Liana Timm é poeta e artista multimídia.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Até poderia dizer que sim. Levanto geralmente pelas 6 da manhã. A hora é boa. Sempre foi assim. Desde pequena levantava cedo para estudar. Parece que o cérebro responde melhor às solicitações. A impressão é que ele se reorganiza durante a noite e de manhã está fresquinho para reiniciar, tipo computador. Planejo meu dia nesta primeira hora e começo a escrever ou a trabalhar com arte. A luminosidade da manhã me inspira e assim enfrento as tarefas cotidianas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Todas as horas do dia são boas horas para escrever. Depende da nossa disponibilidade. Quando me sinto disponível, esse é o momento em que crio com mais vigor. Mas certamente, os primeiros momentos da manhã são meus preferidos. A sensação é muito boa principalmente quando o silêncio reina na rua onde moro. Os cachorros não latem e os carros passam com mais vagar. Conforme o dia avança, às vezes fica insuportável trabalhar, principalmente para mim que amo o silêncio. E vejam, moro num bairro da zona sul de Porto Alegre.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo invariavelmente todos os dias. Mas a hora varia. Quando a necessidade se torna premente paro com tudo e começo a escrever. Assim as ideias que surgem são aproveitadas e um poema ou um conto começa a se delinear. Esse hábito não é rígido, não coloco metas. O que sair, sai bem. Mesmo porque sou muito dispersiva, não na hora em que trabalho mas até eleger o que fazer. Perambulo por muitas coisas até me concentrar numa só. Mas quando me concentro abstraio onde estou e muitas vezes me assusto quando algo me chama de volta à realidade. Essa dispersão, considero de extrema importância pois é o meu jeito de dar passagem ao inconsciente e descobrir novidades sobre mim mesma.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes de escrever sempre leio alguma coisa. Pode ser qualquer assunto. O importante é estar em contato com um texto. Dali aparecem palavras instigantes que, aproveitadas, são a gênese de qualquer escrita. Gosto de eleger uma palavra para que ela desencadeie o caminho a percorrer. Depois disso o andamento do texto se independiza de seu início e corre solto, para minha estupefação. Corre para lados que nunca imaginei e me dou conta que o universo inconsciente trabalha autônomo. Ele faz parte de nós mas é desconhecido e sendo assim anda sozinho. É muito prazeroso descobrir o que nos revela esses mistérios ocultos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Uma grande ansiedade me invadia no começo. Era como andar numa esteira, sempre no mesmo lugar. Mas descobri que andar no mesmo lugar tem suas vantagens também. Hoje sei que, se tiver paciência de esperar que algo se movimente dentro de mim, irei encontrar as ideias e as palavras certar para tecer um novo texto. E assim vou, “catando feijão”. Escolhendo algo aqui, ali e formando o texto, às vezes com entraves a administrar, às vezes num deslizar sem atrito com nada.
Catar Feijão João Cabral de Melo Neto 1. Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2. Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes. Escrevo e depois deixo de lado e volto a ler para verificar se as palavras estão dizendo o que realmente eu queria dizes. Mas chega um momento que paro e deixo o texto se fazer sozinho. Quando reúno os poemas em forma de livro e ele fica praticamente pronto, aí sim mostro para algumas pessoas. Penso que se não formos críticos de nós mesmos, quem será? O ideal é termos a capacidade crítica bem desenvolvida para podermos, com segurança, tratar o texto de maneira a entendê-lo pronto para ser publicado. Mas gosto de ouvir o que as pessoas têm a me dizer. O escritor não seria nada sem os leitores. Precisamos compartilhar o que fazemos para que nossas produções tenham algum sentido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. Isso não impede que, de vez em quando, também escreva à mão. Mas quase 95% das vezes escrevo no computador. A tecnologia é sensacional quando bem usada. Ali temos à nosso dispor, tudo o que precisamos. Podemos consultar as nossas dúvidas e pesquisar o que queremos. Um mundo se abriu e é preciso usufruir disso de maneira completa. Minha relação com a tecnologia iniciou no tempo em que apareceram os primeiros PCs. Na época eu era professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, e começou-se a usar o computador para praticar a profissão. A partir daí uso o Mac para tudo, para a arquitetura, para a poesia e principalmente para a minha arte, criada muito no digital.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Geralmente surge através de uma palavra, uma lembrança, uma ideia. Mas não sou daqueles que espera baixar a inspiração. Não lembro de ter escrito algo no calor do momento. O que escrevo é com emoções elaboradas, assimiladas e dominadas. Isso não quer dizer que falte ao texto densidade mas, acredito num distanciamento necessário para que a linguagem seja trabalhada artisticamente. Acho que, ao criarmos tanto um poema quanto uma obra de arte, algo imprescindível deve ser valorizado: o embasamento cultural do criador. É preciso riqueza de referências e conhecimento, para que o processo de criação não seja vazio. Uma simbiose entre forma e conteúdo também é fundamental.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Difícil pergunta. Mas, acho que faria tudo de novo. Levei dez anos estudando literatura para só então publicar meu primeiro livro. Li quase todos os poetas, estudei suas características, frequentei aulas de crítica literária, história da literatura e assim foi. Aprendi a tratar a palavra com respeito e responsabilidade. O que se vê hoje é uma proliferação de “poetas” nas redes sem nenhum critério. E elogios descabidos para cada coisa que me arrepia. Mas isso não acontece só na literatura. Vivemos uma era midiática que eliminou critérios qualitativos importantes daquilo que vemos, ouvimos e sentimos. Mas o tempo, esse sábio onipresente em nossas vida, se encarregará de separar o joio do trigo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Pergunta sempre difícil de responder. No meu caso estou sempre fazendo algo para amanhã. Sempre muitas coisas ao mesmo tempo, seja na literatura, artes visuais, cênicas ou música.
Só para teres uma ideia: preparo uma exposição individual, outra em parceria que está sendo levada para o interior do estado do RS, estou terminando um livro, organizo os meus 53 anos de artes visuais, preparo um show de música e poesia e ainda uma ida ao México para uma mostra, um show e o lançamento de um livro sobre a cultura mexicana, com um grupo de autores, tudo pela TERRITÓRIO DAS ARTES, minha editora e produtora. E assim a vida vai se desenrolando com muita garra e alegria.