Julia Dantas é escritora, doutoranda em Escrita Criativa pela PUCRS e autora de Ruína y leveza (Não Editora, 2015).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina matinal. Ao menos, não uma rotina ligada à escrita. Meu dia não começa sem uma xícara de café e, ultimamente, minha cachorra não o deixa começar antes de um passeio no parque perto de casa. Ela que me obriga, mas desconfio que esse período de sol e caminhada faça bem à minha vida tanto quanto à dela. Inúmeras ideias e soluções narrativas já surgiram nesse momento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Via de regra, trabalho melhor depois de terminar com as obrigações do dia. Faço tudo de que não posso escapar (em geral, deveres acadêmicos ligados ao doutorado) e depois sento com calma para escrever. A partir daí, sei que nada mais vai tirar minha concentração: pertenço à escrita até a hora em que o corpo aguentar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Há ciclos de produção: às vezes, passo dias escrevendo um pouco por vez; às vezes passo dias sem produzir nada; às vezes tenho fases incríveis de muita escrita diária. Não me preocupo muito com metas, desde que, a cada um ou dois meses, perceba que o trabalho está andando, no seu ritmo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A pesquisa e a escrita andam juntas para mim. Muitas vezes, uma nota leva a um trecho narrativo que, por sua vez, desperta a necessidade de nova pesquisa. Acho que pesquisar, estudar, conectar ideias são também atos criativos e integram o processo de escrita literária.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu trabalho bem sob pressão, então uma tática é estipular prazos para mostrar o texto a um amigo ou grupo de estudo. Prazos apertados são um bom estímulo para o meu processo. O medo de não corresponder às expectativas, sejam dos outros a as nossas próprias, é um problema eterno, mas que diz respeito à existência em geral, não apenas à escrita. Sem querer soar autoajuda, mas acho que o jeito de lidar com isso é com investigação pessoal, autoconhecimento e autoquestionamento: a quem quero agradar? por que? com que propósito? Enfim, é uma questão mais filosófica que literária.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nossa, incontáveis vezes. Claro, textos curtos são mais fáceis de reler e retrabalhar. Mas mesmo os textos longos procuro revisar mais de uma vez, com períodos de tempo entre cada revisão. Cada leitura precisa ser um novo olhar fresco sobre o texto. Tenho diversos leitores de confiança a quem peço leituras e comentários. Na dúvida, se eles são maioria em determinada opinião, confio mais na avaliação deles do que na minha.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo muito à mão para evitar distrações. Gosto de levar um caderno a um café e me dedicar à escrita sem nenhum dispositivo que possa tocar com notificações. Mas, para o processo de edição e revisão, nada como um computador e os recursos do Word.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sobretudo da observação do mundo. Se existe um hábito que me parece essencial para manter a criatividade é estar atento ao mundo exterior, às outras pessoas e aos acontecimentos ao nosso redor. Claro, isso não exclui a importância de olhar também para dentro, mas o meu material literário vem muito mais da observação atenta do outro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Depois do primeiro livro, mudou bastante coisa. Me senti mais segura em todos os projetos que começo, afinal, se já consegui escrever um livro, por que não conseguiria fazer outro? Na escrita mesmo, hoje conto menos com a “inspiração” e invisto mais no trabalho. Às vezes ainda surge uma ideia “do nada” e parece mágica, mas mesmo quando não tenho nada na cabeça sei que posso sentar e cavoucar atrás de algo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de algum dia escrever um “romanção”, uma história longa, cheia de núcleos de personagens e enredos, um daqueles livros que nos prendem ao longo de meses. Quanto a um livro que não exista, é uma pergunta difícil. Acho que, mais do que isso, o que eu desejo que venha a existir é um acúmulo histórico de livros escritos por mulheres na mesma proporção que o acúmulo da literatura produzido pelos homens. Creio estarmos caminhando nessa direção, e então me parece que haverá algo como uma História narrada por escritoras.