Leo Cunha é escritor, tradutor e professor do curso de Jornalismo do UniBH.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minhas atividades dependem muito do dia da semana. Como sou professor universitário, saio cedinho para a faculdade de segunda a quarta-feira. Nestes dias, só consigo pensar em escrever na parte da tarde, ou à noite.
Já na quinta e sexta, não dou aula, então posso encarar, ainda de manhã, algum texto que está em andamento, seja um poema, uma crônica, uma narrativa infantil ou juvenil.
Mas como também viajo muito, para ministrar oficinas de criação literária, visitar escolas ou participar de eventos literários, a rotina também é afetada por esses compromissos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho um horário em que me sinto mais criativo, ou mais inspirado, ou mais capaz. Na verdade, eu reescrevo muito mais do que escrevo, então estou ciente de que, a qualquer momento em que me sentar diante do computador, o desafio será o mesmo: ler, reler, lutar com os ritmos, as pausas, os sentidos.
Ritual preparatório? Respirar fundo, focar, relaxar, meditar, tomar um café, fumar um cigarro… não faço nada disso. A única coisa que eu faço é fechar a porta.
Geralmente eu começo relendo a última versão do texto (no caso de um poema, crônica ou conto), ou o capítulo mais recente (no caso de um texto mais extenso).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho nenhuma meta, até porque, como falei na primeira resposta, meu tempo diário dedicado à escrita depende muito dos meus horários na faculdade e das minhas viagens. De todo modo, tento escrever ou reescrever um pouco todos os dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Se estou escrevendo em casa, fico rodeado pelos meus livros. Tenho mais de dois mil livros e eles ficam me espionando, das estantes, doidinhos pra dar palpites.
Quando estou escrevendo poesia, por exemplo, trago sempre pra mesa o Dicionário de Rimas (aquele que o Drummond chamou de “a salvação da lavoura poética”, mesmo se o poema em questão não for rimado. E mais alguns livros, do próprio Drummond, do Pessoa, do Bandeira, do Quintana, do José Paulo Paes.
Se estou escrevendo crônicas, também costumo trazer pra perto alguma obra do Rubem Braga, do Ruy Castro, do Mario ou Antonio Prata, do Veríssimo etc.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Costumo escrever dois livros ao mesmo tempo, de gêneros ou formatos bem distintos. Por exemplo: um livro de poesia para crianças e uma novela de ficção científica; ou uma crônica e uma letra de música. Se um trava, pulo pro outro.
Não me preocupo muito com a procrastinação, até porque reescrevo tantas vezes que não sei nem dizer se estou aprimorando ou enrolando. Tenho poucos livros mais longos (novelas, principalmente) e costumo deixar esses textos parados durante 2 ou 3 meses, para reler e retomar depois. Como tenho péssima memória, costumo reler esses textos quase como se fossem de outros autores, ou de alunos meus, e não tenho pudor em meter a mão, mexer, fuçar, cortar, aumentar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Já comecei a responder acima. Reviso e edito muitas vezes, de forma quase obsessiva. Gosto de mostrar pra outras pessoas sim. Tenho alguns amigos (especialmente no campo da literatura infantil) com quem costumo compartilhar meus textos, antes de manda-los para editoras, e eles fazem o mesmo comigo. Entre esses autores: Ricardo Benevides, Tino Freitas, Marta Lagarta, Henrique Rodrigues, Luiz Antonio Aguiar. Não por acaso, todos eles acabaram se tornando meus parceiros em alguns livros. Gosto do exercício de criar um texto, ou um livro, em conjunto.
Isso costuma acontecer também com ilustradores. Cada vez mais tenho projetos cuja criação é feita em dupla com o ilustrador, antes mesmo de mostrarmos a ideia para uma editora. Já fiz isso com Rui de Oliveira, Alexandre Rampazo, Flávio Fargas, Salmo Dansa, Alex Lutkus e outros.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Até pouco tempo costumava rabiscar as primeiras ideias em papeizinhos, que eu ia entuchando na carteira ou na mochila e depois digitava. Ultimamente tenho digitado essas ideias, cada vez mais, no celular. Se não dá pra anotar eu gravo uma frase, um pensamento, um verso, e depois passo pro computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de todo lugar. De um papo com os filhos, de uma conversa no elevador, de uma cena na rua, de uma propaganda na Tv, de um filme, e, claro, de tudo o que eu leio. Não cultivo nenhum hábito, pelo menos não de forma consciente, para me manter criativo. Talvez o único cuidado seja anotar ou gravar as ideias, assim que elas aparecem, pois não posso confiar em minha memória.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus primeiros textos literários foram escritos por volta de 1989 e 1990, quando eu ainda estava na faculdade. Acredito que meu estilo, ao longo desse tempo, ficou mais fluente e comunicativo, menos rebuscado. Até mesmo um livro recente bem denso, como “Um dia, um rio” (2016), tem o texto muito mais direto do que livros iniciais como “O sabiá e a girafa” (1993) ou “Em boca fechada não entra estrela” (1994).
Não acho que se trata de melhorar ou piorar, simplesmente são diferentes. Talvez o Leo de 1993 ainda precisasse convencer a si mesmo de sua capacidade como escritor. De todo modo, não me arrependo de nenhum livro que escrevi e não mudaria muita coisa em meus livros.
Aliás, mentira: o único que eu mudaria é “ Sonho passado a limpo”. Apesar de ter vencido o super concorrido prêmio Nestlé, em 1994, eu considero o texto muito firulento e maneirista. Não por acaso, eu o reescrevi totalmente e ele acabou virando outra coisa, no livro “Uma aventura no sonho”, que lancei 20 anos depois.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nossa, tenho muitos projetos! Gostaria de viver 200 anos, para dar conta de tudo. Gostaria de adaptar alguns dos meus livros para curtas ou longa-metragens. Por exemplo: “A menina da varanda”, “Dedé e os tubarões”, ou uma novela adulta que estou acabando de escrever. Também gostaria de escrever mais livros de terror (até agora foram apenas alguns contos).
Por fim, gostaria de transformar em livro minha tese de doutorado, que é sobre os heróis cômicos e a construção dos personagens cômicos. Um dia, quem sabe.