Jovino Machado é poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia ouvindo os passarinhos que moram no pé de manga, que fica bem próximo da janela do meu quarto. Tomo o café da manhã e leio os jornais do dia. Saio para a caminhada matinal. Na volta começo a pensar nos preparativos para o almoço. Tiro a carne do congelador, deixo cebola, alho e outros temperos em cima da mesa da cozinha. Entro no facebook, respondo os e-mails e tomo mais um café puro. Tomo um banho e me dedico as leituras diárias de romances, contos e principalmente poesia. Organizo a correspondência, tomo outro café e lavo a louça. Estou aprendendo a cozinhar e estou adorando. Se soubesse que era tão prazeroso, tinha me dedicado as artes culinárias a mais tempo. Ponho a carne para cozinhar na panela de pressão e volto para os livros.Pronta a refeição, almoço com meu pai e vejo algum noticiário no canal de esportes, antes de sair para resolver os problemas da vida prática. É o Apolínio que sustenta o dionisíaco.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor na madrugada. Gosto de ouvir jazz quando estou escrevendo e preciso ter meus livros e dicionários por perto. Preciso de ócio, café e solidão. Tenho vários cadernos e canetas de cores variadas. Inicialmente escrevo a mão antes de passar para o computador. Faço diversas anotações, volto aos livros que estou lendo e se sinto fome, levo os escritos para a cozinha. Dependendo do dia troco o café pelo vinho tinto. Com a bebida de Baco vou dialogando com os fantasmas de Balzac, Proust, Clarice, Hilda, Bolaño e todos os culpados de sempre.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Leio todos os dias. Leio no táxi, na fila do banco, no banheiro, na biblioteca, no bar, na cozinha e também andando pela cidade. Não tenho nenhuma meta de escrita diária. Não escrevo todos os dias. Só escrevo quando tenho um projeto de livro, prefácios, orelhas ou textos de encomenda para jornais, blogs e revistas literárias. Quando estou escrevendo um livro, fico totalmente envolvido com o processo da escrita e nem consigo dormir direito. Acordo para tomar notas e resolver problemas com os versos que não estão me agradando.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita é o processo de reescrever. É como escolher feijão. Vou cortando o que acho que está sobrando. Deixo o texto descansar por uns dias e depois volto com um novo olhar. Sempre encontro coisas que eu não tinha visto nas primeiras versões. É muito raro um poema ficar pronto sem ser reescrito. Tenho um poema que teve 14 versões, antes de ser publicado. Na hora do texto ir para a gráfica eu tô ligando pro editor, perguntando se dá tempo de mudar alguma coisa. Já ouvi dizer que tem um livro do Borges, que a última edição é totalmente diferente da primeira. Isso acontece com a minha obra, porque eu sempre acho que tudo pode ficar melhor com o passar do tempo. Nunca é difícil começar, mas é sempre muito difícil terminar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não acredito em inspiração. Inspiração é coisa de gente preguiçosa. Coisa do século 19. Por esse motivo, quando percebo que a escrita não está fluindo, eu abandono o trabalho e vou ao cinema, ao teatro, a shows de músicas e exposições de artes plásticas. Também vou para o bar encontrar os amigos. Diversas vezes encontrei soluções para os poemas durante as caminhadas diárias. O meu trabalho é alimentado pelas outras artes. Certa vez estava terminado um livro e fui assistir um espetáculo do Grupo Galpão. Um personagem da peça falou uma frase incrível e isso foi o suficiente. Saí do teatro com o poema praticamente pronto. Nesse dia eu já sabia que isso ia acontecer. Eu estava aberto para esse acontecimento.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso infinitas vezes. O processo de revisão é sempre muito tenso. É o momento mais importante na composição de um livro. Na maioria das vezes eu só mostro para o editor, mas algumas vezes publico no facebook, para ver a reação de alguns leitores. Rafael Fava Belúzio, Mário Alex Rosa, Ana Elisa Ribeiro e Adriano Menezes, são alguns poetas amigos para quem já mostrei meus textos antes da publicação em livros. Ano passado escrevi um poema para o meu livro “Minhas mágoas se alimentam de cerveja.” Fiquei meio desconfiado, achando que ele poderia ter uma insinuação machista. Mandei para várias amigas com a pergunta: ” Você acha que esse poema é machista?” Somente uma delas acho o poema machista. Uma poeta que eu adoro, disse: ” Não se deixe levar pelas patrulhas.” Fiquei mais tranquilo e publiquei o poema.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre escrevo a mão. Estou sempre comprando um caderno novo, quando estou iniciando o projeto de um novo livro. A tecnologia facilita muito a comunicação com os meus pares e os leitores em geral. Antes da internet era muito mais difícil divulgar a literatura.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como já disse acima, a minha arte se alimenta da própria arte. As leituras ajudam muito e também é muito interessante certos diálogos que eu ouço nas ruas e nos bares. Grande parte de minha obra é autobiográfica. Sou um passional que não guarda a vida na poupança. Vivo cada noite como se fosse a última e cada manhã com se fosse a primeira. Perdi o medo da morte. O meu futuro é a morte. Enfim, escrevo tudo aquilo que vivi e vivo. É claro que tem o filtro do tempo. Gabriel Garcia Marques, disse certa vez: ” A vida não é o que se viveu, mas o que lembramos para contar.” Não são todas as pessoas que realizam os seus sonhos de juventude. Eu realizei o sonho de construir uma obra poética. Em 2015 publiquei um volume de luxo, com 400 páginas, com o título de Sobras completas. Esse volume tem todos os meus livros. É a história de minha vida. É a minha autobiografia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que me tornei mais responsável com o meu trabalho. Ao longo do tempo fiquei mais cuidadoso na hora de criar. Se eu pudesse voltar no tempo, eu jamais teria publicado os meus três primeiros livros, dos anos 1980. Eles não estão no “Sobras completas.” Tem poeta que já nasce pronto ou quase pronto. Eu demorei muito para encontrar minha própria voz. Isso só aconteceu quando publiquei meu quinto livro, aos 32 anos, em 1995. Se eu pudesse dizer alguma coisa para o poetinha marginal maconheiro de 18 anos de idade, acho que eu diria: ” Desista dessa sua poesia de merda.” ” Jogue tudo fora.” Leia os clássicos e depois volte a escrever.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Em 2019 quero escrever o “Réquiem para Nina.” ( poemas em homenagem à minha mãe ) e o ” Diário da orgia.” Gostaria de ler todos os livros que ainda não escrevi.