Linaldo Guedes é jornalista, poeta e editor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Creio até que todos temos, mesmo que não admitamos. No meu caso específico, costumo acordar entre 4 e 5 da manhã. Fico deitado na cama um pouco, depois levanto-me, ligo o som numa rádio daqui da minha cidade e ligo o computador. Abro minha caixa de email, o email da editora Arribaçã. Vejo se tem algo para responder, dou uma rápida olhada nas redes sociais e leio um pouco algum livro. Depois saio para o meu trabalho. Fins de semana e feriados, demoro mais um pouco no computador após acordar e sempre busco escrever algo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro trabalhar nesse horário matinal. O clima está mais frio e a cabeça também. Costumo dizer que de manhã cedinho a cabeça está vazia. Fica mais fácil encaixar ideias, construir poemas, fazer uma matéria, um artigo, produzir uma palestra, enfim…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, porque além de ser poeta sou jornalista e editor. Então, estou sempre escrevendo uma matéria, uma reportagem, um artigo ou dando pareceres sobre livros. Mas na poesia, que é de fato meu ofício literário, sou levado por ela, e não o contrário. Então, quando surge um poema, uma ideia de um poema, tenho que fazer o jogo dele e parar o que estiver fazendo para tentar construir o poema. Ou, então, anotar a ideia, um verso num papel e depois, com mais tempo, trabalhar o poema. Quando decido publicar um livro, fico, durante o período de gestação do livro, lendo, relendo, escrevendo e refazendo os poemas da obra, até ela ficar pronta. Isso pode durar meses. Até anos. Veja você que há três anos planejo publicar um livro de poemas e não consigo concluí-lo. Sempre acho que está faltando algo e fico adiando.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bem, literariamente falando, escrevo poemas e aqui e acolá ensaios e resenhas. Falando da minha produção poética. Geralmente, escrevo o poema a partir de uma ideia (que pode ser chamada também de inspiração). Às vezes é um tema, um verso que surge, uma palavra, algo que li ou vi e fica martelando na mente até transformar em poesia. A hora da transformação dessa ideia em poema é que são elas. Cerco-me de livros, de dicionários, de gramáticas e até da Bíblia ou livros sobre o Budismo, além de estar com o Google aberto para qualquer pesquisa. Tudo isso ajuda na construção do poema. Na escolha de uma palavra, de um advérbio, de um adjetivo, no arremate, enfim. Mas, claro, tudo parte de uma inspiração ou ideia, mas mesmo quando o poema é encomendado (já fiz muitos assim), o processo é o mesmo. Para mim, o poema enquanto não for publicado em livro, pode ser alterado. Depois que o publico em algum livro, não mexo mais nele.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo ter travas na escrita. Tenho vazios, buracos. Às vezes, passo meses sem escrever e nem ter vontade de escrever um poema. Mas quando decido escrever, ele vem naturalmente. Também não temo não corresponder às expectativas. Penso que se alguém me contratou ou me provocou para determinado projeto é que sabe de meu potencial. E eu só costumo aceitar tal convite ou provocação se tiver plena e absoluta consciência de que conseguirei dar conta do recado. Caso contrário, agradeço o convite, mas recuso. Em relação a projetos longos, aí sim, confesso que fico ansioso. Tento lidar com essa ansiedade trabalhando simultaneamente em projetos menores. É uma forma de a mente não ficar focada apenas naquele projeto longo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Enquanto não publicar em livro, estou sempre revisando meus poemas. O mesmo em relação aos meus textos para jornal. Não costumo mostrar meus textos e poemas para outras pessoas antes de publicá-los, a não ser para eventuais prefaciadores dos livros. No caso dos poemas, publico-os nas redes sociais. Às vezes, alguém comenta, sugere a mudança de algum verso ou palavra. Guardo as sugestões e depois avalio se as incorporo ao meu poema.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje, faço tudo no computador. À mão, só se surgir uma ideia, um verso, algo assim, quando estou na rua. De maneira geral, lido bem com a tecnologia. Pelo menos com o básico: Word, corel drawn, internet, fazer pesquisa, etc. Mas sem deslumbramento ou afetação. Não sou viciado em internet, embora use sempre.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ih, de tanto lugar. De uma conversa, de um olhar, de uma expressão, de uma música, de um filme, de um comentário, de um livro, enfim. No caso da poesia, já disse que sou meio que refém dela. Por exemplo: lancei meu primeiro livro aos 30 anos e naquela época (em 1998) já idealizava quais livros queria fazer a seguir. E fiz alguns desses planejados. Mas outros surgiram no caminho de intrometidos e se fizeram livros sem minha autorização.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Creio que o que mudou realmente foi meu conhecimento do mundo. Comecei a fazer poemas com 15 anos, hoje estou com 50. De lá para cá, muita coisa mudou em minha vida, seja pessoalmente, seja profissionalmente, seja literariamente. Mudam também os conceitos. Estamos sempre em evolução. Obviamente, era mais intuitivo e menos cerebral na construção de meus poemas. Hoje consigo aliar as duas coisas por igual, sem perder o meu estilo. O que diria a mim mesmo se pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos? Citaria o trecho de uma música de Chico Buarque: “não se afobe não, que nada é para já”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero concluir e lançar ainda este ano o “Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”, que será meu quinto livro de poemas, mas não sei se consigo. Tenho vários projetos ainda não começados, como minhas memórias do jornalismo e os bastidores do mundo literário. Mas na verdade tenho um projeto de um livro (em tese de poemas) que une religião, filosofia e política, mas não posso e nem devo falar mais sobre ele agora. Não sei se conseguirei um dia fazê-lo. Seria a minha grande obra, se conseguisse. Quem sabe?