Lia Sena é escritora baiana.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Ultimamente levo uma vida bastante informal, moro na praia, bem em frente ao mar, em meio a uma natureza deslumbrante e quando se tem um privilégio de estabelecer esse contato mais íntimo com a natureza, principalmente em meio a uma pandemia, percebe-se o quanto tudo fica menor, insignificante, o quanto é fugaz a vida. Portanto, eu que já não era afeita a trabalhos formais, estou cada vez mais leve e procuro fazer o mínimo obrigatório, dentro de uma organização exígua e as coisas que me dão prazer, como a escrita, faço-as no meu tempo, sem cobrança ou pressão. Sempre há projetos acontecendo ao mesmo tempo, mas gerencio de forma que não me sobrecarreguem, que não me privem das caminhadas na praia, dos banhos de mar ou minha lida com as plantinhas que cultivo, os bichos que amo e tantas outras coisas que povoam meus dias.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Nunca! Sempre deixo fluir naturalmente, sou muito avessa a coisas esquematizadas, rígidas, elas inibem a minha criação. Escrita pra mim, é o exercício da liberdade; deixo acontecer e o resultado é compensador. A última frase é sempre mais pensada. Gosto de arremates impactantes, fechamentos que instiguem a reflexão ou contem o que estava subtendido anteriormente. Uma surpresa, uma explosão… por isso, precisam ser bem trabalhados.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não, sou avessa a rotina. Odeio o que me obriga a trilhar o mesmo caminho, cumprir os mesmos horários, executar as mesmas tarefas… isso me oprime, escrevo só quando sinto vontade, posso escrever todos os dias, mas também me permito ficar longos espaços de tempo sem escrever. Só vale a pena se for com tesão!
Não, não preciso de nenhum ambiente especial, de silêncio, nenhum ritual para escrever. Às vezes escrevo um poema visceral, forte, em meio ao burburinho diário da casa ou capítulos inteiros de um romance, enquanto sou interrompida para responder perguntas, atender alguém, acontece muito comigo.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Não, simplesmente procrastino. Fico mal, porque sou responsável e cumpro sempre minha palavra, então, quando há algo obrigatório a fazer e procrastino, me obrigo a fazer, muitas vezes, num prazo curto, mas não deixo de entregar.
Quando me sinto travada, ou melhor, quando não sinto vontade, simplesmente não escrevo.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Certamente foi o meu primeiro Romance, escrito em 2020, “depois o AMOR”. Como sou essencialmente poeta e a prosa é algo que exercito eventualmente, dá uma certa angústia, a demora que exige a escrita de um romance, por exemplo. O poema é sintético, compacto, no meu caso, fica pronto rapidamente e a sensação de alívio, tarefa cumprida, é imediata. No caso desse romance, toda a trama girava em torno de um acontecimento e eu só pude escrever esse foco central, lá pro vigésimo capítulo, pois a história não foi escrita linearmente e é carregada de suspense, então eu ficava ansiosa pra escrever tudo, mas é impossível. Enredo e personagens ficavam girando em minha mente, mas precisavam do tempo certo pra sair. Foi uma experiência nova, mas muito compensadora, principalmente porque as pessoas gostaram muito e o feedback foi maravilhoso.
Me orgulho muito do meu terceiro livro de poesia, “de foro íntimo” (Penalux/2018); do quarto livro que foi vencedor do III Prêmio Sosígenes Costa de Poesia, promovido pela Academia de Letras de Ilhéus e Uesc, lançado recentemente, “Na veia da palavra” (Editus/2021); um conto que foi incluído recentemente num projeto de podcast maravilhoso, “Três” e obviamente, orgulho-me do primeiro Romance, curto, mas que me trouxe muitas alegrias, “depois o AMOR” que foi publicado apenas em formato digital e, quem sabe, será impresso, no futuro.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Escrevo sobre os mais diversos temas e acredito que o escritor, assim como todo artista, tem uma responsabilidade de tocar em temas importantes que afetam a sociedade, conduzindo à reflexão, mudanças de comportamento, etc. Nos meus livros, como mulher feminista, de esquerda, militante contra qualquer preconceito, abordo sempre temas de cunho social e político, além de todos os demais que fazem parte da vida. Sou a minha leitora mais exigente e só publico algo se realmente gostar do que escrevi. Às vezes passam algumas coisas que a gente não vai gostar muito no futuro, mas faz parte!
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Não costumo fazer rascunhos ou mostrar para outras pessoas, mas o Romance, por exemplo, passei para algumas amigas especiais lerem, antes de ser publicado. Amigas também escritoras que me deram muita força. Meus familiares nunca leem antes, o que escrevo. Aliás, nunca são manuscritos; não faço rascunhos no papel.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Não lembro; escrever, desde a infância, sempre foi algo espontâneo em mim, mas tomei consciência de que poderia ser uma escritora, a partir do momento que um amigo, escritor e jornalista, leu alguns dos textos que eu tinha, espalhados pela casa e lhe foram entregues pelo meu marido e ficou entusiasmado, fez muitos elogios e me incentivou a publicar o primeiro livro, “Pedaços’ em 1988.
Gostaria de ter recebido mais acolhimento, orientação, ajuda, para conseguir me colocar nesse meio literário que é tão difícil, para publicar com mais facilidade, como costumo fazer hoje com pessoas amigas, apoiando, ajudando no que é possível, orientando, pra que as coisas fluam mais facilmente.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Creio que meu estilo aconteceu naturalmente. As pessoas costumam dizer que a minha escrita tem a minha marca, é facilmente reconhecível, mas escrever, pra mim, é um exercício pleno de liberdade; gosto de variar, formatos, temas, influências. Não tive, especificamente, autoras que me influenciaram, mas ao entrar em contato com a escrita de autoras como Adélia Prado, Elisa Lucinda e outras, percebi que esse era o jeito que eu gostava de escrever, era parecido. Mais recentemente, a grande escritora, também baiana, Rita Santana, me apontou que a minha escrita, em alguns momentos, dialoga com a dela, o que me lisonjeia muito, pois são grandes mulheres, grandes autoras.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
São muitos, mas vou citar um que li recentemente, de uma das maiores escritoras desse país, minha amiga, Maria Valéria Rezende. O livro é “Outros Cantos” e é espetacular como toda a sua obra.