Jovina Souza é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, quando me levanto, por volta das 5:30, exercito minha mente conversando comigo mesma sobre temas que me interessam ou sobre ideias que estão surgindo na minha cabeça. É um modo de afiar os pensamentos e acordar os neurônios. Ouço música enquanto realizo tarefas relacionadas com minha higiene pessoal e à preparação do meu desjejum. Após tomar o café da manhã, respondo as mensagens dos amigos. O que vem na sequência depende da agenda.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho um horário predileto para construir meus textos. Tudo depende do quanto estou grávida de pensamentos e percepções do real. A hora certa, para mim, é quando estou com a mente serena e desconectada de tudo. Preciso me isolar em mim mesma para buscar o poema ou o texto em prosa. Também é necessário disposição física.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo por temporada. Fico sequestrada pela escrita durante muito tempo. Nesse período, trabalho intensamente e o tempo todo penso no que estou escrevendo. As palavras vão expondo as ondas do pensamento que vão se elaborando e crescendo no seu encontro com a linguagem. Por fim, chegam os sentimentos, as memórias e os entendimentos do mundo. A partir desse amálgama, os textos são produzidos e vão povoar o papel ou a tela do computador. Tenho meta diária de leitura. Leio todo dia, ainda que seja somente um parágrafo ou uma estrofe de um poema.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começo a escrever a partir de cenas flagradas na cultura, sempre submetidas a um intenso pensar crítico. Em seguida, faço anotações e construo textos provisórios na perspectiva escolhida. Procuro os conteúdos nas relações cotidianas e nos sentimentos que imagino existirem no coração das pessoas: o que sentem diante do mundo, os sofrimentos, desejos e sonhos que brotam das suas fantasias e das suas esperanças. Quando encontro o ponto de cruzamento de tudo isso com minhas crenças, sonhos, dores e fantasias sinto que está na hora de começar a produzir os textos em caráter definitivo. Não paro até concluir o livro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo procrastinar. Começar faz parte do próprio projeto de escrever o livro. Eu encaro como normal os períodos de travamento da escrita. Isso não me causa ansiedade. É um momento onde as ideias, as percepções e os sentimentos ainda não estão prontos. Estão germinando. Respeito o tempo deles. Entretanto, continuo lendo e refletindo sobre tudo. É uma espécie de convite para o texto chegar.
O medo de não corresponder às expectativas dos leitores chega em vários momentos. O que me salva é a generosidade que tenho comigo mesma, pois eu penso que escrever é algo perigoso, incerto. Como escritora, sinto o tempo todo que estou no rabo do foguete. Só considero o livro pronto depois de várias revisões. Então, digo para mim mesma que fiz o melhor possível.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sim. Reviso várias vezes. Sofro dessa mania. Porém, não existe uma regra. Tem texto que chega pronto e não admite modificações. Às vezes, à medida que vou lendo, vou modificando tanto que desisto do texto ou o retiro do livro. Quando tenho sorte de achar alguém com tempo, peço para fazer uma leitura crítica.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho aproveitado os benefícios da net para divulgar meu trabalho e ter acesso à diversidade textual que hoje circula nas redes sociais. Normalmente, escrevo no computador. É mais prático para as correções no momento da criação do texto. É só deletar e escrever outra frase ou outro verso. Assim, vou organizando e escolhendo a palavra que satisfaça à minha necessidade de expressão. Só escrevo no papel quando estou onde não posso ter acesso ao computador. Nunca escrevo no celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias são geradas a partir das muitas fontes da cultura e do próprio viver. A leitura e meu constante contato com outras artes são hábitos que eu cultivo e com certeza eles mantêm minha mente criativa. As ideias brotam mesmo é quando consigo desnormatizar minha visão do mundo e do cotidiano. Desconfio do que está organizado e não me dou muito bem com o real. Ele me incomoda e nesse incômodo que minhas ideias ganham fôlego, fazem pactos com a língua e vão viver nos livros que eu escrevo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje tenho menos pressa para publicar. Trabalho a linguagem com mais paciência e procuro ir mais fundo nos sentidos das palavras. Se eu pudesse voltar no tempo, diria isso a mim mesma quando iniciei meu primeiro livro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu pretendo fazer segunda edição de alguns livros meus. Eu sonho em ler um livro com o seguinte título: nenhuma pessoa humana morre mais de fome no mundo!