Karen de Alencar é escritora e professora, formada em História pela Universidade Federal do Ceará.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente eu gosto de viver manhãs de tranquilidade. Acordo, ouço minhas músicas preferidas, faço um lanche e me preparo para ir trabalhar (sou professora de história). Às vezes, aos sábados, gosto de tomar um banho de sol, isso me faz muito bem! Recarrega minhas energias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Durante a noite, principalmente de madrugada, que é o momento em que encontro mais silêncio e fico sozinha. Geralmente, eu leio trechos de livros que me inspiram, outras vezes, eu escolho a temática e pesquiso sobre ela, para depois começar a escrever. Ao longo do processo, gosto de criar metáforas e tentar inseri-las no texto. Ah, amo escrever na meia luz! Gosto do escuro, me sinto mais íntima de mim. Estou publicando um livro de poemas agora, chamado De sonho, sangue e poesia, junto com a artista e ilustradora Bruna Zaninotto – que, diga-se de passagem, deu uma vida maravilhosa aos meus textos com suas ilustrações – e a maioria dos poemas que estão presentes nele, fluíram em um ambiente banhado pela madrugada e pelo silêncio. Vez ou outra também procuro imagens no Google e no Pinterest que possam me inspirar. Fico observando detalhes, inventando narrativas, analisando as sensações que me causam, pesquiso sobre a história daquela fotografia ou pintura, e escrevo. Acho que esses são os meus rituais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Eu não escrevo todo dia. Dizem que faz bem e ajuda a desenvolver a escrita, mas sou de fases… Há semanas em que eu escrevo muito, fico cheia de ideias e produzo bastante. E há semanas em que não sai nada e eu tento me distrair, não me pressionar. Também tento exercitar, escrever coisas aleatórias, sentimentos, vontades, planos… Às vezes, tento cumprir metas. Participo de um coletivo de mulheres escritoras, chamado Escreviventes, e a gente tenta seguir algumas propostas quinzenais. É algo bem livre, sabe? Isso é bom.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É um processo interessante, porque, como exercício e para iniciar um texto, quase sempre eu não tenho nada pronto, só uma ideia central, então eu costumo apenas começar e deixar fluir. Escrevo o que vem na cabeça, até chegar o momento em que brotam os versos que eu realmente quero escrever. Depois, eu leio e releio tudo, várias vezes, e vou editando. Tento me desprender de tudo, qualquer regra, menos da ética e do respeito.
Ao longo das pesquisas, vou anotando o que me interessa, como um rascunho. Por exemplo, outro dia me veio à cabeça o tema “abelhas selvagens”, fui pesquisar e acabei descobrindo sobre a importância delas para a manutenção da vida na terra, para a produção de alimentos, etc., seres tão pequenos e tão fundamentais! Saiu um poema curioso, quase uma crônica.
Mas claro, já aconteceu de eu estar tomando banho, vir uma frase solta na minha cabeça e pensei: “pode ser o começo do meu próximo poema!”, então, eu saí toda ensaboada (risos), peguei o celular e anotei, para depois passar para o caderno e desenvolver a ideia. Não gosto de deixar nada escapar, principalmente quando vem de surpresa assim.
De sonho, sangue e poesia é um livro de surpresas. Quando pensava em escrever um livro, achava que seria um compilado de textos que eu já teria escrito. Mas não foi bem assim que aconteceu. Na verdade, muitos textos apenas me brotaram na mente ao longo do processo, e eu decidi colocá-los lá. Acabei tirando alguns textos antigos também, para dar lugar aos novos. Então tem muita coisa inédita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu respeito meu processo, costumo não exigir muito de mim no que diz respeito ao ritmo de produção. Na maioria das vezes, eu recorro a vários tipos de produções artísticas, como literatura, música e cinema, para tentar estimular minha criatividade e voltar a escrever. Também gosto de observar o cotidiano e refletir sobre o que está ao meu redor, o que faz com que eu tenha vontade de escrever novamente. Nem sempre isso funciona, há momentos em que eu procuro apenas ter paciência comigo e esperar a hora de voltar. Escrever é trabalho, criar é trabalho, e eu tento fazer desse trabalho o mais leve possível.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Alguns textos eu reviso bastante, exaustivamente, e isso me faz enjoar deles e deixá-los para depois. Geralmente funciona, pego eles novamente uma semana ou um mês depois e concluo, não porque acho que ficaram ótimos, na verdade, eu acho que é raro um/a escritor/a terminar um texto porque ficou satisfeito/a. Eu concluo, porque acredito que a gente precisa liberar o texto pro mundo, pras pessoas lerem. E porque uma hora o cansaço bate.
Há outros textos, mais curtos, que nascem cumprindo sua proposta, simplesmente. Acabo por não mexer muito, não enfeito… deixo-os nus. Então, o/a leitor/a pode vesti-los com as roupas que desejar. Costumo dizer que o que a gente escreve não é só nosso, é do outro, da outra… e ele/ela faz o que der. Literatura é bicho livre, leitor/a também. Também não costumo compartilhar muito com outras/os escritoras/es, antes de publicá-los. Só de vez em quando. Porém, tenho total consciência que o ideal é que a gente compartilhe com outras autoras e autores, é algo bem enriquecedor receber elogios e críticas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Caderno, agenda, blocos… Acho que ainda não comentei, mas sou historiadora, e essa classe gosta de papel, viu?! Não curto PDF, não costumo escrever no drive, mas acabo usando pra salvar muitos textos. Tenho meus cadernos, gosto de folha. Ando sempre com um caderno na bolsa e, numa urgência, quando não estou com ele, uso o celular para escrever. Ainda sim, depois passo para o papel.
Com relação às redes sociais, eu uso o instagram para divulgar meu trabalho. Publico meus textos no @sonhosangueepoesia há mais ou menos um ano. Acho importante dividir com as pessoas a minha arte e isso implica em dar e receber. Acho maravilhoso quando alguém lê um texto meu e vem me contar o que sentiu. Também adoro ler os escritos de outras pessoas e ser arrebatada pelas palavras, pelas metáforas, pelo novo, pelo óbvio! Tento apenas não ceder à dinâmica das redes e não me importar com algoritmos. Sigo o meu tempo, porque pra gente conseguir fazer alguma coisa bem, não pode estar mal. A saúde mental vem em primeiro lugar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Estar em contato com as artes, ler outros/as poetas, ler as mulheres que me inspiram, perceber as pequenas coisas do cotidiano, o banal, o simples, o imoral. Olhar para as singularidades e para o coletivo, para as margens. Olhar para dentro de mim. É o que eu gosto de fazer. Não gosto de escrever sobre o óbvio – se bem que às vezes é necessário. Também não gosto de escrever difícil, acho que nem sei fazer isso. Quero ser acessível. Vez ou outra sai um texto com vocabulário, digamos, diferente, ou metáforas mais elaboradas. Mas é raro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevo há mais ou menos um ano e meio, somente. Comecei em maio de 2020. Ainda tenho muito a amadurecer. Preciso ler mais, escrever mais. Sinto que minha escrita mudou ao longo desse tempo, e que, por hora, achei meu estilo. Adoro poesia de verso livre e metáforas! Mas, estou tentando não me fechar, conhecer outros estilos e, quem sabe, arriscar, futuramente. Eu acho que também fui perdendo o medo. No início, eu era bem contida. Tinha vergonha, receio. Estou rompendo com isso. Se eu pudesse falar com a Karen dos primeiros textos, eu diria: “não se cobre tanto e seja sem vergonha!” (risos) Ainda bem que, hoje em dia, eu me permito mais. me desafio. Só não sei como serão as próximas fases. Espero que seja uma crescente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Bom, agora estou focada no lançamento do livro. Eu e Bruna trabalhamos bastante nas últimas semanas, para realizar esse sonho. E tá tudo muito lindo! Então, eu tenho me mantido focada em concluir esse projeto com ela. Tenho uma ideia já para o próximo livro, e planejo me envolver em saraus, quem sabe um dia começar a participar das bienais. Seria incrível! Tenho me fascinado por criar! Também sonho em aprender a pintar, aprender a tocar outros instrumentos musicais (até agora, só brinco um pouquinho com violão e adoro cantar, mesmo sendo tímida). E sobre um livro que gostaria de ler e que ainda não existe…Bom, os livros daquelas e daqueles que escrevem e ainda não sabem! Quem sabe ainda não tiveram coragem, acham que não podem ou ainda não tiveram a oportunidade de desenvolver a escrita, de publicar… Escrevam, por favor! Não deixem isso pra lá, não deixem morrer! Permitam-se.