Kinaya é escritora de ficção especulativa negra, formada em letras inglês pela Universidade Estadual do Ceará.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo cedo, mas confesso que não gosto. Rego minhas plantas e treino muay thai. Depois eu sigo para o computador onde acontece, nesse momento de pandemia, minha rotina de trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sobre meu trabalho com a escrita não costumo considerar o horário, mas sim uma vibe. Eu costumo ter algumas preferências na hora da escrita, gosto de escrever ficção ouvindo músicas que sejam do mesmo “clima” da cena, a imagem aparece mais nítida quando incorporo ao meu redor elementos que remetem ao assunto ou sentimento que preciso trabalhar naquele momento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não consigo escrever todos os dias, me sinto pressionada, mas determino períodos de escrita e dependo da obra eu faço metas, como por exemplo escrever 1.000 palavras por dia. Essa tem sido a meta que estou conseguindo seguir e que tem me deixado satisfeita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minhas ideias de escritos costumam vir da observação do cotidiano, tenho uma foto escrevendo em um caderninho sentada à mesa de bar e eu nem bebo(mais). Apesar de focar bem mais na escrita afrofuturista não deixo a realidade de fora, afinal tá tudo interligado, tudo é inspiração. Mas também sou poeta, e uma poeta que bebe muito do afeto que tenham a me oferecer.
Após a ideia inicial eu vou buscar referências que me guiem numa escrita consistente sobre o assunto que quero desenvolver, e sim é bem difícil para mim pensar o início de uma história, para mim o final é mais fácil de pensar, e eu acho isso um pouco louco, mas o legal é que 90% do que escrevo já pensando no final ganha um novo fim e às vezes totalmente diferentes do que eu havia pensado, acho que isso é ser criativa, se desprender e entender também que há coisas melhores ao longo do caminho.
Eu gosto de ler bastante o assunto e se vir no momento de pesquisa alguma cena eu paro logo e escrevo, e depois vou organizando as cenas em uma cronologia que faça sentido e tenha continuidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu sofro de ansiedade e em 2020 isso ficou quase impossível de lidar, foi quando comecei a fazer terapia, isso me trouxe reorganização e mesmo tendo períodos instáveis, foi o ano em que a escrita me ajudou bastante em relação à solidão. Foi o ano que mais escrevi e finalizei devidamente histórias. Mas confesso que quando tenho prazos estabelecidos por terceiros eu sinto muita dificuldade e vez ou outra tenho crise de ansiedade, é bem chato pois amo escrever, mas a expectativa do “será que consigo entregar?”, “Será que não estou fugindo da proposta?”, são pensamentos que me consomem.
A procrastinação em relação à escrita muitas vezes era apenas cansaço, a escrita não é meu trabalho principal e o tempo que sobrava para ela nesses últimos anos era bem pouco.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tem texto que estou relendo há 5 anos! Acredito que se eu revisar muitas vezes acabo demorando mais para trazê-lo aos leitores. Todo escrito que desejo levar ao mundo eu apresento para meu marido, ele é meu leitor beta oficial. Quando estou escrevendo algo que será ilustrado, envio para a pessoa que fará esse trabalho e os feedbacks são ótimos e inspiradores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu passei muito tempo escrevendo em caderninhos. Após comprar meu próprio computador as coisas mudaram, porém sempre ando com um caderninho na bolsa, principalmente quando estou visitando alguma cidade. O celular também tem sido ótimo para escrever rascunhos e ideias de surgem durante o dia, mas não costumo sair de casa com celular, então o caderninho permanece.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu nunca paro de estudar e de buscar coisas novas, é assim que trabalho minha criatividade. A leitura de outras obras também é fundamental para que eu continue escrevendo. Minhas ideias surgem a partir de descobertas durante pesquisas, a observação do cotidiano, notícias e claro da oralidade- das histórias dos mais velhos-, que é muito presente aqui no Ceará.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu sinto vontade de chorar, pois eu escrevo desde os meus 6 anos, e eu tive minhas primeiras inspirações na rima, mas o que permaneceu foi a influência de filmes de fantasia que mal tinham personagens negros e foi isso que me fez escrever, pois eu reescrevia cenas como se eu estivesse no filme também. Após descobrir o afrofuturismo eu encontrei um lar onde eu podia criar sem medo pois as pessoas pretas sãos as protagonistas das histórias, são elas que estão contando suas vidas e pensar no tempo que passei imersa em referências que excluíam meu povo me faz querer voltar no tempo e apresentar tantas coisas para a eu mais nova.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero muito escrever um romance, uma história longa mesmo, uma fantasia afrofuturista. É bem difícil pensar em um livro que eu queira ler e ainda não exista, a não ser um livro que eu queira escrever, mas quero muito ler produções negras nordestinas na ficção especulativa.