Leandro Marçal é escritor e jornalista, autor de De Letra: O futebol é só um detalhe e No caminho do nada.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Venho dedicando minhas manhãs a estudos e organização de textos. Isso varia entre as crônicas a publicar no blog e em outros sites, mas também trabalho em um projeto de romance que há alguns meses. Nem sempre consigo seguir, pelas diversas atividades que preciso conciliar, mas é o cenário ideal. Procuro não ficar muito tempo sem escrever, ainda que não seja possível, para mim, escrever diariamente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tenho a impressão de que o período da manhã e o fim de noite são os períodos em que rendo melhor quando escrevo. Não sei se tem algo a ver com o maior silêncio, ou se é um ritual sem explicação concreta. Antes de começar a escrever, faço muitas anotações e rascunhos de como pretendo colocar no papel determinada ideia. Tenho um monte de blocos com anotações de ideias surgidas para crônicas, bem como arquivos salvos para futuros contos, romances e outros gêneros literários.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita diária. Depende muito da minha programação em uma semana, pois quando há muitos trabalhos e pendências a resolver, preciso ter maior organização para dedicar a uma escrita de fato produtiva. Minha maior preocupação é a de escrever apenas em momentos que será possível uma dedicação para sair algo bom. Quando há dúvidas se terei de interromper meu processo de escrita para resolver problemas de casa ou do trabalho, nem sento diante do computador.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Se escrevo crônicas, recorro a um monte de papeis com anotações de coisas observadas por mim no dia a dia. Elas nascem dali, seja do bloco de notas do celular ou mesmo de cadernos nos quais vou anotando tudo o que me desperta um embrião de crônicas futuras. No caso de um romance ou um conto, vou desenvolvendo minhas ideias aos poucos, tenho uma pasta para cada um dos meus projetos, com anotações em blocos de nota, esquemas em planilhas de Excel – como trabalhei bastante com rotinas administrativas, uso delas para organizar capítulos, desenvolver personagens, traçar possíveis cenários – e no Word tenho vários arquivos dedicados a cada um dos personagens, também para cada um dos capítulos. Nas crônicas, em seu nascimento, eu sento na minha cadeira e a média é que eu a desenvolva em cerca de meia hora. Tudo isso depois de muitas anotações que vou trabalhando mentalmente em diversos momentos do dia. Quando corro, por exemplo, é como se eu escrevesse a crônica inteirinha, mentalmente. No caso de romance ou conto, sou levado a maiores retrabalhos, reescritas, idas e voltas, até pelo tamanho de cada um. Exigem mais pesquisas, evidentemente. É um processo que gera até maior apego entre nós, demanda mais tempo, que deve ser muito mais respeitado nesses casos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido com muita naturalidade. Sei que os projetos mais longos vão me exigir mais. Costumo dizer que projetos mais longos são como correr uma maratona a cada vez que paro para escrever. Trabalho em um projeto mais longo desde o começo do ano e acredito que ele vai demandar, pelo menos, mais um ano, só nessa primeira escrita. Passei a lidar melhor com as travas da escrita ao perceber que cada texto, em cada formato, exige muito respeito por parte de quem o redige. Preciso respeitar o tempo que aquele texto precisa, sem querer atropelá-lo ou finalizá-lo antes do tempo devido.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O suficiente para não passar nenhum fio solto. Nas crônicas, podem ser três ou quatro vezes. Nos projetos mais longos, reviso a cada nova escrita, periodicamente paro tudo e reviso o trabalho como um todo, ao fim dele faço a mesma coisa. Reviso quantas vezes forem necessárias. Podem (e devem) ser muitas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
As ideias costumo anotar à mão. Estou muito acostumado a escrever na tela do computador, que me oferece uma visão mais ampla de como está toda a estrutura, enquanto à mão não tenho um olhar mais panorâmico do texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Para as crônicas, de observações do cotidiano, do mínimo e do escondido, de detalhes que passam batido ou parecem não ter relevância. Para os contos, de situações que me causam incômodo extremo, por diversos aspectos. Para um romance, é algo semelhante ao conto, mas já pensando no quanto aquilo pode render uma única história de longa duração.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu processo de escrita mudou completamente, se transformou, tomou forma, depois que fiz parte da primeira turma do Curso de Escrita Criativa do NIP (Núcleo de Incentivo à Palavra) de Santos. O contato com novos escritores, professores muito qualificados e aspectos antes ignorados por mim me fizeram entender, de fato, o que é a literatura, o que ela quer de mim, o que eu quero dela.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Pretendo, em algum momento da minha vida, escrever um romance e nele incluir histórias da minha família que são literárias. Chego a pensar, por vezes, que as famílias de meus pais são uma criação de Gabriel García Márquez. Isso vai surgir com o tempo, com naturalidade, já tenho umas anotações a respeito.
Tem tanta coisa boa para se ler já escrita, sendo escrita, que não sou capaz de dizer qual livro não existe.