Leo Baratto é escritor, professor da UFRJ e divulgador científico.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A primeira coisa que faço ao acordar é tomar um café, meu elixir mágico. Sem café, não começa o dia. Sou viciado mesmo, é o café que me dá energia para atravessar o dia. Depois pratico exercícios e escuto alguns podcasts de notícias, principalmente de política. O hábito dos podcasts é recente, desde 2020. Eu tinha uma certa relutância a esse tipo de mídia, mas me rendi completamente e hoje escuto vários, inclusive de literatura. Quando o tempo permite, ainda pela manhã, leio algo mais curto, como poesias e contos, e em seguida começo a trabalhar, que por ora está sendo de forma remota, em home office.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Em relação à vida profissional, percebo que sou mais produtivo à tarde e à noite. Já em relação à escrita, eu costumo escrever à noite, inclusive os enredos podem me levar madrugada adentro.
Acho que todo escritor tem seu ritual. Eu gosto sempre de escrever no meu cantinho, na minha toca literária (como diz Marcelino Freire), rodeado pelos meus livros, canetas coloridas e lápis, papel de rascunho e post-its, e muitas plantas. É um refúgio. Quando estou fora desta toca, tenho mais dificuldade em desenvolver as histórias. Além disso, costumo escrever escutando música. Cada história me leva a buscar uma música, os personagens me falam qual a playlist favorita deles. Na maioria das vezes, música clássica me inspira; já escrevi contos que nasceram a partir de As Bachianas n. 5 de Villa-Lobos, Sinfonia n. 5 – Adagietto de Mahler e Nocturne Op. 9 n. 2 de Chopin. Até Lana del Rey já inspirou um conto. E a música toca em modo repeat enquanto escrevo, sem parar, até eu finalizar o texto. Espero que os vizinhos não reclamem; até hoje ninguém reclamou.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não sou muito metódico em relação à escrita. Não me cobro uma meta diária. Até por causa do meu tempo, como eu concilio minha vida profissional com a literatura, eu preciso encaixar a escrita nos momentos livres. O que me obriguei a fazer foi reservar um tempo diário para a literatura. Então, tem dias que eu escrevo, outros eu leio, em outros ainda eu converso com amigos escritores. A literatura ganhou espaço na minha rotina e não sairá nunca mais, isso é fato, se tornou algo essencial a mim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu tenho meu caderno de notas (aliás, eu adoro itens de papelaria, então tenho vários caderninhos, onde além de ideias para novos textos, faço desenhos, anoto trechos de poemas e romances, colo folhas secas e papeis de bombom), mas também anoto muita coisa no bloco de notas do celular. No entanto, tem vezes que vou sem ideia nenhuma pra frente do computador e confronto a tela branca, e de repente surge um fio de história e vou desenrolando. Não tenho dificuldade em começar a escrever o texto, mas sim terminar. Eu demoro muito tempo até bater um ponto final e aceitar que o final da história é aquele. O processo de pesquisa e escrita acontece quase que simultaneamente. Quando a história exige um aprofundamento em determinado fato histórico ou alguma informação para a contextualização dos ambientes e personagens, eu paro a escrita e vou investigar tudo o que necessito para continuar depois. Existe sim um trabalho de pesquisa inicial, para caracterizar o tempo e o espaço da história, mas meu processo criativo é muito aberto e tudo pode mudar conforme vou escrevendo o texto. Nem sempre o conto termina da forma como idealizei inicialmente. Acho importante essa movimentação orgânica conforme nasce a história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que os bloqueios criativos são inevitáveis para qualquer escritor. E vejo como são importantes também. As travas te impulsionam à pesquisa, à leitura, para poder continuar o processo de escrita. Eu sou ansioso por natureza, como quase todo ariano, então preciso administrar bem o impulso de querer finalizar os projetos rápidos ou ainda não me sentir desestimulado com os projetos. Mas a gente aprende com o passar do tempo que escrita e pressa não combinam. O processo de escrita segue um tempo próprio: tem o tempo de escrever a primeira versão, depois revisar e reescrever, depois o tempo de descanso na gaveta e muito tempo depois retomar aquele texto e reescrever de novo, e daí sim, quem sabe, mostrar ao mundo. E a gente só percebe isso com a experiência mesmo. Eu fico espantando como a espera de retrabalhar um texto te leva a um grau de refinamento muito maior. Quando volto em primeiras versões de meus contos, parece que não escrevi aquilo. Medo de não corresponder às expectativas acho que todos tem em algum grau. Eu sou muito crítico do meu trabalho. Até eu mostrar meus textos para alguém, leva muito tempo… só mostro os textos quando já passaram por longos processos de revisão e reescrita. Mas é importante perder o medo da crítica alheia. Nós escrevemos para os leitores, não somente para nós, então é necessário dar as caras ao mundo, crescer com as críticas negativas principalmente. O elogio é ótimo, faz bem ao ego, mas ele nos cega e nos bloqueia. As críticas negativas podem te levar a novos lugares que você não imaginava.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso muito os meus textos. Eu sempre fui muito perfeccionista, até demais. Então eu tenho esse cuidado com a linguagem, com a formatação. Pode levar muitos e muitos meses até eu me sentir seguro para mostrar para alguém. O que tem me deixado mais à vontade e confiante para mostrar os meus contos foram as oficinas de escrita criativa. A gente conhece tanto escritores incríveis, que te dão apoio, te encorajam, que a gente vai se divertindo e aprendendo muito com estas trocas. Todo mundo está sempre aprendendo. Hoje costumo compartilhar sim os textos com vários colegas escritores e não escritores também.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu não sou a pessoa mais tecnológica do mundo, não sou daqueles que saem comprando as novidades que surgem, mas busco estar sempre ligado nas atualizações. Eu uso muito mídia social, até mesmo pelo meu canal de divulgação científica, então acabo sabendo de tudo que surge em termos de tecnologia. Também iniciei recentemente um perfil chamado Contexto: L, onde compartilho minhas impressões sobre os livros que leio e trechos de autores, além de um podcast com leitura de trechos. Estou me adaptando ainda a era dos e-books, mas com certa relutância porque amo livro físico. Eu preciso sentir o papel, enxergar o volume do livro na mão, riscar e anotar nas páginas. Eu tenho kindle, mas não migrei totalmente pra ele ainda não. Já quanto à escrita, eu escrevo no computador apenas. À mão somente notas ou trechos de livros que gosto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tudo é inspiração para mim. Desde memórias de infância até uma simples caminhada na rua. Acho que é importante estar sempre atento ao que acontece ao nosso redor. Notícias de jornal também já me inspiraram. Eu tenho uma certa predileção por temas mais realistas, por isso o dia a dia me fascina e absorvo cada detalhe que possa virar uma história. E a leitura dos clássicos e dos contemporâneos é fundamental para te trazer inspiração. Dizem que todas as histórias já foram contadas. Então é importante conhecermos as histórias para podermos recontá-las de outras maneiras, com outras linguagens e estilos. Eu gosto muito de assistir também filmes e séries, principalmente para captar subsídios na construção de personagens. E uma coisa bem inusitada que vou contar: as minhas melhores ideias surgem durante o banho. Curioso, não? rs Mas é verdade. Acho que a metáfora de que a água clarifica tudo é verdade. Já aconteceu muito de eu terminar meu banho com uma ideia ótima e correr pra frente do computador.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Durante muitos anos eu me detive na escrita científica, que é puramente técnica e acadêmica. Quando eu comecei a me permitir avançar o campo da ficção, no começo meus textos tinham esse tom burocrático, muitas vezes explicativos demais, didáticos. Com o tempo, após muitas leituras e oficinas, fui desenvolvendo uma técnica, um refinamento da linguagem, buscando experimentar estilos e até mesmo tentar ousar na linguagem, o que é tarefa muito desafiadora. Se eu pudesse voltar aos primeiros textos, eu diria a mim mesmo que literatura não tem regra, que literatura é um campo de experimentação. Diria para não ter medo de ousar em novas linguagens e estilos, para não temer também críticas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero muito escrever uma novela policial, que se passa num contexto regional, mais rural. A história já está planejada na minha cabeça, mas ainda não foi pro papel. Por enquanto estou me concentrando no meu livro de contos.
Um livro que ainda não existe? Que pergunta difícil! Realmente não sei responder. O que sei é que tenho um milhão de livros ainda para ler, revisitar, me inspirar. São tantos autores, tantas histórias possíveis.