João Gabriel Madeira Pontes é poeta.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina propriamente dita, mas, entre o café da manhã e o almoço, costumo retomar as leituras que comecei antes de dormir. Nesse mesmo horário, também ouço música, porque me ajuda a despertar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrever poesia é, antes de tudo, observar; e não existe nem horário fixo, nem ritual específico para se começar a observar. Por isso, posso dizer que me encontro em constante estado de escrita, à procura de novos objetos de desejo. De todo modo, é de madrugada que costumo sentar para colocar as palavras no papel (especialmente porque o meu outro trabalho, a advocacia, toma boa parte dos meus dias).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Faço anotações quase todos os dias. Ideias para poemas, projetos de ensaio, rascunhos de tradução. Porém, costumo ser mais disciplinado quando estou preparando um livro. Nessas épocas, embora eu não estabeleça metas diárias, o trabalho se torna invariavelmente mais sistemático e intenso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como já antecipei, o meu processo de escrita parte, basicamente, da minha intenção de perceber o mundo de modo mais atento. Então, para mim, é comum que um poema nasça no metrô, por exemplo. Uma vez anotada a sua ideia central, a etapa seguinte consiste em definir a forma do poema, o que me toma alguns dias de reflexão e, sobretudo, de experimentação. Depois disso, vem a revisão. Revisão constante e inclemente. É nessa fase que convivo de maneira mais íntima com o poema, entendo os seus dramas, manifesto as minhas insatisfações. Todas essas etapas, a meu ver, apresentam dificuldades, mas acho que os maiores desafios surgem na hora da revisão. Trata-se, afinal, de um momento de renúncia, e nunca é fácil renunciar, ainda que parcialmente, àquilo que se cria.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Enxergo todo hiato como um período necessário de aprendizado, não como motivo de sofrimento. A urgência em publicar, em ser lido, em ser reconhecido pela crítica e pelo público é natural quando se começa a escrever, mas, no fim das contas, não passa de vaidade. Hoje, escrevo somente quando acho que tenho algo a dizer. Do contrário, me calo e aguardo o tempo do próximo poema.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os seus poemas incessantemente, como já disse. Às vezes, chego a reescrever textos que já publiquei em livro, apenas para explorar soluções de procedimento nas quais não havia pensado antes.
Gosto de mostrar textos para amigos próximos e sempre lhes peço sinceridade, no que costumo ser atendido. O manuscrito do meu último livro, Manobra de Heimlich, foi lido por muita gente antes de ir para a editora, e vários dos seus poemas foram modificados por causa de comentários feitos por esses primeiros leitores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Se percebo que determinada tecnologia facilita o meu trabalho, não crio resistências fúteis.
Faço anotações em tudo o que está ao meu alcance imediato: em cadernos, em folhas avulsas, em guardanapos, mas também no celular (se não há papel e caneta por perto) ou diretamente no computador (se a ideia surge quando já estou à frente da tela).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Normalmente, as melhores ideias vêm quando me esforço para observar o mundo mais de perto, como já disse. Contudo, há ideias que surgem dos diálogos (reais e virtuais) que mantenho com outros artistas e com outras obras de arte, do presente ou do passado. Nessa linha, alguns dos meus poemas nascem na praia, enquanto outros nascem de um quadro do Rothko, ou de um livro do Yeats, ou de um filme do Sokurov.
Por isso, para manter a minha cabeça em pleno funcionamento, nada melhor do que, de um lado, caminhar sem pressa pela rua, e, de outro lado, estar sempre atrás do meu novo artista favorito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Para qualquer escritor – mas, sobretudo, para os poetas –, é muito importante entender que cada texto tem o seu próprio tempo e que não adianta querer apressar as coisas para ajustá-las a um calendário tão artificial quanto inviável. Foi isso que os últimos anos me ensinaram, a duras penas.
Acho que tudo teria sido mais fácil se eu pudesse voltar no tempo para mostrar a mim mesmo um poema do Robert Creeley que diz:
“One day after another –
perfect.
They all fit.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho planos de escrever um livro de ensaio, uma peça de teatro, e uma coletânea de contos de terror. Para tanto, ainda faltam – mais que tempo – coragem e vontade de ir além do campo da poesia.
Quanto à última pergunta, respondo com outra questão: por que pensar em livros que não existem se há tão pouco tempo para se ler os livros que já existem?