Leandro Rodrigues é poeta e professor, autor de Do Mofo & Suas Simetrias (ed. Patuá, 2021).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Sou bem organizado no meu caos interior. Tenho vários projetos que vou desenvolvendo aos poucos. Alguns vingam, outros não. Há períodos em que escrevo mais continuamente e outros em que me permito não escrever nada, parar, observar, costurar silêncios e leituras – esculpir o tempo. Terminei recentemente o meu 5º livro de poesia que devo lançar, ainda não sei bem quando. E agora estou exatamente nesse período de calmaria, lendo, ouvindo, apreciando esse hiato.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Planejo. Tenho em mente o que quero dizer, por onde quero levar o poema. A poesia é meu grito. Minha única forma de mostrar ao mundo o que sou, quem sou. Nesse ponto a poesia que faço é transparente. Em Aprendizagem Cinza (ed. Patuá, 2016) busquei retratar o caos de uma sociedade decadente com seus métodos de ensino ultrapassados, um sistema voltado para o aprisionamento, confinamento de todos. Têm ali muito de fuligem, combustão, tédio e podridão. Em Faz Sol Mas Eu Grito (ed. Patuá, 2016) a impunidade e a pobreza permeiam os versos. Há ali também, além de toda contestação política de um país que entrava num novo “golpe sujo”, algumas águas ou camadas de certa metalinguagem da poesia que faço. Todas As Quedas São Livres (ed. Penalux, 2020) é meu livro mais experimental. As palavras despencam livres nos poemas. Abordo diversos temas sem tanta preocupação com uma unidade temática. Já nesse mais recente Do Mofo & Suas Simetrias (ed. Patuá, 2020) criei uma espécie de caleidoscópio vertiginoso em que os poemas se completam e desenham uma linguagem definitiva que entendo como minha voz na poesia. O livro foi premiado como melhor livro de poesia no 4º prêmio Guarulhos em 2020, o que possibilitou e autenticou sua publicação. No lançamento tive a honra de ter comigo numa live que pode facilmente ser encontrada no youtube as presenças de Eduardo Lacerda (editor da Patuá) que dispensa apresentação por seu trabalho à frente da Patuá, Rubens Jardim, poeta de longa trajetória, desde a Catequese Poética nos anos 60 e Luís Perdiz, poeta e editor, que também desenvolve um belo trabalho à frente da editora Primata. Ouvir deles que os meus versos soam originais com uma linguagem própria, facilmente identificada como sendo de minha autoria, é um elogio e tanto. E foi sempre minha preocupação principal. Nesse vídeo de lançamento digo ainda que o Mofo presente no título é esse país – um lugar embolorado, com ideias arcaicas, obsoletas. Um ranço de obscurantismo e patriarcalismo branco que já não cabem mais. Parece que estamos sempre com o calendário parado nos golpes da elite-cristã-pelo-bem-da-família-amém. E acho isso sofrível num país com uma cultura tão diversa e rica. Agora, no próximo livro, que já está pronto, trato da questão da terra, tema que já foi muito discutido, escrito, debatido, mas ainda não resolvido. É mais um forte componente dessa desigualdade social que é o que mais nos oprime. O livro cita, dialoga e presta homenagem a Graciliano Ramos, João Cabral, Glauber Rocha, Eduardo Coutinho entre outros.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Há uma rotina sim. Nos últimos 5 anos consegui publicar 4 livros, além de participar de diversas antologias. Um trabalho intenso, voraz, quase insano. Costumo dizer que o silêncio é minha matéria preferida. É de onde tiro quase tudo do pouco que sei. Já fiz poemas falando do silêncio como matéria. Embora um dos meus livros tenha como título a palavra grito, não simpatizo com quem grita, fala alto ou fala o tempo todo. Falo pouco e num tom de voz baixo. A maioria das pessoas desaprendeu a ouvir o silêncio. Gosto da noite, da madrugada, isso desde criança. É meu laboratório.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
É um período que considero essencial para que surja algo depois que valha a pena. Após publicar um livro e tentar divulgá-lo como posso, tento me afastar, ficar quieto no meu canto. Pode demorar meses. Nesse tempo não quero saber de escrever nada, sequer um verso. Mas estou ali trabalhando, observando. Agora que terminei esse 5º livro de poesia que tem a terra (reforma agrária, deus e o diabo na terra do sol, cabra marcado para morrer, uma faca só lâmina, vidas secas…) estou nessa fase. É um período também de leitura intensa. Estou com A Hora Evarista que consegui num sebo. A poesia de Heitor Saldanha é fascinante, dialoga e discute os problemas sociais, assim como a poesia de Lila Ripoll. São dois poetas que tenho lido muito ultimamente.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Não é bem orgulho. É uma certa sensação de ter feito o meu melhor (o que pude fazer). Recebi alguns elogios que considero importantes tanto de leitores como de críticos ou outros poetas como Antonio Carlos Secchin, que afirmou ter apreciado a diversidade temática e estilística de um dos meus livros; de Rubens Jardim, Eduardo Lacerda, Rosana Piccolo, Luís Perdiz, Roberta Tostes Daniel – todos poetas que admiro e estou sempre lendo. São palavras que te incentivam a seguir. Muitos poemas deram trabalho. Alguns ficaram anos se desenrolando. O Homem de Papel, que está no Aprendizagem Cinza (ed. Patuá, 2016), busco fazer uma fotografia da nossa insignificância enquanto seres mínimos, transitórios, “vermes das ruínas”, foi o poema que me veio agora ligado à pergunta:
O HOMEM DE PAPEL Então acaba-se assim um homem Num segundo – e já não existe mais. O que fez; o que não fez – a tarde O que faria; o que desejaria ainda. Ponto final. Vira-se a página. O homem é passado. Passou. Recorte de recortes. O livro fechado esquecido. Mera ilusão. A noite Empoeirada em estantes, As revoltas (reviravoltas), O sofrimento, a chama. Sequer o adeus reservado. Apaga-se.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
A temática de meus livros está ligada sempre à indignação das coisas que vejo. Um país que sempre foi terra de exploração e segue sendo esfacelado por uma elite calhorda que não se cansa de pilhar tudo o que pode. Em meio às leituras, também tenho mergulhado nas letras de algumas canções. Por exemplo, me espanto com algumas letras do Luiz Gonzaga Jr. (Gonzaguinha) de seus primeiros discos. Alguns críticos na época o consideravam um letrista rancoroso. Hoje eu só posso dar risada disso. A acidez de suas letras é fascinante e é justamente o que sempre busquei fazer em minha poesia, guardada às devidas proporções. Canções como Comportamento Geral, Pois É, Seu Zé, Gás Neon, Festa e Solidão são muito atuais. E é em tudo isso que busco inspiração. Quanto ao leitor, não imagino nada. Não sei sequer se esse leitor existe. Faço. Nada sei de comércio, vendas, lucro, nada disso. Pouco me importa o quanto vendeu esse ou aquele livro. No fim de tudo o leitor sou eu mesmo.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Normalmente o editor do livro ou algum outro amigo poeta que aceita a árdua tarefa de fazer um prefácio ou posfácio. Em Faz Sol Mas Eu Grito (ed. Patuá, 2018) tive prefácio do Rubens Jardim e posfácio do Jesse Navarro, então enviei para eles o livro antes de sair. O mesmo aconteceu com o Todas As Quedas São Livres que teve prefácio do poeta Alberto Bresciani. Já o Do Mofo & Suas Simetrias (ed. Patuá, 2021) eu enviei para o Prêmio Guarulhos. Os jurados do prêmio leram e o premiaram como melhor livro de poesia.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Publiquei o meu primeiro livro aos 40 anos. Mas escrevo desde a adolescência. Em 1998 inscrevi um poema num prêmio do Centro Cultural São Paulo. Ouvi sobre o concurso de poesia na rádio Cultura-AM. Não tinha computador, nem máquina de escrever. Escrevia tudo num caderno espiral. Pedi para um colega digitar e imprimir o poema. Fiquei em 2º lugar. Depois na Faculdade de Letras inscrevi alguns poemas num concurso literário da própria faculdade, ano 2000 eu acho, fiquei em 1º lugar e recebi o prêmio, um livro com a obra completa de Fernando Pessoa, das mãos do escritor Jorge Miguel Marinho. Tive aulas maravilhosas de poesia com a professora Silvia Quintanilha Macedo, profunda conhecedora de crítica literária e especialista na obra de Sérgio Milliet, que muito me incentivou a escrever. Enfim, tudo isso foi um começo. O livro ainda demoraria a acontecer.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Muitos autores foram importantes na minha formação: Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Carlos Drummond, João Cabral, Mário Quintana, Cecília Meireles, Conceição Evaristo, Torquato Neto, Augusto de Campos, Ana Cristina, Adão Ventura, Solano Trindade etc. Também letristas da MPB. Lembro que gostava de ler as letras nos encartes dos discos de Caetano, Chico Buarque, Gil, Milton, Gonzaguinha, Belchior, Rita, Raul, Walter Franco, Tom Zé, Jards Macalé, Luiz Melodia, Jorge Mautner, Arrigo, Itamar etc. Assim como o cinema de Rosselini, Glauber, Bergman, Tarkovski, Kurosawa, Kubrick… Quanto à dificuldade de desenvolver um estilo próprio é algo que existe e persegui, foi a minha maior preocupação, por isso a demora para publicar. Sempre quis fugir do comum, do banal. Poemas de amor – lirismo piegas, nem pensar. Não quero enganar o leitor. Minha poesia dialoga com a insatisfação do ser humano numa sociedade desigual e opressora. Há toda uma acidez como componente da poesia que faço, mas sem ser panfletária, sem estabelecer dogmas ou soar apenas rancorosa.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
A Invenção de Orfeu de Jorge de Lima, Claro Enigma de Drummond, Esculpir o Tempo de Tarkovski, Olhos d’Água da Conceição Evaristo, Os Últimos Dias de Paupéria de Torquato Neto, a obra completa de João Cabral entre outros.