, os ambientes e os demais elementos da trama.
Para mim, o começo e sempre fácil. Tenho milhares de inícios de histórias, e acho todos bem interessantes. O fim também é fácil porque tenho todo o processo de escrita, que leva meses, para ficar pensando nele.
O problema é mesmo o meio da história, entre os 30% e os 70% dela, porque é sempre uma cilada, e muitos autores caem. Ficam meio perdido lá no meio, dão voltas, criam situações repetitivas e personagens que em nada acrescentam à trama apenas porque querem completar o número de palavras para sua novela ou romance. Por isso tenho sempre cuidado com o meio da história.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu escrevo na cama, na mesa do escritório ou no sofá da sala. Qualquer lugar pra mim está bom. E eu não preciso de silêncio, e sim de barulho. Como me formei em jornalismo e trabalhei em redação de jornal, assessoria de imprensa e outros ambientes com muita gente e muita falação, não consigo fazer diferente. Só consigo me concertar quando há um som de fundo. Escrevo com música ou assistindo a filme ou documentário – às vezes até com a tela do computador dividida em duas, de um lado o texto, do outro a Netflix. Se estou em casa, não paro de escrever para assistir nada, por exemplo. Faço tudo junto que é para não perder tempo. Dá super certo.
Agora, quando alguém chega para conversar comigo, me fazer perguntas, etc, isso quebra a minha concentração de um jeito que fico até meio desorientada, sem saber o que a pessoa está falando e sem lembrar direito o que eu estava escrevendo. Leva uns segundos para fazer a transição entre a escrita e a conversa. Geralmente é a minha filha que me interrompe, e quando isso acontece, me esforço para parar e ouvi-la, nem que seja por uns minutinhos.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Se eu travo em um texto, vou para outro porque estou sempre como mais de duas coisas para fazer. Mas se eu preciso terminar um texto até uma determinada data, eu não pulo para outro, e sim começo a ler e revisar as últimas páginas, e quando chego no ponto que em parei, dou continuidade à escrita. Isso acontece de forma espontânea, sem que eu perceba.
Eu não deixo nada para depois. O mais comum é adiantar tudo em semanas ou mesmo meses.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
A série Zylgor, com 4 volumes (400 páginas cada) começou a ser escrita em 1989, quando eu era criança ainda. A princesa das águas, livro 1, foi lançado apenas em 2014; O príncipe flamejante, livro 2, em 2016; A princesa dos ventos, livro 3, em 2017, e o último livro, O senhor dos abismos, em 2018. Depois disso, já revisei cada livro algumas vezes, então deu bastante trabalho sim.
Muitas vezes, confesso, tive vontade de jogar tudo fora. Só não fiz isso porque já tinha passado pela situação. Na final da década de 90, rasguei a primeira versão do livro 1 e me arrependi muito ao ler O Hobbit, do Tolkien, e ver que tinha sido produzido por um professor universitário sério. Naquele momento, vi que a literatura fantástica era tão nobre quanto os grandes clássicos que costumava ler, então recomecei a escrita, dessa vez mais experiente e embasada em pesquisas de mitologias, lendas e folclores. A história foi se ampliando e o que antes era livro único e curto se transformou em uma série grande.
Por tudo isso, me orgulho muito de tê-lo terminado. Foi um sonho que se transformou em realidade.
Outro sonho que tenho é ver a série traduzida para o inglês e o espanhol e, por acaso, os dois primeiros livros já estão nessas duas línguas. E sei que vou conseguir ter os outros dois também. Basta ter um pouquinho de paciência.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Os contos me vêm à cabeça quando dou de cara com alguma coletânea cuja temática me chama a atenção. Essas histórias de 5 ou 6 páginas não passam pelas mãos de revisores e vão direto para a coletânea, depois faço alguns ajustes se me mandam de volta com comentários e sugestões.
As histórias maiores eu escrevo apenas quando tenho uma ideia que gruda no cérebro e fica lá se desenvolvendo sozinha. Essas são bem insistentes e só me deixam em paz quando passam para o papel. Essas, como mais de 100 páginas precisam de revisão de outra pessoa, sim.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Se forem contos, não mostro a ninguém. Vão direto para a organização da coletânea.
As histórias mais longas sempre vão para algum revisor. A série Zylgor teve minha mãe como leitora crítica e revisora (além da escritora Graci Rocha). Mas a minha mãe foi minha revisora mais especial porque ela esteve comigo durante toda a construção da história que, como expliquei mais acima, levou décadas. Minha mãe já se foi, mas teve o prazer de ler a série e curtir muito. A cada livro, dizia que eu era uma escritora de verdade e coisas do tipo (mãe é mãe), então essa recordação de incentivo e carinho é muito importante para mim.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Comecei a escrever logo que fui alfabetizada. Ainda na infância, li O incêndio de Troia, de Marion Z. Bradley e, vi que queria ser escritora – só não sabia o que escreveria. Logo em seguida vi o filme História sem fim, baseado no livro do Michael Ende, e foi naquele momento que Zylgor brotou na minha imaginação. Eu ainda era uma criança.
Acho que ouvir qualquer coisa, fosse positiva ou negativa, não iria alterar minha disposição para escrever.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Meu estilo foi se formando naturalmente a partir do acúmulo de leituras, mas uma vez eu comecei a ler o Silmarillion e de repente comecei a escrever igual ao Tolkien. Bem, “igual” é apenas um modo de falar. O que eu quero dizer é que comecei a copiar aquele estilo, e isso foi bem no meio da escrita de Zylgor. Fiquei desesperada porque a minha história vinha em um ritmo, com uma determinada narrativa, e de repente se transformou em uma caricatura de um texto de outro autor. Foi a pior experiência literária que tive até hoje.
Esse problema fez com que eu parasse de ler. Eu simplesmente pensava que se eu lesse qualquer livro, ia começar a copiar a escrita do autor. Foram anos e anos querendo ler, mas com medo. Tive um trabalhão para apagar da mente aquela forma alienígena de escrever e voltar ao meu estilo. Somente em 2012 ou 2013 foi que superei o problema e voltei a ler.
O mais interessante nisso tudo foi a participação do Tolkien. Seu O Hobbit me motivou a reiniciar a escrita de Zylgor, e tempos depois o Silmarillion quase destruiu a série.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Só um? Esse tipo de pergunta não se faz. Me recuso a dizer só um, então aí vão 5:
O épico de Gilgamesh
A Ilíada
A Odisseia
Beowulf
A série Zylgor
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.