Leonardo Almeida Filho, escritor e compositor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu não sou muito organizado e, pelo menos a princípio, nada disciplinado. Quando estou num projeto de romance, me dedico a ele, mas sem qualquer rotina do tipo escrever tantas páginas por dia. Isso não funciona comigo. É possível que eu escreva trinta páginas num dia e passe semanas sem um parágrafo sequer. Eu gosto de ficar livre pra escrever um conto hoje, um poema a tarde, voltar ao romance a noite, enfim, não me planejo. Mas quando mergulho num texto, sou capaz de ficar horas escrevendo. Sou oito ou oitenta.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Quando fecho a ideia do projeto, me dedico a ele a partir das preliminares. Pesquisas, leituras, anotações. Nesse momento, minha cabeça funciona em tempo integral, mesmo quando não estou trabalhando diretamente no texto. As ideias vêm e eu, para não perdê-las, anoto no celular, em guardanapo, enfim, no que estiver a mão. Depois dessa fase inicial de pesquisa e leituras, começo o trabalho de escrever e, para ser bem sincero, o pior é mesmo dar por encerrado. A tentação de mudar o texto é enorme e, se eu não envio pra editora, com certeza vou ficar fazendo alterações até o fim dos tempos.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não tenho rotinas, sou inimigo delas. Não preciso de silêncio, nem de local específico. Escrevo em qualquer lugar, com qualquer companhia.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Eu paro de pensar no texto. Abdico totalmente. Parto para outra atividade, vou pintar, tocar violão, ler. Não sou de ficar sofrendo em cima de um computador esperando que o texto venha.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Eu trabalhei muito na escritura do “Grande Mar Oceano”. E era de se esperar, pois sendo um romance que atravessa mais de dois séculos de história, tive que empreender horas e horas de pesquisa e leituras. Mas, muito além da questão histórica, eu gosto da forma como ele foi escrito, uma estrutura narrativa em vai-e-vens. Eu me orgulho de tudo que faço, não tenho um texto preferido.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Não sei como escolho os temas. Eles pintam como pequenas epifanias. Um estalo. Um gatilho que dispara sem que eu planeje. |Às vezes assistindo a uma reportagem, ou lendo um livro, uma notícia qualquer. As ideias aparecem misteriosamente. Eu estou experimentando agora, pela primeira vez, planejar um romance a partir de uma escolha muito racional: quero escrever uma saga familiar que se passa numa cidade da Paraíba. E não, atualmente não penso num leitor ideal. Quando escrevi o “Nessa boca que te beija” , confesso que pensei nesse leitor especial, aquele que seria capaz de desarmar todas as pequenas armadilhas que saí colocando no texto. O livro foi feito assim, planejado para ser a reunião de diversos clichês, citações, referências, enfim, um texto recheado de intertextualidade e, nesse sentido, e só por isso, eu pensava nesse leitor capaz de captar esse jogo que me deu tanto trabalho construir.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu adoro mostrar o que escrevo aos meus amigos. Fico empolgado quando concluo um texto (poema ou conto ou novela ou drama) e acabo enviando a essas minhas vítimas. Tenho um pequeno grupo, especialíssimo, a quem importuno com meus textos, músicas, telas. Gosto de ouvir sua opinião e testar a recepção aos meus trabalhos.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Não lembro o momento em que decidi ser escritor, pois escrevo desde criança. Lembro de ganhar um concurso de redação aos dez anos. A escrita para mim não tem nada de excepcional e não estou querendo ser pedante não, o que quero dizer é que escrever, pelo menos para mim, é tão natural quando respirar, comer, ir ao banheiro. Não vejo nada de especial nisso. Gostaria que me tivessem orientado a estudar todas as línguas do mundo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Sinceramente não sei qual o meu estilo, nem sei se tenho realmente algum estilo próprio, deixo isso para os leitores e críticos. O que sei é que sou um gracilianista fanático. Ainda vou criar a Igreja Graciliana do Sétimo Dia para Escritores. Tento mirar sua narrativa como modelo, ele é o meu mestre.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Um texto que sempre que gosto de indicar é “O mal-estar na civilização”, de Freud. Eu o recomendo para todos os que se interessarem em literatura, psicanálise e cultura de uma maneira geral. É um texto fundamental.