Júlio Emílio Braz é escritor, licenciado em História.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou do tipo madrugador e geralmente acordo às cinco horas. Após o café da manhã e a leitura dos jornais (leio O Globo e a Folha de São Paulo e nos fins de semana, acrescento O Estado de São Paulo), inicio ou reinicio o que estou escrevendo. Paro germanicamente às 12 horas, almoço e lá pelas treze horas, retorno até as cinco da tarde, quando encerro. Excepcionalmente (estou concluindo um texto ou pelo menos um capítulo) continuo até acabar. Sou um autor diurno, ou seja, não gosto de fazer nada à noite e só o faço profissionalmente. Claro, quando estou viajando não mantenho essa rotina, mas sempre escrevo na minha agenda – algo a ver com o que estou fazendo em casa ou qualquer nova ideia, uma frase a ser acrescentada no texto ou que será utilizada em um novo texto, algo assim.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou mais produtivo pela manhã e um pouco menos, durante a tarde. Não gosto de fazer nada à noite e se o faço, apenas profissionalmente. Não tenho nenhum ritual específico para me preparar para começar a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou em casa, tenho que escrever diariamente e pelo menos quinze páginas. Escrever é prática e acredito que quanto mais escrevo, melhor fico. Durante as viagens, não tenho como cumprir essa meta, mas me imponho outra, que é ler. Leitura também é aprendizado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes de começar a escrever, eu tenho necessidade de construir o que eu chamo de esqueleto. O esqueleto é a estrutura do livro e é mais ou menos assim: primeiramente, escrevo uma sinopse pormenorizada do livro, conto ou até crônica que escreverei. A próxima etapa é elencar os personagens, dando-lhes nomes, descrevendo-os física e psicologicamente, bem como identificar e também descrever locais e ambientes como casas, castelos, casarões, ruas, avenidas, cidades, ou seja, tudo que faça parte da história. Por fim e de maneira totalmente empírica, calculo quantos capítulos terá a história e numero, por exemplo, de 1 a 12 e coloco em cada número o que irá acontecer de mais importante em cada um dos capítulos. No caso de histórias que demandem pesquisa (exemplo: fiz um sobre surfe e era em primeira pessoa, ou seja, a história era contada por um protagonista que também era narrador, e eu tinha que falar e até pensar como um surfista), não começo nada sem pesquisar profundamente o texto. Acabei de fechar uma história passada na cidade do Rio de janeiro na década de vinte do século XX e me obriguei a ler vários livros, fazer levantamento iconográfico e até topográfico dos ambientes onde ocorreriam a ação da história. Também estou desenvolvendo uma ideia de história com piratas e já consumi 17 anos lendo e comprando livros que falem sobre o tema. Até me surpreendi a encontrar um livro com histórias de piratas escritas por Conan Doyle, meu escritor favorito (junto com Stevenson e London), em minha peregrinação por sebos. Agora eu me encontro preparado para escrever o livro. Com tudo pronto, eu faço minhas as palavras de Thomas Alva Edison: criação é noventa por cento de transpiração e dez de inspiração, e só saio de cima da máquina depois que concluí o serviço.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho muito esse problema, mas quando topo, por exemplo, com uma falta de inspiração para continuar uma história, tenho uma fórmula que utilizo desde sempre: começo a escrever outra. É por isso que tenho no lado esquerdo de minha mesa o que chamo de cantinho dos projetos em execução. Vou escrevendo até que retome o fio da meada e encontre como continuar a história que estava fazendo. Quando estou escrevendo, foco apenas em escrever e não me preocupo com nada mais. Acredito que era por isso que minha última esposa uma vez me disse que eu era bem egoísta, por não me preocupar com, no caso, o leitor. Mas pensa comigo: se eu me preocupar com que cada leitor irá pensar sobre o que escrevo ou deixo de escrever, melhor procurar outra coisa para fazer, concorda comigo? Quanto ao editor, ele sabe o que vai levar quando me contrata: não atraso, não reclamo, não dou xilique, gosto de receber em dia e detesto mimimis protelatórios, pois trinta e sete anos de carreira me qualificam a identificar a quase totalidade de picaretagens que campeiam pelo meio.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depois de escrever o primeiro texto, que considero massa bruta e está cheio de erros até constrangedores, pois ideia é passarinho e se você pensar demais, ela voa, relaxo. Após terminar este primeiro texto, deixo o coitado descansar feito massa de pastel e só volto dez, quinze dias depois, quando inclusive já estou com outra história na cabeça e faço uma leitura de estranhamento, ou seja, mais distanciada do que escrevi e, portanto, passível de enxergar os erros mais grosseiros. Mais tarde, ainda rola uma terceira leitura para limar os erros mais sutis. Depois disso, vai para a editora e se for aprovado, deixo o copydesk ganhar o dinheiro dele. Não tenho hábito de pedir a opinião dos outros, pois geralmente os outros tem mais o que fazer e demorariam muito para me dar um retorno. Se eu resolvesse fazer disso um hábito, não teria quase duzentos livros publicados e certamente, não conseguiria viver de escrever.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo em cadernos universitários e depois digito todo o texto. Entre um e outro, tiro, acrescento e faço outra revisão. Antes, quando ainda usava máquina de escrever, eu escrevia direto. Não gosto de escrever direto no computador, pois tenho o hábito de escrever olhando para as teclas e isso pode te reservar surpresas desagradáveis quando você olha para a tela e descobre, por exemplo, que tudo congelou ou que está escrevendo no meio do texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minha fonte primária é o contato com o humano. Sou também professor de História e parafraseando um historiador francês, Marc Bloch, que dizia que o historiador era igual a um ogro e vivia de carne humana, também vejo o escritor da mesma maneira. Não sou escritor de gabinete. Adoro andar pelas ruas, de ônibus, trem, metrô e mais raramente, de táxi. Aviões não fazem parte da lista (odeio de verdade!). Sou um feroz apreciador de longas perorações urbanas e tenho uma paixão por ouvir a conversa dos outros, o que me rende muitas ideias e outros tantos diálogos, nomes de personagens e por aí vamos. Outra fonte são as coisas que leio: jornais, as incontáveis revistas que assino, livros que não paro de comprar inclusive em sebos, etc e tal. Meu único hábito para manter-me criativo é ler compulsivamente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou no meu processo de escrita é que já escrevi só em termos de infanto-juvenis quase duzentos livros e isso te obriga a ficar mais esperto para não se repetir, exigente com o vocabulário e meio perfeccionista. Se não te agrada, dificilmente vai agradar ao leitor, é o que penso. E se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, certamente diria: “Volta e faz de novo. Você pode melhorar isso aí”. Sou um eterno insatisfeito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Depois de 17 anos de pesquisa, comecei o primeiro capítulo de meu épico (pelo menos para mim, claro) sobre piratas que se chamará “Abrolhos Pete”.
Qualquer um que fosse escrito por Robert Louis Stevenson ou Conan Doyle.