Juraci Mourão Lopes Filho é doutor em direito pela Universidade de Fortaleza e professor do Centro Universitário Christus.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente acordo cedo e procuro não marcar reuniões logo no início do expediente para que tenha justamente esse período, normalmente entre 7h30 e 9h, para fazer leituras, rever textos que estou escrevendo e mesmo organizar o dia. Entretanto, muitas vezes não dá para evitar reuniões ou outros a afazeres logo no início do trabalho. Manter uma rotina fixa é difícil, mas não chega a ser impossível. Mais recentemente, com algumas mudanças de hábitos, tenho procurado acordar ainda mais cedo e fazer leitura e revisões antes de sair de casa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Certamente, o período mais produtivo é logo no início da manhã, mas quando necessário também produzo bem no período da noite, justamente quando tudo está mais calmo e há menor probabilidade de ser interrompido. Não tenho nenhum ritual. Apenas quando estou cansado procuro escrever ouvindo música.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Isso varia em função da obra. Percebi, logo na escrita de meu primeiro livro (“Competências federativas na Constituição e nos precedentes do STF”), que não é o ideal ficar picotando o processo de escrita e intercalando com várias outras atividades. Não acho proveitoso, para um livro, escrever um pouco a cada dia. Por mais que se avance, o texto não fica bom, não tem o encadeamento perfeito de ideias, podendo, inclusive, ser perdida a linha macro de raciocínio. Assim, já na parte final desse primeiro livro, procurei concentrar a escrita nos finais de semana, quando passava longas horas escrevendo. Durante a semana, logo no início das manhãs, apenas revia e ajustava o que escrevia no final de semana.
Na escrita de minha tese de doutorado, que rendeu o segundo livro (“Os precedentes Judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo”), iniciei tentando trabalhar nela um pouco todo dia e sempre, inclusive nos finais de semana. Avançava na quantidade de páginas, mas sentia que as ideias não estavam bem postas. Isso me levou a uma decisão radical de me afastar, o máximo possível, dos demais compromissos profissionais para me concentrar na escrita. Foram, então, dois meses imersos praticamente apenas escrevendo. Aquilo que escrevi no período anterior foi quase todo excluído ou refeito. Na terceira semana de imersão, já conseguia avançar muito mais rapidamente com clareza e uma linha de raciocínio mais bem definida. Quase tudo foi escrito nesse período. Foi impressionante a mudança tanto no encadeamento de ideias quanto na escrita. Depois disso, foram mais dois meses lapidando o material para deixar as ideias mais amarradas.
Por fim, no meu último livro (“IPTU e ITR”), usei a mesma técnica utilizada no final do primeiro: períodos concentrados no final de semana e revisão com pequenos avanços no início das manhãs. Fiz o mesmo para a segunda edição de “Os precedentes…”. E destaco: fazer uma segunda edição é ainda mais trabalhoso, justamente por se mexer em algo que custou tanto para ficar bem encadeado. Como inserir as novas informações? Como encaixá-las na narrativa já posta? É complicado! Isso inclusive me gerou certo travamento para iniciar a segunda edição do “Competências…”, que agora retomei.
Já na escrita de artigos, em que o arco de ideias não é tão amplo quanto em um livro, é possível, sim, escrever um pouco a cada dia sem perder a linha de raciocínio ou o encadeamento de ideias. A tarefa maior é justamente ser conciso, no que você já deve ter pensado no processo de estudo e reflexão sobre o tema.
Estabelecer metas formais, como o número de páginas, não é bom. O ideal é se programar em torno de ideias a serem desenvolvidas, segundo a organização de tópicos e parágrafos. Isso permite que determinado ponto seja escrito de uma vez só.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O começo realmente é o momento mais intimidante. Para definir o momento de interromper a leitura, procuro utilizar como parâmetro três níveis de análise, que não necessariamente refletirão tópicos ou capítulos em seguida. Procuro fazer leitura sobre o nível infraestrutural do tema, ou seja, quais aspectos epistemológicos, filosóficos ou de algum outro conhecimento propedêutico o influencia. Depois, vejo se já tenho algo a dizer no nível da teoria do direito sobre o tema e, por fim, como o direito positivo o trata. Quando julgo que já tenho ideias formadas nesses três níveis, passo à escrita, iniciando por um sumário geral.
Uma vez estruturado o sumário, começo a escrever, mesmo sabendo que provavelmente irei revê-lo, pois muitas ideias e percepções só surgem quando se começa a colocar no papel. Por isso, o ideal é começar a escrever o quanto antes a partir de quando se estruturou o sumário, depois da montagem da concepção seminal em três níveis.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Simplesmente não penso nisso, mesmo porque, como professor de pós-graduação stricto sensu, tenho uma demanda muito grande por produção, mas, por outro lado, a própria dinâmica das pesquisas realizadas com os mestrandos, as aulas, os encontros, palestras e seminários fazem surgir insights que rompem essa inércia e afastam esses temores.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No processo de escrita, a revisão é constante. Quando termino, procuro me afastar do texto por um bom tempo, justamente para que a distância faça perceber algo para o qual a imersão me deixou cego. Depois, procuro enviar para amigos que acredito que possam se interessar, mas não tomo isso como uma condição. Em nosso programa de mestrado, temos o planejamento de realização de round tables em que professores apresentam seus textos a serem submetidos a publicação, recebendo comentários de colegas e mestrandos. Contudo, isso ainda é algo muito inicial.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho qualquer dificuldade com tecnologia e desde os primeiros rascunhos uso computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Muitas das ideias vêm das aulas e seminários do mestrado. E não poderia ser diferente, a função de um programa desse nível é justamente fomentar e difundir ideais, compartilhar pesquisas e trocar informações.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O amadurecimento intelectual fez mudar não só o processo de escrita, mas a própria percepção do direito como um todo. Antes achava que as soluções das questões jurídicas eram mais facilmente apontadas, o que tornava a escrita mais assertiva e imediata. Não tenho mais essa ilusão.
Sobre a escrita da tese, diria a mim mesmo para iniciar a imersão de que falei linhas atrás o quanto antes.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Imagino que os pesquisadores do direito, de um modo geral, têm que encontrar no curto prazo uma maneira mais eficiente de lidar com as novas tecnologias, especialmente redes sociais, podcast e vídeos na internet, para difundir seus pensamentos, pesquisas e obras ou simplesmente para tratar de temas atuais. Já há um mercado de cursinhos, com excelentes produtos, mas acho que não se trata apenas de vídeo-aulas. Atualmente, o melhor exemplo do que estou falando é o podcast “Salvo Melhor Juízo”. É sensacional. Portanto, gostaria de fazer algo nesse sentido, até tenho algumas propostas, mas ainda não iniciei.
Por fim, gostaria de ler um bom livro em português de introdução geral à Teoria Analítica do Direito. Conheço bons livros sobre temas específicos, mas gostaria muito de ler um que desse uma visão ampla sobre os debates anglo-saxônicos de um modo geral, sua história, atualidade e perspectivas. O André Coelho, do CESUPA, está escrevendo esse livro.