Lauro Mesquita é escritor e jornalista, autor de “História de Vocês” (7Letras).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo muito cedo, entre cinco e seis da manhã. No geral preparo o café da manhã meu, dos meus filhos e da minha esposa. Verifico algumas coisas do trabalho e tiro um tempo para estudar. Tudo varia de acordo com o horário que o meu filho mais novo acorda. No geral, ele levanta depois das sete. A partir daí, tenho que cuidar dele, brincar um pouco e me preparar para ir para o trabalho. Sou empregado de uma emissora de TV pública e por conta das demandas de lá, tenho de ir diariamente ao trabalho mesmo em tempos de pandemia. Fico no trabalho até umas 19h e volto para casa. Ajudo a botar os meninos para dormir e depois disso, só depois disso, consigo voltar a fazer alguma coisa, mas rendo muito menos pela noite. Essa soma de atividades faz da minha rotina de escrita muito caótica. Posso dizer que ela sobrevive nas brechas das tarefas profissionais e domésticas. Às vezes, eu mesmo penso que demanda muita vontade e um bom bocado de frustrações. Em alguns momentos estou tomado por um ritmo, ideia ou imagem, estou construindo algo que me interessa muito, em um estágio de concentração total em alguma construção e vem algo do trabalho ou uma demanda infantil — sempre expressa com muita ênfase (hahaha) — e a interrupção me joga para outro caminho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre senti que rendia melhor pela manhã, mas ultimamente a realidade tem me negado. No geral, quando alguma escrita minha engata — na maioria das vezes, os projetos iniciados pela manhã não rendem muito –, ela fica na minha cabeça ao longo de todo dia. Como a casa fica mais quieta pela noite é nessa hora que tenho consolidado esses fragmentos que pego ou imagino pelo dia. A maior parte das coisas que escrevi recentemente foram consolidadas pela noite. Faço sempre questão de relê-las pela manhã, porque a chance de me deslumbrar com uma bobagem é sempre muito grande.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como disse anteriormente, escrevo todo dia, mas de maneira muito fragmentada e necessariamente interrompida. às vezes trabalho em três coisas simultaneamente e nenhuma rende. Outras vezes mergulho num projeto e vou embora e ele dura dias. Por isso, não é possível para mim estabelecer uma meta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
No geral, meus trabalhos partem de uma ideia que li, escutei na rua, vi em um filme ou coisa do gênero. Muitas vezes esse ponto de partida da escrita até é abandonado no processo de criação, mas preciso de algo que me mobilize a escrever. Mas sempre parto desses fragmentos que anoto em cadernos, mando para mim mesmo no celular, gravo em áudio. Depois junto tudo num arquivo de word e começo a trabalhar em uma montagem possível. Ao ser empurrado para a montagem disso tudo, sinto que sou tomado pelo ritmo que o tema me sugere. Quando funciona, fico tentando levar esse ritmo ao limite e ao mesmo tempo estico a corda das possibilidades de sentido.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre me forço a escrever mais, tento traduzir, copio poemas de autores que admiro e, sobretudo, leio teatro. Quando não dá, gloriosamente, desisto e parto para outra. Trabalho há 20 anos com escrita, como jornalista, editor, então levo a prática da escrita pragmaticamente. Se ficar ruim, paciência. É importante seguir escrevendo. Mas tem uma coisa que é muito real no meu caso, quando estou travado raramente sai alguma coisa que eu goste. No geral escrevo coisas muito desinteressantes, do ponto de vista do despertar para novas escritas. Mas acho que o ideal é continuar a escrever. Quem cede demais ao bloqueio acaba fazendo ele durar mais tempo. É melhor escrever porcaria e, eventualmente, até mostrar para quem você dialoga, do que não fazer nada.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto de revisar os textos muitas vezes por que gosto de ser levado pelo ritmo da escrita, entrar numa espécie de transe mesmo. Só que esta minha tomada rítmica sempre vem com problemas. Depois reescrevo em muitas versões até chegar em uma que gosto, para isso leio como ficou uma, releio a outra, tiro um trecho que eu gostei mais e tento ver qual funciona mais para o que estou buscando, que também é algo que descubro enquanto faço o poema/texto. Neste período sempre importuno meu irmão e alguns poucos amigos com as versões e eles também me sugerem coisas, dialogam comigo. Acho importante. É uma maneira de descobrir caminhos, entender o que você está fazendo, mesmo quando discorda de todas sugestões. Aprendi muito disso quando fiz a oficina do Carlito Azevedo, como o diálogo é a melhor maneira de se descobrir uma voz para a escrita e mesmo de aprender muito sobre arte, de maneira geral.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como disse antes, o início da escrita é bem fragmentada. Depende do mote que me levou a escrever, posso anotar num caderno, gravar minha voz no Telegram, escrever uma coisa ou outra e mandar para mim, enviar um link de um vídeo ou uma foto para o e-mail, ou então só fico com uma frase ou algum trecho na minha cabeça, repetindo aquilo, imaginando quantos sentidos podem se extrapolar daquele período ou tema. Então acho que tenho uma escrita que lida bem com tecnologia e, de alguma maneira, também dialoga com essa nossa relação com as plataformas, com a maneira com que nos comunicamos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm do que eu leio, escuto e vejo por aí. Acho que o hábito que cultivo para me manter criativo é sempre me perguntar: como posso usar isso que me chamou tanto atenção em uma obra de arte? Não é uma indagação que faço tão explicitamente. No geral, escuto uma frase ou colocação e já tento esboçar alguma cosia, por mais rudimentar que seja. Para isso, é fundamental forçar uma brecha na rotina do dia, abrir um clarão em algum momento e fixar uma ideia para ser trabalhada mais tarde ou em outro momento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que fui me tornando mais consciente, gostando mais das sujeiras, das repetições, de uma musicalidade menos convencional. Vim do jornalismo, uma escrita muito enfaixada, uma estrutura pronta, dura, descritiva. Acho que tenho tentado ter a mão mais leve, mais aberta às interrupções e ao que parece diagonal nos acontecimentos. A mim mesmo eu diria para acreditar e levar um pouquinho mais a sério a ideia de escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de ler umas biografias boas do João Cabral, do Drummond, do Guimarães Rosa. Os livros do Alexander Kluge em português, os poemas e textos críticos do Brecht que não foram traduzidos. Tem muita coisa que eu gostaria de ler que acho que ainda não existe. Tenho um monte de projetos de livro, hoje acordei pensando em um sobre um meio fio perto da casa onde eu cresci que já abrigou tantos acontecimentos.