Lígia Azevedo é formada em jornalismo pela USP, estudou edição na Espanha e é tradutora de literatura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu gosto de começar a escrever logo cedo. Acordo às sete horas, tomo café, escovo os dentes, me troco e já começo a trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Logo cedo, porque acho que é quando produzo meu melhor, sem nem sentir o tempo passar. Depois do almoço, tenho bastante dificuldade de trabalhar, o ideal é que só precise fazer mais umas duas horas no máximo. Senão começo a enrolar muito e três horas de trabalho viram quatro ou cinco horas na prática, arrastadas e pouco produtivas.
Gosto de fazer uma preparação do dia na noite anterior (deixar o escritório arrumado, por exemplo), pra não perder muito tempo antes de botar a mão na massa. Em geral, dou uma olhada na agenda e encho a moringa de água.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Trabalho como tradutora, por isso escrevo de segunda a sexta, seis horas por dia. Uso o método Pomodoro ligeiramente adaptado: cinquenta minutos de escrita dedicada e dez minutos de descanso fora do computador (em geral olho WhatsApp ou faço coisas da casa nesse intervalo).
Também tenho uma meta de produção, um número de laudas que sei que consigo traduzir e que me ajuda a ter foco.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando se trata de tradução, vou pesquisando conforme a necessidade. Quando se trata de escrita criativa, começo lendo muito e fazendo anotações, e tenho uma tendência a me perder nisso, a querer só pesquisar. Começar fica difícil, mas em determinado momento preciso me convencer a parar e começar a escrever, até para guiar melhor o que exatamente ainda preciso pesquisar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Na tradução, as travas funcionam de maneira diferente: são alguns pontos em que você não consegue avançar, porque não encontra uma boa solução de imediato. Em geral, eu deixo um comentário e volto depois a isso, às vezes em outro dia. Às vezes a solução surge do nada, quando você não está trabalhando. Às vezes, ao olhar de novo para aquilo, com outros olhos, a coisa se resolve rápido. Às vezes você só conclui que não tem uma solução boa, e aceita isso.
No que se refere à procrastinação, às vezes procrastino trabalhando, como formatando meu glossário no Excel sem necessidade, ou traduzir notas e bibliografia antes de tudo. Mas uma hora é preciso encarar o texto em si, não há escapatória.
Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, nem posso pensar muito nisso. Sofro de síndrome da impostora e estou sempre achando que vão me descobrir e que nunca mais vou poder trabalhar no mercado editorial.
Por último, para mim, o pior dos projetos longos é o tédio e a ansiedade de ver novos projetos entrando na fila estando presa em outro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Na tradução, de jeito nenhum mais de uma vez, ou ficaria insustentável. É para isso que serve a preparação de texto, a edição e as revisões. Muitas vezes reviso por amostragem também: seleciono um trecho e verifico nele se há necessidade de continuar ou se posso só fazer algumas buscas atrás de erros recorrentes.
Quando se trata de textos curtos, como de orelha e quarta capa, reviso várias vezes, mas uma hora tenho que parar, porque percebo que poderia continuar mudando uma coisinha a cada vez.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre escrevo no Word. Eu costumava fazer anotações em papel durante a tradução, mas mesmo isso tive que extinguir, porque depois não conseguia recuperá-las. Agora meus glossários são todos em Excel. Mas é uma pena, porque adoro canetas e cadernos e tenho uma infinidade em casa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minha ideias vêm por obrigação: tenho um problema nas mãos e preciso resolver de alguma maneira. Às vezes o melhor que se pode fazer é dar tempo ao tempo. Mas ter muitas referências sempre ajuda na criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que escrever é algo que se aprende lendo, sem compromisso e sem objetivo, e fazendo. Sinto que aprendi sobre mim mesma ao longo dos anos e a me respeitar: se é no primeiro horário do dia que trabalho melhor, então devo concentrar meu trabalho nesse horário. A evolução da escrita é um processo, e eu não mudaria nada em como as coisas se desenrolaram, porque não tenho controle sobre os resultados.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Existem muitos livros que eu gostaria de traduzir por puro prazer, mas nunca tenho tempo de começar, porque meu trabalho é meu sustento. Além disso, valorizo muito meu tempo livre, e não quero dedicar mais do que a essas seis horas diárias à escrita.
Não penso em ler nenhum livro que ainda não exista, porque já tenho livros demais que já foram escritos na minha fila (alguns deles literalmente. Tenho uma prateleira inteira só de livros à espera).