João Henrique Balbinot é escritor multiexperimentalista.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como ato de preparação gosto de me adensar ao longo do dia, acho que esse é meu único ritual que se mantém durante todos os processos criativos, ao longo de toda a minha construção desse fazer-se escritor, que se atualiza em cada tentativa, então dificilmente a literatura ocupa a primeira parte do meu dia, nesse período tendo a tratar tudo com um pouco mais de leviandade e deszelo do que se deve. Coisa de quem cultiva à noite e produz melhor de madrugada. O que em algumas fases inviabiliza um tanto o processo de escrita, relega esse fazer aos finais de semana, para se dar conta de uma rotina de acordar em hora x e dormir impreterivelmente em hora y. Em nome de uma redução de danos, me entrego e me adapto a esse funcionamento quando necessário, mas vou tentando organizar minha vida profissional para que isso ocorra cada vez menos, talvez por um pouco de medo de ser engolido pelas coisas não ditas e silêncios não vividos. De rotina matinal, acho que o que faço é esperar, tratar de viver, fazer coisas que exigem menos o intelecto, recorrendo mais aos automatismos, ou implantação de novos hábitos. Gosto de começar o dia apenas quando eu me sinto suficientemente descansado, o que em contexto de horários rígidos é um grande privilégio.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Além de gostar de me adensar, logo viver a literatura entre o fim da tarde e madrugada, gosto de preparar o ambiente de trabalho, de acordo com o estágio em que se encontra o escrito no qual eu estou trabalhando no momento. Se é o caso de escrever, trago os livros que estou lendo, leituras recentes que me marcaram, ainda que eu não os abra, gosto de estar rodeado de escritoras e escritores nesse momento. Quando escrevo, principalmente quando estou com um acumulado de ideias e incômodos consideráveis, também pego meus livros anteriores, e vou conferindo se ainda não escrevi nada de muito parecido, se isso já aconteceu, e eu percebo que aquilo ainda me estremece muito, tento abstrair a ideia e tento expressá-la de outra forma. Na hora de revisar, são papéis, cadernos, o original – seja na versão impressa, seja na digital – talvez uma segunda tela, mas só reviso se eu consigo me reconectar com os sentimentos que eu busquei trazer à tona no momento em que eu escrevi pela primeira vez aquelas palavras.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Pra mim funciona imaginar a inspiração como um músculo que para ganhar tônus precisa de exercício, movimento. Tento ter uma rotina diária, de me envolver com a escrita todos os dias, quando falta a inspiração para a escrita em si e a disponibilidade para o desenvolvimento das ideias, me ocupo da revisão, em buscar citações das quais eu posso me valer durante a escrita de coisas que já estão sendo tateadas, mas ainda são muito incompreensíveis, de inventar algum exercício que não tenha como pretensão me entregar um produto. Então expressões artísticas por meio de outras mídias, outros canais, também são de grande ajuda nessa questão de se manter ativo criativamente e conseguir cumprir com essa direção de escrever com a maior constância possível para não enfraquecer os fluxos de produção que me atravessam.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Difícil é lidar com a autocobrança nesse momento de transição, principalmente quando está tudo ainda um tanto borrado, e não tenho certeza se é o caso do em si, ou ainda é um processo que não é exatamente prévio, mas que não culmina imediatamente no produto escrita. Essa transição varia muito de escrito pra escrito, então não tem um padrão que eu identifico ou antevejo, o que aumenta um pouco a ansiedade, então é sempre bom estar bem encharcado de palavras para esse movimento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Penso sempre no que o Drummond disse de viver com os seus poemas antes de escrevê-los, então gosto de comer, de assistir alguma coisa, de levá-los para ouvir uma música, isso traz uma proximidade e ajuda a lidar com os temores. O temor de não estar à altura de minhas expectativas, da escrita não reverberar em mais ninguém, a baixa autoestima, tudo que é negativo se reproduz loucamente, o caso é de engolir e esperar, eu acho. Esperar e escrever apesar dê. Depois é lançar no mundo, sumir por um tempo se for o caso, e levar o que não passa à terapia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende demais do texto, mas parece que no mínimo quatro. Geralmente gosto de uma opinião sobre a forma e outra sobre o conteúdo. Tenho muita dificuldade de revisar a ortografia (e outros aspectos formais) dos meus textos sozinho, porque eu estou tão familiarizado com a ideia e com o que eu queria dizer que eu acabo não me atentando, por exemplo, para a forma em que as palavras foram escritas. E uma opinião criativa é sempre bom para ter um termômetro se a ideia está próxima da inteligibilidade, e se ela é capaz de afetar. Para este objetivo, gosto sempre de apresentar o texto para pessoas diferentes, mas esse tipo de revisão só faço com aqueles escritos que me são mais caros.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O analógico e o digital se intercruzam diversas vezes, as duas últimas revisões são no papel, pois sinto um pouco mais de liberdade em revisar com uma caneta, com setas, com esquemas e afins. A opção em escrever de início, vai de acordo com o que eu tenho à mão no momento, como anda minha coordenação motora (tenho tremor nas mãos e já perdi muita coisa, porque jurava que depois ia entender).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Manter-se criativo vem como uma consequência de manter uma vida à qual eu me sinta confortável e não culpado em viver, então cultivar boas relações, encontros, ter uma vida minimamente equilibrada me ajudam um bocado. As ideias veem das dúvidas, é desses momentos que eu gosto de me ocupar, o instante que a gente receia, que a gente rememora, teme, desacredita, tenta entender, tenta estabelecer uma relação de paz com alguma perturbação (logo, estabelecer uma resistência). Gosto de falar sobre esses momentos em que talvez sejamos unilaterais, contraditórios, contendo indagações que não comportam respostas ou consolo. E daí o silêncio, nossos equívocos, nossos tropeços. É o caso de olhar e de se pôr em desconcerto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Algumas ideias que de início podem parecer contraditórias: fazer mais backups, ter menos medo de descartar, mas mais cuidado ao excluir, testar mais variações sobre o mesmo tema, retomar textos em tempos diferentes da vida, e lar é um espaço. E não permitir que a falta de autoestima coordene qualquer que seja o processo criativo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que o grande projeto é continuar, seguir o que já está iniciado, mesmo que se queira desistir. Gosto de ler livros que chegam sem muitas referências, ou a partir do crivo afetivo de alguém que semeio um grande carinho, então tenho a sorte de viver encontrando livros que gostaria de ler e nem sabia que existem. Que isso continue acontecendo.