Lílian Maial é médica, escritora e poeta.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu sou médica, trabalho ainda e tenho filhos que requerem minha atenção e dedicação, então, começo meu dia na correria, entre cuidar de assuntos da casa e dos filhos e preparação para ir trabalhar. Não sem antes dar uma olhadinha nas plantas, no meu cachorrinho e sentir as impressões do dia. Isso também é poesia!
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse, sou médica, trabalho desde jovem muito cedo e o meu tempo para a escrita é relativo e restrito. Não tenho ritual, mas certamente quando a casa está mais quieta, à noite (até de madrugada), esse é o meu momento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A minha vida ainda não me permite uma dedicação maior à literatura. Estou perto de me aposentar e, aí sim, tenho projetos literários mais intensos. Normalmente tenho papel e caneta ou lápis na bolsa, além do celular, para fazer anotações de eventuais insights. Quando dá, pego a agenda e, nas folhas vazias de datas pretéritas, escrevo. Já fiz muito isso, chegando a preencher agendas mais com poemas, do que com pacientes…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita sofreu mudanças ao longo dos anos. Inicialmente trabalhava o dia inteiro, dava plantões, chegava em casa exausta e ainda tinha casa, marido e filhos para cuidar. Nessa época, pouco escrevi. Mais tarde, com filhos já mais crescidos e o advento da internet, voltei a rabiscar um poema aqui, um conto ali, uma crônica acolá. Em fins dos anos 90, numa fase em que fiquei somente com um emprego, conheci sites literários e comecei a me corresponder com outros escritores, até que encontrei um parceiro poético, que amava sonetos (como eu), e que me desafiava a compor a 4 mãos. Fizemos mais de 100 sonetos dessa forma, ele me enviava um verso, eu enviava o segundo, e assim íamos até completar os 14 versos do soneto. Infelizmente esse amigo querido veio a falecer em 2014, e, em sua homenagem, publiquei alguns de nossos sonetos, que se transformou no livro “Duetto”. De lá para cá, fiquei sem ânimo de fazer sonetos, dando preferência à poesia minimalista, notadamente ao Poetrix. Hoje em dia, ocupo a cadeira de nº 12 da Academia Internacional Poetrix. Contudo, ao longo dessa trajetória, tive a oportunidade de fazer cordel, trova, haikai, minicontos, contos, crônicas, prosa poética, poemas livres e eróticos. Atualmente, venho me dedicando também à literatura infantil. E respondendo à pergunta inicial, meu processo criativo costuma vir de 3 maneiras: ou uma ideia, que anoto e vou desenvolvendo aos poucos, ou um desafio que alguém, me lança, ou uma situação vivenciada, que decido escrever a respeito e, nesses casos, costumo concluir de imediato.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ah! A travas da escrita são com as travas da nossa vida! Temos fases de luto. Temos fases de lua. Eu apenas espero. Sei que é uma fase, que há de passar. Foi assim com o falecimento do meu parceiro de 15 anos de sonetos. Fiquei sem nenhuma inspiração e sem nenhuma vontade de escrever nada por meses! Todavia, os poemas que fiz pela sua morte foram lindos!
Quanto à minha ansiedade para projetos longos, ela é imensa, e tem muito a ver com a minha noção de finitude e a corrida contra o tempo. Não sabemos quanto tempo nos resta de existência e tem tanta coisa que ainda quero fazer, que tenho medo de me prender a algum projeto maior e não ter tempo de concluir os demais. Parece meio macabro, mas é puro realismo. A vida é cara, é rara e é curta. Talvez, por isso, prefira poemas, poetrix e minicontos. Para abraçar mais coisas simultâneas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A execução dos meus textos é semelhante a fazer pão. Não costuma ser muito demorada. Faço um poema, releio, mexo aqui, remexo ali e deixo descansar. Num outro dia, releio, amasso e ponho para assar. Às vezes sola, noutras fica uma delícia!
Mostro meus trabalhos para minha filha que, mesmo sendo muito amiga, é extremamente crítica. Ela fez Letras, faz revisões e traduz (português/inglês e inglês/português), e é muito boa! Quando ela não gosta, diz na lata e mostra as falhas. Quando gosta (e elogiar nela é raro, porque é muito exigente), eu sei que está no ponto. Mostro também para grupos de poesia que frequento, mas aí tem muita camaradagem e nem sempre as opiniões são totalmente sinceras.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro a tecnologia! Nada como corretor ortográfico! Poder apagar frases inteiras e refazer sem problemas, ou recuperar algo que se apagou. Mas sinto uma coisa diferente ao escrever no papel. É como se o lápis conhecesse o que vou escrever. Não sei explicar direito. Existe um certo prazer tátil ao segurar o lápis e deslizar sobre o papel. Algo quase erótico. E tem mais: o lápis é melhor que a caneta! Eu tenho mais intimidade com o lápis. Tenho vários cadernos que rascunhei antes de passar os textos para o Word. Mas também tenho textos e poemas escritos inteiros no computador e no celular. São instrumentos complementares, eu diria. A tecnologia não elimina o papel. Inclusive, nada como o cheiro de livro!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm tanto da observação do que me circunda: pessoas, comunidades, minorias, a visão social e política, como das sensações reais e surreais, a natureza, o amor, a morte.
Como hábitos, tenho a leitura constante (menos do que gostaria, porque ainda trabalho), filmes, música, pintura e desenho. Outro hábito que amo é a fotografia. Por vezes, já fiz poemas com base em fotos que captei.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sem dúvida, o que mudou foi o tempo que dedico à literatura, tanto a leitura, como a escrita. Eu não tinha muito tempo para ler e quando lia eram livros de Medicina. Com o passar dos anos e com as mudanças nas necessidades profissionais e pessoais, tenho mais tempo para ler. Além disso, a parceria com o amigo que me desafiava a fazer sonetos a 4 mãos foi providencial e me deixou ativa esses anos todos.
Se eu pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos, diria para ter mais paciência, deixar os poemas crescerem, não me precipitar para publicar logo. Diria também para falar menos de sentimentos e mais de realidade. Olhar mais ao redor e tomar consciência social e política, usar a escrita para gritar, denunciar, alertar, compartilhar. Eu comecei muito primitiva, intuitiva, sem muito trabalho da palavra. A coisa fica meio confessional. Depois que comecei a participar de grupos de poesia, percebi o quanto os poemas confessionais ficam em segundo plano, repetitivos, sem um propósito, e fui tomando consciência social na poesia. Não sou de formação profissional literária, então meu esforço é redobrado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou com um livro de Poetrix para ser publicado pelo Mulherio das Letras ainda este ano, em fase final de diagramação. Estou com um livro de literatura infantil, em fase de ilustração, torcendo para ser publicado até o final do ano. O de Poetrix é projeto antigo, mas o de literatura infantil tive a ideia este ano, escrevi num só dia e resolvi publicar. Meus netos me inspiraram.
O projeto que gostaria de fazer é o desenvolvimento de personagens dos livros infantis que já escrevi. Penso que esses personagens podem aumentar. Os livros que escrevi (dois) foram de apenas um personagem cada e quero aumentar, fazer um círculo de amigos e familiares, uma vez que os temas infantis sempre estão relacionados à família ou à escola e amigos. Fora isso, publicar meus minicontos surreais, que amo! E talvez um livro de poemas livres.
O livro que gostaria de ler e que ainda não existe seria sobre o encontro do propósito da existência da humanidade. Li alguns pensadores, filósofos e psiquiatras, mas o que eu queria ler não era bem isso, era o real encontro desse propósito por toda a humanidade. Um ator recentemente falecido havia dito que “a humanidade não deu certo”, frase que eu já havia repetido inúmeras vezes no Facebook e em família, bem antes dele trazer a público. Pois eu queria um livro que mostrasse o contrário, como realidade. Quem sabe um dia?