Lorraine Ramos Assis é fotógrafa e colagista, estudante de Sociologia na UFF.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
O planeamento profissional ocorre a partir, sempre, de um pensamento: “devo escrever ao menos dois textos ficcionais”. Se será no modelo textual de poesia, prosa poética, crônica ou conto – esse último costuma ser mais raro –, não importa, mas sim o impulsionamento para o desempenho do trabalho. Costumo, também, reflexionar para um retorno às leituras que estou tendo no momento, pois considero que a leitura, em primeiro lugar, serve como a pulsão para se escrever quando o escritor não vê a si mesmo preparado para o encabeçamento de um escrito.
Depende do grau que despenderei força e tempo, e se for mais de um, a cota chega a dois. Sempre. Normalmente prefiro consumar um projeto de cada vez.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu faço uma planificação que é até perfeccionista da minha parte. No documento a ser enviado ou que somente sirva a minha visualidade, reitero cada tópico e os direcionamentos, influências, minha própria perspectiva etc., como se fosse uma espécie de catalogação para poder me guiar, e também como uma forma de experimentação prática de uma escrita mais orgânica. No que diz respeito ao “fluir”, posso dizer que também adentro nesse sentimento e técnica. Para você ver, um dia desses, por exemplo, em uma madrugada, eu escrevi em meu caderno de anotações a introdução de um artigo que pretendo enviar para uma revista.
A primeira, sem dúvida, pois eu me preocupo bastante com o que eu quero externalizar ao outro e a mim mesma. Essa ideia de estrutura que sustenta o artista a se empenhar no que o motiva, pois às vezes eu não tenho algo em mente, mas sim a carga elétrica de querer escrever. Posso começar a primeira frase com algo mais descritivo, ou mais abstrato, porém encarregado de “incorporar” o objeto de minha escolha ou a sensação que tenho no instante da escrita.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu sigo a rotina supracitada, que é “dois textos por semana”. Estou na finalização de um livro em parceria com Laura Navarro, e no processo que foi culminado em meados de janeiro desse ano, eu produzia nessa configuração mental e do ritmo de trabalho. O livro, por falar nele, circunda em temas do feminino; das inúmeras condições em que a mulher está sujeitada na sociedade, que vão desde um escrutar no âmbito da sexualidade, drogas, relações interpessoais e identidades múltiplas que a fragmentação social nos dá. É um livro de técnica de estranhamento; ou seja, crítico na minha opinião. Pode interessar também a outros públicos por sua intertextualidade por carregar consigo uma intervenção do audiovisual.
Eu gosto tanto do silêncio quanto de uma trilha sonora ao fundo. O que me deixa enfurecida certamente são os ruídos da rua.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Sim, que foi uma persuasão para mim mesma de ter um axioma, que no caso é “escrever é um ato de recordação”. O que quero dizer com isso? Que eu passei uma boa parte da minha vida em ócio, e me vejo impelida a ter uma produtividade apoiada no que quero expressar ao real, ao público de leitores.
Quando há um bloqueio criativo, costumo ler, ou então a escrever de forma mais anárquica para obstruir essa trava e começar a concatenação de ideias. Logo depois vejo a preocupação formal na métrica e conteúdo quando se trata de uma poesia.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Foi um texto de duas semanas atrás no qual tive que me atentar aos espaçamentos de linha; a métrica em geral; a cronologia e a quebra dela em alguns versos.
Ironicamente foi esse! Pretendo submeter em breve a um domínio virtual ou impresso.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Eu escolho na distribuição do real, ou seja, no que está no meu dia a dia. Filmes, séries, livros, trivialidades que me são jogadas pela imprevisibilidade da vida me são matérias-primas de primeira ordem, especialmente com meu trabalho de fotografia, e que ultimamente o autor André Breton tem me sido de boa serventia em meus estudos para ver como as particularidades das artes não são indissociáveis. Como disse na outra entrevista, os temas que me norteiam são de variados conjuntos. O modernismo, realismo, beatnik, a poesia engajada/circunstancial e literatura soviética são um dos tantos exemplos. Sou uma multiplicidade em minhas produções, não tem jeito, a diferença é como as aplico, que no caso está em uma esfera de estranhamento, sinestesia, a quebra ou mistura do binarismo do abstrato com a literalidade. Ultimamente tenho me voltado para algumas especificidades, como o fenômeno do flâneur, surrealismo e a poesia marginal.
Acho que a leitora ideal é esse rebotalho que me transformei, que busca ser concisa.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Me sinto à vontade com um dos meus melhores amigos. Ou com meu namorado, que no caso é um revisor, logo, o conforto dado pela confiança nessas relações me ajuda. De resto, não costumo fazer essa esquematização.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Sim, foi no primeiro semestre de 2019, e eu estava começando a me atentar mais às técnicas como imprescindíveis para uma formulação artística, pois não adianta um conteúdo se não for bem elaborado e estudado, e era algo que eu ainda tinha certa objeção, uma vez que não vislumbrava a relação dialética entre ambos.
Eu teria tido menos dores de cabeça caso alguém me alertasse sobre o mercado editorial como um todo orgânico e no envolvimento desse ofício literário com as demais pessoas e comigo mesma na reatividade a todo esse arranjo.
A recusa das revistas independentes já é um bom figurino para ilustrar essa pergunta. Se você é recusado de primeira, não quer dizer que seu texto seja qualitativamente inferior, mas que ele pode ter sido recusado por não estar na linha editorial, e muitos escritores esquecem disso; esquecem de manusear com a devida acuidade. Eu já fui recusada duas vezes, se não me engano, nas primeiras tentativas de submeter um texto a uma das nove revistas que fui publicada. Isso me deu um ânimo enorme ao saber que eu estive errada em me sentir menor por isso no passado, e gostaria de dizer a todos aqui que estão lendo para persistir nas revistas que vocês já foram recusados, pois é uma demonstração de humildade e de ambição. A não ser que a linha editorial não lhes interesse, não aconselho, entretanto.
E não somente isso, mas também tem outra coisa: não jogue para todos os lados para tentar contatos, mas sim aos que estão dentro do seu repertório conteudístico. Ou aos que estão acessíveis a conversar com você. E se não receber uma resposta recíproca, é assim mesmo. Ninguém está imune a isso.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
As dificuldades que encontrei foram das incessantes tentativas de organizar o material colhido, mas no que concerne à identidade, eu não me vi com muitos problemas por ter um senso de me preservar para não ser facilmente influenciável dado o meu histórico pessoal, o que não significa não estar aberta para novos estilos, é claro, mas a maturidade é o que deve dirigir-nos.
É uma pergunta bem difícil, uma vez que entrei no mercado da literatura como um cego em tiroteio, então eu prefiro responder essa pergunta com autores que têm me influenciado recentemente: Lisa Alves, Milena Martins Moura, Mar Becker, Leo Tavares e Guilherme Gontijo Flores. Há outros, mas não farei um índice onomástico (rs). Antes de me colocar profissionalmente havia (há, né) a Patricia Mello e a S.E. Hilton, mas eu não diria que me influenciaram em um grau demasiado.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Sem dúvida o “Céu noturno crivado em balas”, do Ocean Vuong.