Julia Bac é poeta e produtora cultural, editora do blog papel pele.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo bem cedo pra poder dar conta de fazer tudo o que preciso antes de sair pra trabalhar. Preparo o café, leio, escrevo e levo a minha cachorra pra passear. Eu adoro as manhãs. Essa é a versão romantizada. A versão mais realista é que a minha rotina começa nas redes sociais – é um tanto vergonhoso mas, infelizmente, criei o hábito de entrar no Facebook antes mesmo de abrir os olhos direito – o despertador toca algumas vezes antes de me jogar pra fora da cama e ir fazer o café. Tento ler e escrever nesse período, até que a minha cachorra acorda e começa a chorar pedindo pra sair. Quando volto, estou atrasada e saio correndo pra ir trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo no período da manhã. Quando chego do trabalho, à noite e depois de uma jornada de nove horas em frente a um computador, já estou tão cansada que não consigo fazer nada muito criativo. Eu não tenho nenhum ritual específico. Às vezes, quando estou com mais dificuldade, escrevo o que vai me passando na cabeça, tipo um fluxo de consciência, até começar a escrever de verdade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tento escrever todo dia. Às vezes escrevo bem pouco, umas frases meio soltas, ideias jogadas, nada muito pronto. Se fico muito tempo assim, isso começa a me incomodar. Uso esses dias que não estou conseguindo escrever textos novos pra editar poemas antigos ou passar os poemas a limpo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu escrevo poemas. Então, normalmente, escrevo um poema inteiro e reescrevo muitas e muitas vezes. Mas não faço isso de primeira. Vou escrevendo em um caderno e depois de algum tempo eu releio tudo e começo a reescrever um a um. Quando acho que está pronto passo a limpo em outro caderno onde vou colecionando os poemas “prontos”. É pronto entre aspas porque muitas vezes acabo editando de novo.
Alguns autores me motivam a escrever, então deixo sempre meu caderninho por perto quando estou lendo. Acho que as duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Eu leio alguma coisa que me faz escrever alguma coisa. Não tenho um momento de pesquisa e depois outro momento de escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O projeto mais longo que eu trabalhei foi o texto que entreguei como conclusão do curso de Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz. É um texto híbrido com momentos de prosa e alguns poemas. O texto todo tem setenta páginas. Pra quem me diz que setenta páginas é pouco, eu falo: senta aí e escreve setenta páginas, então. É difícil e é bem sofrido. No último ano eu não aguentava mais, parecia faltar fôlego. Tive muita sorte de ter amigas que me ajudaram lendo o texto. As observações e críticas animam e dão energia pra continuar. Um dia eu estava reclamando que não conseguia escrever e uma amiga disse que eu só precisava tirar um dia, abrir uma garrafa de vinho e deixar a escrita fluir. Segui o que ela me disse e no final do dia eu estava cantando entusiasticamente “You Only Live Once” do Strokes, dançando na cozinha e sem nenhuma frase no papel. Percebi que precisava encontrar a minha maneira e entendi que escrevo melhor quando estou sóbria, sozinha e na parte da manhã com a cabeça fresca.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas. Muitas mesmo. Quando eu posto no meu blog eu não mostro pra ninguém não. Mas, se é pra algo impresso, que estará no papel e não vai mais mudar, eu mostro pra pessoas que são bem próximas. Tenho um pouco de vergonha de mostrar meus poemas pra quem não tenho muita intimidade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre à mão. Até me dou bem com tecnologia, mas sempre escrevi à mão. Eu coleciono diários desde muito nova e gosto de guardar os caderninhos, reler depois de algum tempo, ver a minha caligrafia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm do cotidiano, da redundância dos dias, das ações corriqueiras, do contexto onde eu moro. Acho que pra me manter criativa eu leio outros autores, gosto também de todas as formas artísticas: teatro, dança, cinema, artes visuais, música, essas coisas me alimentam.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Uma mudança recente, que foi muito importante pra mim, foi estabelecer metas de leitura. Eu sempre li, mas de uma forma muito displicente. No ano passado, influenciada por uma amiga, eu comecei a inventariar as minhas leituras e isso foi bem importante pra ter uma visão mais clara dos autores que estou lendo, quais são os escritores com quem eu quero conversar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria muito de fazer uma residência literária. Não ter que pensar em trabalho, nem em pagar contas, ir para um lugar longe de tudo e só pensar em qual é o projeto que eu gostaria de fazer. Tirar um tempo simplesmente para escrever, que sonho!
Poxa, tem tanto livro pra ler que provavelmente qualquer coisa que eu disser já deve existir. Não sei responder.