Lia Petrelli é artista transdisciplinar, produtora cultural, amante da psicanálise e poesia.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A única coisa que compõe minha rotina matinal é passar o café e observar o silêncio. Nunca fui de acordar cedo, desde pequena escuto minha mãe dizer que até para nascer escolhi o meio-dia.
Mas a vida adulta vem chegando e a falta do sol me entristece, então aprendi a acordar cedinho – seis, sete, às vezes antes até, para poder escutar o que a cidade ruidosa encobre. Sempre levo meu caderno para qualquer lugar que eu vá, de manhã ele acorda comigo, na cama mesmo, porque gosto de anotar meus sonhos – sonho muito e lembro quase tudo (já aconteceu deu escrever antes mesmo de abrir os olhos, para não perder a imagem).
Nessas de ter o caderno pertinho, às vezes anoto o que observo da rua parada, misturada com a sensação que desperta junto.
Quase sempre leio alguma coisa, um livro que esteja lendo e seja pesado de digerir. Talvez pelo hábito de tomar café antes de comer, eu prefira comer pensamento, antes da comida. Confesso que o livro que sempre pula p’ra minha mão é o Livro do Desassossego, do Fernando Pessoa, que trato como minha bíblia pessoal, a bíblia que escolhi.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Por trabalhar com arte, desde que me lembro, a hora meio que desimporta, não sinto o tempo como uma coisa linear, depende muito da afetação do dia.
Tenho sim horários estabelecidos para coisas que demandam um pouco mais de “seriedade profissional”, por exemplo, toda segunda feira tenho reunião de pautas do Suplemento Cultural Independente Frentes Versos, que toco com uns colegas; aqui eu atuo como editora chefe da parte de arte e cultura, tenho uma coluna, Alexitimia, e um programa de entrevistas em podcast, Antena.
Fora coisas mais pontuais, eu gosto mais de prestar atenção no fluxo que me atravessa o corpo antes de me propor a trabalhar algo. Uma amiga da performance me contou uma vez um segredo: para trabalhar com arte precisamos pensar que somos equilibradores de pratos, e que a pilha só aumenta, o objetivo é não deixar nenhum prato quebrar – levo isso comigo desde então.
Sobre rituais a única coisa que penso, agora, é que gosto de escrever enquanto caminho pela rua – é meu exercício preferido – sinto que o movimento do corpo ativa uma coisa a mais no fluxo do pensamento: é sobre isso que escrevo, na maioria das vezes.
Nessas andanças escritas descobri uma coisa que gosto de chamar de escrita experiência. Antes da pandemia o que mais fazia era entrar no metrô e sair escrevendo o que via, pegar um ônibus e descrever a paisagem, perceber qual era o movimento externo que mexia no desenho da letra, escrever dentro do teatro, assistindo a alguma peça, alguma orquestra, shows de amigos. Sempre que me encontrarem na rua, em algum momento eu vou pegar meu caderno, é um impulso maior do que eu.
Agora, dentro de casa, continuo escrevendo de pé, andando de um lado para o outro. Acho que aqui entra outro ritual: só escrevo a mão, primeiro, nos ajustes finais a coisa pode migrar para o aparelho digital.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim, escrevo todos os dias, uns mais, outros menos.
Tenho mania de caderno. Tenho cadernos completos que ficam se acumulando no meu quarto. Comecei com cinco anos a escrever meus sonhos, em cadernos pequenos. Com oito anos passei para uma coisa mais livre, letras de músicas que eu gostava de escutar, desenhos durante as aulas, coisas bobas.
Conforme fui pegando gosto, acho que em 2012, decidi que precisava, pelo menos escrever uma folha inteira de um caderno médio – e aí aprendi também que gosto do caderno sem pauta, sem linha, que possa me apresentar desenhos escondidos nas páginas em branco.
Agora essa coisa de limite de uma folha inteira já caiu por terra, tem dias que escrevo até 10 páginas, ou mais, tem dias que só vem uma frase e pronto. Tenho um grupo comigo mesma no whatsapp que vou mandando coisas que penso quando estou longe do meu caderno, isso ajuda também a coletar alguns materiais.
Na escrita cultural, gosto de pesquisar muito antes de escrever uma matéria, então antes da escrita em si, vem muita leitura – acho que tenho medo de publicar alguma besteira (o que é o mínimo a se fazer ao transmitir uma opinião, né?)
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Olha só, acho que vim falando do processo nas perguntas anteriores, mas isso tem a ver com o processo do que gosto de escrever: não ver antes o que vai vir, não tentar vislumbrar a próxima coisa, mergulhar no acontecimento, de verdade.
O único livro que tenho publicado Só Eu Penso Assim? nasceu assim, na escrita em fluxo de consciência, sem saber muito bem por que eu estava fazendo tudo aquilo, mas perceber que a coisa precisava ser minimamente organizada para compor uma coisa maior. A parte que menos gosto é corrigir erros de gramática. Acredito muito nos erros que nos ultrapassam, gosto de muito de ver o que errei e deixar ali, como está.
No trabalho “jornalístico” é diferente. O editor chefe corrige para mim, me propõe algumas mudanças aqui e acolá, que na maioria das vezes acato, mas tem coisas que podem parecer erros, mas são propositais.
Minha primeira formação é em Artes Visuais, e a pesquisa em escrita que tenho é sobre a desconstrução dos signos, símbolos e objetos. Eu enxergo a escrita como uma marca que meu corpo quer deixar numa superfície.
Cada suporte pede uma coisa diferente, mas é justamente por isso que me apego aos errinhos que cometo.
Meu objeto de pesquisa em arte é a Escrita Assêmica, que é, basicamente, a procura pela menor unidade de significado da coisa.
Acaba sendo mais do que um trabalho visual, é um trabalho de esculpir o pensamento. Depois que me formei em artes, fiz pós em Psicanálise Clínica, e aí desdobrei essa pesquisa para algo mais aprofundado no inconsciente.
Para dar um exemplo, costumo escrever de olhos fechados, não olhando para o caderno. Prefiro não estabelecer com a escrita uma posição de superioridade (sentar-se e escrever de cima para baixo, olhando a coisa se construir – isso me causa ansiedade, a página vazia sendo engolida pelas letras).
Para responder diretamente, sinto que me movo dentro da pesquisa e isso constrói a escrita. Se escrevo um poema, ele pode vir pronto (os que mais gosto vêm assim), ou então podem ser sete, oito, nove poemas, que vão se recompor, mais tarde, em um só. Daí nesse processo de reconstruir eu coloco todos os poemas na minha frente e com o olhar vou pegando uma frase de cada um, montando uma outra coisa. Depois vem a lapidação, ver se rima, ver se faz sentido, se condiz com o que surgiu desse processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como comentei na pergunta anterior, minha escrita sempre passa por um processo de desconstrução, porque não vejo a escrita unicamente como letras legíveis que comunicam coisas diretamente.
Para mim a escrita pode ser a escrita no papel, no computador, no celular, a escrita de um vídeo pela linha de sequência do editor, a escrita de um áudio que são ondas sonoras, a escrita do meu próprio corpo se movendo de um lado para outro, a escrita de um pássaro voando no céu, a escrita das gotas da chuva no paralelepípedo, e por aí vai…
Quando me encontro com a trava, eu risco, rabisco, eu sinto uma urgência de procurar essa trava, o porquê de ela acontecer, como ela acontece, qual energia de mim está blocada e precisa ser explorada para destravar.
Normalmente eu parto para essa procura escrevendo com outras partes do corpo: boca, pés, axila, dobras do joelho… Para enxergar quais imagens emergem desse lugar inconsciente e me travam na tradução para uma escrita comunicativa direta.
Durante a faculdade um professor ensinou que a procrastinação tem que ser levada a sério. É de onde emerge a criatividade. Ativar uma escuta ativa e flutuante do ócio, deixar a mente escorrer para um lugar vazio, encontrar-se frente a frente com o nada, nos permitirmos a sentir esse nada.
Deitar-se no chão, olhar para o teto e não pensar.
Nossa sociedade tem uma mania chata de desempenho: se você não está produzindo algo que vá resultar num produto “final”, você está desperdiçando tempo. Não é bem assim. Tudo o que nos atravessa compõe esse produto, se é que precise ser transformado num produto.
Materiais teóricos, de devaneio, dão muito pano para a manga.
Tento sempre me lembrar disso quando entro num buraco de pensar que estou sendo improdutiva. Até quando estamos parados estamos renovando o ar que entra e o ar que saí do nosso corpo: essa parte ativa está trabalhando, assim como o pensamento suspenso.
Quando me sinto ansiosa, eu procuro de onde a coisa está vindo, eu me proponho a pensar sobre essa ansiedade, trabalhar esse mergulho na compreensão das coisas.
Não estou dizendo que funciona para todo mundo, muito pelo contrário. Acredito que é só através da auto-exploração que cada ser pode compreender qual o lugar mais confortável para deixar emergir esse tempo de suspensão e, a partir daí, criar, lapidar, construir, compor.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras vezes. Reviso sozinha até meu cérebro não entender mais o que está escrito. Gravo minha voz enquanto leio para escutar e fazer essa revisão, leio de vários jeitos, com várias intenções. Leio de trás para frente, de frente para trás, da esquerda para a direita, de todos os ângulos possíveis.
Não consigo encarar nada do que faço como algo pronto, fechado, lacrado. Talvez a característica do que produzo esteja justamente no contexto processual de composição. Se pegarem meus cadernos para ler, vão perceber que a mesma coisa que escrevi hoje, escrevi também em 2014, as mesmas palavras, o mesmo cerne de pensamento, por mais inconsciente que seja esse ato. É uma composição cíclica. Tem vezes que a gente pode até pensar que resolvemos alguma questão, mas se ela aparece de novo, no futuro, a gente precisa voltar para o primeiro momento em que ela emergiu para entender que ainda não foi resolvido, que precisamos cavar mais fundo, mergulhar mais, sentir o fundo da areia do mar, as pedras no fundo da cachoeira, ver outras perspectivas do que foi articulado no passado que teve seu tempo de pausa, e retorna, se presentifica com mais contorno. Costumo reler as coisas que escrevi há muito tempo, ao menos uma vez por ano.
Estou sempre na eminência de me descobrir e redescobrir, tanto no sentido de reolhar as camadas à distância, de me observar, perceber minha própria estranheza ao me olhar enquanto outra, quanto de recompô-las de pertinho, mexer e remexer textos antigos.
O que escrevo dentro dos meus cadernos mostro para poucas pessoas, só quem confio muito, porque são coisas doloridas, feias, assimétricas, confusas.
O meu livro Só Eu Penso Assim? escrevi em duas partes: primeiro no caderno e depois no computador, diretamente.
Eu quis preservar as duas maneiras porque quando escrevi no caderno, as coisas vieram através de pausas, de desconfortos internos, e para mim estavam prontas mesmo, não tinha o que corrigir. Quando escrevi no computador me sentei e escrevi de uma só vez. Não parei para tomar água, não parei para respirar, não parei para pensar sobre o que estava surgindo.
Daí mandei para uma amiga porque eu já não sabia mais perceber se aquilo fazia sentido ou se estava muito abstrato. Ela gostou, se sentiu conectada com muitas coisas que estavam ali, principalmente na primeira parte (que alternei, coloquei a parte do computador nos primeiros capítulos, e depois o que escrevi no caderno, com as datas específicas), só aí é que resolvi procurar como poderia publicar o livro de forma independente.
É diferente no processo da escrita sobre arte e cultura que faço no Suplemento, lá a escrita é mais pontual, mais direta: eu preciso me fazer clara quando vou comunicar coisas que são fatos, que acontecem na vida política cultural brasileira, e aí também tem um longo processo de edição e correção da editoria, por ser um material mais semelhante ao jornalístico, existem certas regras que a escrita precisa seguir quando vai ser direcionada para esse lugar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é de estudo e experimentação.
Entendo a tecnologia como a abertura de uma tradução – se formos pensar na tecnologia a partir dos seus primórdios: as primeiras escritas do mundo, que eram feitas em cerâmica, com técnicas de ranhuras, a escrita do pergaminho.
A tecnologia é uma coisa constante, que se descobre e atualiza a todo instante.
Estou fazendo essa distinção entre o que entendo sobre tecnologia porque vejo a tecnologia atuando não só dentro do computador, mas entendo que essa questão é sobre esse lugar de diferença entre digitar e escrever.
Roland Barthes escreveu por aí que o ato da escrita só pode acontecer no ponto de contato entre o objeto que arranha e a camada de superfície que vai receber aquilo. Quem digita não escreve, digita.
Só dá para escrever à mão, e é isso que faço, primordialmente.
Nas publicações de cunho jornalístico eu digito o que quero passar.
Eu tenho uma forte tendencia a enxergar tudo enquanto linguagem.
Não sou a pessoa que vai dizer: “ah, isso é melhor do que aquilo”.
Sinto que cada instrumento pede uma adaptação – isso em relação a tudo.
Dentro das minhas pesquisas, vejo a tecnologia como um aparato, um suporte. Por isso acredito que a escrita que surge dentro do word, não é a mesma do InDesing, por exemplo. No word existe uma limitação de configuração, espaçamento, possibilidade. No InDesing, no Photoshop, eu tenho mais liberdade para mesclar a imagem com a escrita: eu posso virar a escrita de cabeça para baixo, trabalhar as texturas das letras, do fundo, criar profundidade, perspectiva… Enfim, posso trabalhar a imagem da escrita além da própria escrita em si. Posso escrever dentro de uma fotografia, posso fazer a escrita se mexer, caminhar na velocidade que eu quero, se alternar no ritmo que procuro…
São outros lugares de afetação que a tecnologia proporciona.
Assim como no caderno, numa folha, numa tela, numa parede ou num poste na rua… Aí posso pensar em tamanho, proporção, e outras coisas, a partir de suportes “vivos” – uso essa palavra por perceber essa nuance concreta que o tecnológico encara de outra maneira, é vivo também, claro, mas é vivo numa instância robotizada, numa possibilidade diferente.
Isso tudo me leva pensar também ao alcance que as coisas têm.
Se eu escrevo num muro, as pessoas que verão são diferentes das pessoas que vão ver o que vou postar no Instagram, no YouTube, etc.
Sinto que a tecnologia implica essa tradução midiática, também. Já é super diferente lermos um livro no computador, e um livro na mão, certo?
O meu livro foi escrito para participar do ambiente online. Por mais que algumas partes tenham nascido de textos tecnológicos, eu tive que aprender a lidar com a plataforma de edição do kindle, que não tem abertura suficiente para passar o que consegui fazer no PDF – que criei no InDesing e pude brincar mais com as letras-imagens.
Eu morro de vontade de traduzi-lo para o impresso. A experiência da leitura será completamente outra quando isso acontecer: pretendo introduzir as folhas do meu caderno, onde o leitor possa entrar em contato com a minha escrita à mão, mergulhar no meu universo de erros gramaticais, espaçamentos, riscos e traços, que para mim são tão escritas quanto a palavrinha digitada e linear que estamos habituados.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da minha vida (risos).
Talvez minha criatividade nasça precisamente do meu jeito de ser: sou uma pessoa inquieta, não sei ficar parada por muito tempo num único lugar. Gosto de estar presente e flutuando, ao mesmo tempo.
Desde pequena fui influenciada pelos meus pais a frequentar lugares que promovem a arte: minha mãe é apaixonada pela cultura tanto quanto eu – possivelmente minha paixão nasceu por influência dela mesma. Os passeios que fazíamos quando era criança podiam ser tanto assistir aos Barbatuques ou da Adriana Calcanhoto no Sesc Pompéia, quando só entrar no metrô e atravessar toda a linha azul e vermelha (na época, aqui em São Paulo, só existiam essas duas linhas).
Tanto minha mãe quanto meu pai sempre gostaram muito de música: íamos de rock clássico e progressivo à mpb e bossa nova num piscar de olhos. Meu avô é artista, fazia gravuras publicitárias para jornais, e foi ele quem me ensinou a pintar, desenhar, experimentar coisas novas.
Sempre fui muito influenciada dentro de casa a pensar criativamente, isso me construiu para ser a pessoa que sou hoje. Não sei definir se são hábitos que cultivo, diria que talvez isso se relacione mais com o modo como vivo, de fato.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou a forma como encaro o que escrevo.
Quando mais nova escrevia muito sobre dores, amores, coisas românticas – com certeza por influência das coisas que lia.
O primeiro livro que li na vida, quando tinha seis anos, foi Pollyanna, de Eleanor H. Porter, com a tradução de Monteiro Lobato, que transformava o som da paisagem em letras (piuíííííí – do trem passando).
O modo como a personagem encara o mundo, apesar da desgraça que é sua vida, ficou muito marcado em mim (jogo o jogo do contente até hoje – risos).
Esse era um livro que eu não largava nunca: li e reli inúmeras vezes, nem sei quantas. E mais do que isso, lia em voz alta, porque eu não sabia falar o nome das personagens, que são todos em inglês, então cada vez que eu lia o livro eu imaginava uma pessoa diferente, porque o som do nome era diferente.
Os primeiros escritos que fiz foram baseados em sonhos que eu tinha: tenho um livro completinho escrito à mão, num caderno pautado com capa mole, de papel.
A história era sobre uma ilha que estava correndo perigo, os turistas estavam chegando e matando as criaturas mágicas que viviam ali, e o prefeito não fazia nada para ajudar. No fim do livro a gente descobre que o prefeito era um monstro disfarçado de bonzinho, mas essa nem era a questão central.
O clímax da história era que duas amigas sereias gostavam do mesmo rapaz, que era um centauro. Era bobo, mas eu escrevia todos os dias, porque todos os dias eu sonhava com a continuação dessa história.
Como eu guardo tudo o que escrevo, eu tenho o privilégio de voltar para essa escrita e perceber as potencias que eu menina não sabia enxergar, como essa coisa do prefeito ser malvado – completamente influenciada pela tia de Pollyanna, mas sem perceber.
Depois ainda eu continuei escrevendo histórias fantásticas, de piratas – que eu amo, sempre quis navegar ao redor do mundo – mas eram sempre coisinhas que giravam em torno do amor, dos amores impossíveis, que não podiam acontecer.
De certa forma isso era o guia para minhas escritas, o romance.
Hoje, vendo sobre outra perspectiva, percebo muita semelhança no que me deixa inquieta para esse processo: eu escrevo sobre a distinção entre razão e emoção, e isso sempre aconteceu.
Acho que não diria nada para meu eu passado, porque se dissesse não poderia ter seguido o caminho que segui até agora. Meu eu do passado foi quem deixou um recado para meu eu presente, que leio todo ano para não esquecer: é uma lista que escrevi aos oito anos sobre o que eu quero ser quando crescer, a lista é composta por coisas tão ambíguas que cada vez que volto para isso, aprendo uma coisa nova.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muitíssimo de escrever um livro filosófico poético, meio Bachelard, que envolva tanto minha pesquisa artística quanto minha poesia, prosa, enredo. As coisas estão sendo amarradas, mas elas ainda demoram um pouco.
Não sei qual livro gostaria de ler que não existe, todo momento eu estou lendo coisas novas, de romances infanto-juvenis à livros técnicos e científicos. Escolho o livro diretamente pelo título, acho difícil afirmar se ainda não existe ou eu que não conheço.