Jonatan Silva é jornalista, escritor, crítico literário, assessor de imprensa e professor, autor de Histórias mínimas (2019).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O modus operandi da minha rotina segue um ritual sagrado: acordar às 6h30, tomar café – moído naquela manhã – e, das 7h às 8h. É um espaço sagrado no meu dia que só altero em casos especiais. Depois disso, me dedico aos assuntos e tratativas mais burocráticos. Se falhar a leitura, em geral, é difícil fazer com que as coisas engrenem. Sempre parece que uma peça está solta.
É pela manhã que agendo as entrevistas e crio a pauta dos meus textos de não-ficção e que integram o projeto A Vida dos Outros, que mantenho no Medium. Esse é um momento também de estudo e pesquisa, em que me dedico à preparação de todos os assuntos que serão levados a cabo ao longo do dia ou da semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como tenho me dedicado bastante ao A Vida dos Outros, prefiro escrever logo após as entrevistas. É nesse instante em que os olhares estão aguçados com o que foi dito pouco antes. De qualquer maneira, escrevo todos os dias. Reviso e revisito tudo o que foi escrito sobre o personagem da vez. Repasso informações que parecem imprecisas ou nebulosas. E não são poucas as vezes em que ideias e apontamentos aparecem nos momentos mais inusitados – na hora de dormir, enquanto lavo louça ou caminho – e, nesses casos, não me furto em anotar no celular para reescrever e desenvolver melhor mais tarde.
Quando escrevo críticas para Escotilha, portal de cultura em que publico todas as sextas-feiras, me coloco a burilar o texto na quarta-feira para revisá-lo na quinta. Os outros casos, como o projeto A Arte de fazer livros – criado pela Olho de Vidro Edições em que entrevisto os diversos profissionais envolvidos na criação de uma literária, o Cândido ou o Rascunho, variam de acordo com a demanda e a urgência de entrega do material.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, muito mais por uma questão de demanda que por uma necessidade. A necessidade, por sinal, é muito mais de leitura que de outra coisa. Escrever é sempre um prazer e, por isso, não me imponho metas quantitativas. Para mim, o ideal é sempre um texto de qualidade seja ele qual for. A questão é que, nos últimos tempos, já não me interessa mais escrever ficção – embora a leia todos os dias –, estou muito mais focado na produção jornalística, crítica e de não ficção. Não sei dizer o porquê, porém, finalmente escutei o chamado que há muito me gritava.
Para mim, a escrita de ficção sempre teve algo não natural, como uma teimosia mesmo. Não digo q eu não voltarei a ela, entretanto, nesse exato momento, estamos divorciados. Tenho um livro inédito rodando por aí – e que pode ser que seja publicado –, e outro que talvez ganhe reedição, mas não são produções deste ano.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo é focado em demandas. Gosto de trabalhar por projetos, nem que esses projetos e prazos existam somente na minha cabeça. Tento manter sempre uma disciplina rígida em relação ao processo de escrita e trabalho à medida em que sinto necessidade de completar os ciclos. Isso, obviamente, é uma inquietação, um desejo de ver o texto finalizado e publicado, mas, por outro lado, tento criar uma estratégia em que possa sentir a pulsação do texto. Uma vez, o Gonçalo M. Tavares me disse algo que jamais esqueci: “escrever é diferente de publicar”. Dali em diante pude entender a natureza diversa dessas duas etapas e o texto só vê a luz do dia se estiver, realmente, pronto. Para dar conta dos prazos sempre tento me adiantar, de modo a deixar o texto descansar e mostrar preparado ou não para a próxima fase da sua existência.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nos momentos em que as palavras não vêm deixo o texto de lado e vou fazer outra coisa completamente diferente. Uso esses tempos e espaços como pontos de reflexão. Não me distraio totalmente, continuo pensando e buscando soluções, mas sem a aflição da página em branco. Essa estratégia funciona sempre e me livra da angústia de conseguir ir adiante em um trabalho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso de duas a três vezes. A primeira pessoa a ler o que escrevo é a minha esposa, que não é da área da literatura ou do jornalismo. Gosto muito da opinião dela, justamente, por estar fora do meio. Nos textos de não ficção é fundamental esse olhar externo. Se algum ponto não ficou bem explicado ou a construção não elucida o sentido que quis dar, ela aponta e questiona. A leitura que ela faz é fundamental para que informações que me pareçam óbvias possam estar bem formuladas e resolvidas para o leitor.
Tenho dois grandes amigos, e também escritores que leem tudo o que produzo, o Carlos Machado e o Fabiano Vianna. Deles, busco sempre a orientação técnica e formal. É ali que descubro questões de estilo, soluções mais complexas ou resolvo elementos formais. Essas duas leituras guiam toda a minha produção e são importantíssimas para que um perfil, uma reportagem ou um texto literário sejam publicados.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já tentei tantas vezes escrever à mão, entretanto, é um processo que nunca funcionou para mim. Faço anotações no celular, mas o grosso dos textos são sempre escritos no computador. Acho que existe um fetiche sobre a escrita manual, que acho bonito inclusive, só que é pouco prático para mim. Acho até que aumenta a ansiedade no processo, tanto que a minha grafia começa ajeita e termina em um mar de incompreensão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Costumo estar atento aos detalhes e aberto às ideias. Acredito que a reflexão constante e o olhar aguçado são fundamentais. Para o projeto A Vida dos outros tento sempre buscar uma percepção do invisível ou daquilo que não está dito. Tenho uma grande fascinação por tudo o que é histórico ou não está bem lúcido. Por sinal, essa é a grande fascinação que a não ficção desperta em mim: a construção do real. Ou melhor: a minha interpretação do real através dos meus limites e possibilidades.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que o processo mudou na medida em que a urgência de publicar o que produzo foi reduzindo. Isso interfere na qualidade do produto final, justamente, no sentido de revisar mais, saber esperar, entender o timing da escrita. Penso que tudo isso é o resultado do amadurecimento como jornalista e escritor. Poucos são como Rimbaud que, desde muito cedo, escreviam com perfeição e em forma absoluta. Como disse anteriormente, acredito que a vira de chave para mim tenha sido a conversa com o Gonçalo, ali, naquela frase tão breve, encontrei uma solução para a angústia da publicação.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
De alguma maneira, o que sempre quis fazer era o jornalismo literário que faço hoje em dia no A Vida dos outros. Por insegurança, sempre fugi. Agora, finalmente, acho que me encontrei como escritor. Por anos, achei que a ficção o caminho. Uma percepção equivocada e ingênua da minha parte. Entretanto, acredito que a minha experiência na criação literária foi uma base fundamental para desenvolver o texto que faço agora. Talvez, um dia, esses perfis e textos se transformem em livro, mas não é uma necessidade.