Laura Redfern Navarro é poeta e criadora de conteúdo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tendo a ser uma pessoa agitada, então sinto que ter rotina é uma forma de trabalhar o pensamento, a linguagem e o corpo (dentro, é claro, dos próprios limites) a fim de possibilitar uma fluidez mais sadia. Faço uso do Trello e de outras ferramentas a fim de organizar o que tenho para fazer ao longo da semana, sempre tomando cuidado para não me sobrecarregar ou ficar com muito tempo ocioso.
Sou uma pessoa matinal, me levanto quase religiosamente às 7h. Mantenho um caderno ao lado da cama em que anoto meus sonhos, o que descobri ser uma forma criativa de começar o dia. Depois, faço algumas tarefas da casa e assisto à aula. Aos finais de semana, sem a rotina da faculdade, me dedico a fazer caminhadas nesse horário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo me sentir mais à vontade para a escrita quando faço atividade física, o que não tem um horário certo, mas quase sempre acontece de dia. Sinto que, acessando o corpo, o acesso à linguagem fica mais fluido. Durante a atividade física, quase sempre escuto algum podcast ligado à literatura, o que também me ajuda a fazer o exercício de me conectar de maneira dialógica, me desprendendo um pouco de mim mesma, algo que acho essencial no fazer criativo.
Por falar em dialogismo, ressalto que a pesquisa é uma parte estruturante do processo criativo, sendo necessária a sua constância dentro dos limites de cada um. Além de cultivar o hábito de ler e de escutar podcasts, também estou sempre de olho em oficinas, aulas abertas, entrevistas e, até mesmo, as redes de outros escritores e editoras independentes. Isso muitas vezes ajuda a lapidar o que me inquieta no momento. Alguns escritores próximos a mim costumam ressaltar o quão “antenada” sou.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acredito que minhas escolhas sempre se movimentem em torno da escrita, o que nunca me faz me desprender dela. Sou jornalista, poeta e criadora de conteúdo digital, então há sempre uma necessidade de escrever – seja uma resenha, uma série de poemas ou um release oficial. E acho que saber disso me traga algum respiro nos dias, a certeza de que em algum momento sento para escrever. Não considero que a escrita seja concentrada, mas que há períodos em que produzo mais determinados tipos de textos do que outros, dependendo do meu tempo e do meu ritmo interno.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de trabalhar a partir de alguns eixos, sempre partindo do corpóreo e do dialogismo. Me movimento muito a partir das concepções do feminino, do estranhamento e do sonho, que foram delineados a partir de muito estudo e pesquisa. Para escrever, é preciso estar bem alimentado e organizado, ou seja, se comprometer de fato com a elaboração sem sabotá-la.
Por isso, tendo a separar o momento da pesquisa e o momento da produção, além de me permitir criar dentro da noção de que se trata de um processo que precisa ser ativo, ou seja, que depende da nossa ação e da nossa compreensão das próprias limitações, mas que precisa estar aberto ao mundo. Priorizo sempre o diálogo quando escrevo.
Também empresto alguns recursos próprios do fazer jornalístico na escrita literária, embora consiga separar as duas modalidades. Estou sempre atenta ao que me rodeia e me preocupo com a concisão do texto. Além disso, quando não estou produzindo literatura, me dedico à escrita de resenhas, que acredito interseccionar as duas áreas, me dando mais segurança.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em Mulheres que Correm com os Lobos, uma das primeiras provocações que a analista junguiana Clarissa Pinkola Estés traz é a de que a tomada da consciência vem da compreensão dos processos de vida-morte próprios das nossas interações e do corpo. Gosto dessa definição porque ela consegue explicar muito bem a maneira como entendo o processo criativo – a criação é um processo, e num processo há sempre a falha, a trava, o desinteresse. O que pode ser “trava” muitas vezes é uma maneira do nosso corpo nos dizer que precisa de novos moldes, que precisa de renovação. Já não me assusta mais o medo de frear ou a possibilidade de empreender algo novo e diferente se eu sinto que é parte do caminho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo revisar várias vezes, e gosto de ter um diálogo crítico antes de ter minhas publicações a público. Acredito que meu trabalho com o Instagram tenha possibilitado esse contato mais próximo com as pessoas que gostaria que me estivessem lendo, ou com pessoas que me interessa a produção. A rede social tem um lado bonito de possibilitar documentar os processos de Criação – os próprios e os alheios.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não dispenso o bloco de notas do celular ou o computador. Aliás, não consigo escrever textos muito longos, como ensaios ou resenhas, em cadernos – prefiro colocar direto no Google Drive. Mas ainda prefiro o exercício da poesia à mão. Tenho o hábito de colecionar pequenas cadernetas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Cultivo algumas referências: David Lynch, Adelaide Ivánova, Adília Lopes, Anne Carson… Dos hábitos, os já citados acima – organização, atividade física e consistência.
O compromisso com a escrita é tanto estético quanto político, ou seja: é necessário termos consciência das nossas escolhas literárias. Nesse sentido, procuro me orientar pela produção contemporânea escrita por mulheres, tentando furar a bolha do que se tem como hegemônico a fim de estabelecer a minha posição – individual e coletiva – enquanto uma mulher que escreve no Brasil de hoje. Ressalto que essa foi a grande inquietação que me motivou à criação (e ao estabelecimento) da minha plataforma digital.
Em relação à literatura, existem temas que me movem, partindo do pressuposto do Corpo como o centro. Trabalho, assim, com o limite entre o subjetivo e o político, e experimento a partir de alguns arcabouços próprios do corpo intuitivo – o sonho, os oráculos e a mitologia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que a minha maturidade (que ainda precisa ser aprimorada) venha da consciência do corpo enquanto agente transformador e do entendimento de uma posição dialógica. Dos meus primeiros textos, talvez tentasse esculpir melhor essa consciência antes de explorar o papel. Eu era adolescente. Hoje, considero que só comecei a escrever de fato aos 20 anos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Talvez montar algo em cima da tomada de consciência e da estruturação da subjetividade partindo da condição da mulher, esse tema que venho abraçando cada vez mais.