Lidiana Reis é escritora e produtora de cinema, autora de “Livro em Branco ou Uma Uma Mulher de 30 anos” (Patuá, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Então, eu sempre cultivo algum tipo de rotina matinal, mas ela acaba sofrendo modificações considerando o meu momento de vida. Antes dos meus filhos, por exemplo, eu tinha um tipo de rotina, depois foi outra e desde a pandemia eu estabeleci um hábito novo e que eu acho muito bom que é a escrita das minhas páginas matinais. Eu tenho um caderninho roxo que me acompanha sempre e é onde eu escrevo tudo que vem a minha mente, assim que eu acordo. Eu acredito que através dessa escrita matinal eu faço uma drenagem mental, que ajuda muito a enfrentar as pequenas ansiedades do dia e a colocar ideias e frases no papel também. Para quem não conhece as páginas matinais é uma técnica de colocar no papel, assim que se acorda todos os pensamentos que vem à cabeça, sem tirar o lápis da folha é escrever sem parar, sem pensar é uma catarse de escrita e a Julia Cameron que é uma escritora americana explica muito bem como isso funciona e os benefícios dessa escrita para a criação no livro: O caminho do artista.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor a noite, porque é o momento que consigo ficar mais concentrada para pesquisar e escrever, mas eu tô sempre escrevendo alguma coisa ou estudando quais as melhores ferramentas narrativas para dar forma às minhas histórias. Então, as vezes uma frase me vem à cabeça, ou uma cena, muitas vezes e eu vou escrevendo esses fragmentos em diversos suportes em notas de celular, em documentos em word… até por isso, eu digo que sou uma escritora de notas de celular, porque eu uso muito o recurso de escrever pequenos trechos de coisas no próprio celular, para não deixar as ideias irem embora e depois quando sento para escrever eu já tenho muita coisa rascunhada e quase sempre quando eu vou fazer um texto eu nunca estou começando do zero, porque ele quase sempre vem de uma imagem que eu já formei, uma frase que eu já escrevi, uma personagem que está me acompanhando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo um pouco todo dia, mas muitas vezes é essa escrita mais íntima, quero dizer assim, são as coisas que eu preciso dizer, porque eu utilizo a escrita muito como forma de expressão. Então, as vezes eu leio uma notícia e fico angustiada e preciso escrever e aí sai um poema, algo assim, mas fora essa escrita “livre” eu tenho estabelecido algumas metas sim. Quando é um trabalho autoral de audiovisual, por exemplo, eu tenho um pequeno roteiro do que eu preciso desenvolver e eu vou estabelecendo metas para não ficar um projeto infinito e conseguir sair do campo das ideias e de fato se transformar em um projeto de filme, ou série. Foi assim com o argumento do meu longa documental que se chama Piedade para esta Terra que me sonega o amor. Eu desenvolvi o projeto todo em pouco mais de três meses, desde as pesquisas iniciais até chegar no argumento. Agora estou na fase de revisão desse argumento e desenvolvimento de outras etapas, mas tenho um argumento escrito e um projeto já bem desenvolvido.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Então, as vezes eu demoro para sentar e escrever de fato. Alguns projetos ficam rondando a minha cabeça, sobretudo personagens. Até que chega um momento que eu sento e depois de algumas horas eu começo a escrever alguma coisa que realmente eu goste. Normalmente as primeiras coisas que eu escrevo eu não gosto e penso em parar, mas sigo escrevendo até o momento que eu me conecto ao que to escrevendo e vou escrevendo sem parar, mas para chegar nesse momento as vezes é um pouco demorado. E já tem alguns projetos que eu estruturo bem antes de sentar para escrever. Faço muita pesquisa, penso na estrutura da história, no perfil dos personagens vejo muito vídeo no youtube sobre processo, sobre questões que são importantes naquela narrativa e só depois disso sento e escrevo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu pesquiso, estudo e escuto outras pessoas falando dos processos delas, porque as vezes a gente vê algo muito bom e nunca se lembra que aquilo ali também teve um processo e muitas vezes difícil e doloroso para quem estava criando. Esses dias eu tava lendo sobre os originais dos livros da Clarice Lispector e o A Hora da Estrela teve 11 títulos. E é legal isso, porque a gente vê que de fato é um processo para todo mundo. Não que eu possa um dia ser Clarice Lispector, mas se ela passou por momentos de ansiedade e dúvidas para escrever, imagina eu. Então, processo criativo é sempre uma coisa que me interessa e eu tô sempre ouvindo sobre isso, em podcast, livros, nas redes sociais, porque é uma tentativa diária.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso umas duas ou três vezes antes de mostrar para alguém e nunca acho que realmente chegou o momento. Eu tenho um amigo escritor que normalmente lê tudo antes de eu publicar, ou mostrar para outras pessoas. Ele é sempre meu primeiro leitor e eu me sinto segura sabendo que ele leu.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo em cadernos e no computador. Eu tenho um caderno que eu vou guardando ideias e estudos sobre narrativa e alguns desenhos e coisas que são inspiração para mim, mas quando eu quero realmente escrever algo eu sento no computador para escrever e mesmo que demore porque no computador a gente acaba se distraindo mais do que no caderno é sempre nele que eu organizo melhor as ideias e sigo um fluxo mais contínuo de escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm de todos os lugares e eu acho que é isso que me faz seguir sempre escrevendo, porque eu escrevia antes de ler os grandes autores, ou assistir os filmes clássicos e antes de entender qualquer coisa sobre narrativa. Eu acho que como o Joseph Beuys dizia todos nós somos criativos por mais que seja mais valorizado o conhecimento intelectualizado eu acredito muito na criatividade popular e nas histórias orais e minha vontade de contar histórias vem muito desse lugar. Então, hoje eu leio muito, desde clássicos a novas autoras e assisto muito filme e série, mas eu tento não focar toda a minha energia nisso e estou sempre aberta a observar as coisas que me cercam, no dia a dia. Então, eu estou sempre ouvindo histórias de vida e de pessoas e fico observando a forma como elas falam e relembro histórias antigas da minha família, procuro descobrir e conhecer poetas e artistas populares, que comunicam muito comigo com o que eu sou e com as histórias que eu quero contar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que a primeira coisa que eu diria, sem dúvida, é: você pode ser uma escritora, você pode ser uma artista, uma criadora. Porque eu passei muito tempo colocando esse lugar da criação como secundário na minha vida. E desde quando eu decidi assumir, de certo modo, a escrita eu mudei muito o meu processo e a minha relação com a escrita, porque eu deixei de escrever apenas como forma de expressão e passei a ter mais consciência sobre o que quero escrever, sobre as histórias que eu quero contar e passei a estruturar melhor o que eu escrevo observando tanto o meu processo, quanto as escolhas que eu faço. Quais as palavras que estão sempre presentes no que eu escrevo? Quais os temas? Quais as imagens que eu crio através dessas palavras? Então, quando eu comecei a responder essas perguntas eu fui entendendo melhor quem eu sou nesse universo e tateando aos poucos onde eu quero chegar, quais histórias de fato eu quero, ou consigo contar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero muito fazer um projeto para a infância, e essa vontade é muito baseada na minha experiência como mãe eu acho que é importante criar um repertório mais nacional, ou mesmo regional para os meus filhos, porque um dia quando meu filho mais velho era bem pequeno eu percebi que ele tinha mais relação com urso, ou guaxinim do que com lobo-guará, ou tatu. Então, eu percebi que eu precisava fazer uma curadoria sobre o que ele consumia e aí surgiu a dificuldade de encontrar livros, desenhos, filmes, séries que contam mais sobre as nossas estórias para as crianças. Então, eu quero muito fazer acontecer algum projeto nesse sentido. E eu gostaria muito de ler mais livros que nos ajudassem a olhar para o futuro com esperança, porque eu sinto no momento uma grande desesperança em relação ao futuro. E alguns livros como: Como adiar o fim do mundo, do Ailton Krenak são bons de ler nesse momento e queria ler mais reflexões críticas, mas que nos ajudem também a estabelecer uma nova relação com o mundo em que vivemos.