João G. Junior é poeta, professor e historiador, autor de “Agora e na hora de nossa morte” (Urutau, 2022).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Depois de um tempo considerável fora do mercado de trabalho, comecei a atuar como assessor técnico na Superintendência de Políticas LGBTI+ do Governo Estadual do Rio de Janeiro em meados de 2021, em decorrência dos meus estudos nos temas de sexualidades, gênero e homossexualidades e por conta da minha militância na área LGBTI+, o que me levou a modificar totalmente a minha rotina e desenvolver uma nova organização para o meu tempo, a minha semana.
Atualmente, trabalho todos os dias da semana, em horário comercial, com políticas públicas para a população LGBTI+ no estado do Rio de Janeiro. Nos horários vagos, isto é, durante a noite e finais de semana, me dedico aos estudos acadêmicos, leituras e produções, tanto acadêmicas como literárias. Eu tenho um pouco de medo do caos e sou uma pessoa bastante ansiosa, mas admito que funciono melhor sob pressão, tendo que dar conta de vários projetos ao mesmo tempo, por exemplo. Gosto de me sentir em movimento, produtivo, e estou sempre iniciando algo novo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Geralmente eu elaboro algum roteiro prévio, faço um plano de metas e objetivos, pequenos resumos, rascunhos ou esboços quando vou iniciar um novo projeto. Assim que a ideia me vem, a primeira coisa que faço é isso. Entretanto, mesmo com esse planejamento, costumo deixar o fluxo seguir livre e o projeto, muitas vezes, vai ganhando vida e se tornando maior do que eu havia previsto e intencionado inicialmente, o que me deixa bastante feliz. Nesse ritmo, escrever a última frase acaba sendo sempre o mais difícil, pois uma vez iniciado o projeto e tendo ele adquirido corpo, tom e ritmo próprios, uma vida própria, é desafiador estabelecer o momento de corte. Mas ele chega, porque os fins também são necessários.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Até hoje não escrevi nenhum livro de prosa, somente de poesia. No tocante à poesia, não sigo nenhuma rotina específica. Vou escrevendo os poemas e sendo escrito eu mesmo por eles, e guardando-os. Quando sinto possuir um bom material para um novo livro, trabalho na ideia/conceito daquele livro e passo a reunir os poemas que entrarão nele, de acordo com o diálogo que têm com o tema geral.
Por outro lado, embora eu ainda não tenha escrito nenhum livro de prosa (sendo este um projeto pessoal para um futuro próximo – escrever e lançar um livro de contos ou uma novela cujas ideias já venho, há um tempo, amadurecendo), me dedico à escrita acadêmica e esta, como a escrita literária de prosa, imagino eu, necessita de uma rotina específica. Nessa situação, preciso de concentração e silêncio, e geralmente escrevo na parte da noite, quando o silêncio da vizinhança é maior e posso me dedicar sem interrupções.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
A minha principal técnica para lidar com a procrastinação é aceitar o meu tempo e o tempo das coisas, o que acaba sendo, inclusive, um exercício para mim, um aprendizado para lidar com a minha ansiedade. Como pessoa ansiosa, costumo querer fazer tudo o mais rápido possível, deter o controle, fazer as coisas no meu ritmo. A escrita, porém, possui um ritmo particular, por mais que seja eu quem esteja escrevendo. O que tenho feito, ultimamente, ao me sentir travado, é buscar me afastar, ler outra coisa, ver algum filme ou série, tomar um banho ouvindo música, fumar um cigarro, enfim: fazer qualquer outra coisa que me distraia da sensação de trava, de obrigação, para que a escrita possa fluir com naturalidade. Assim, aos poucos, depois da primeira frase as subsequentes vêm com facilidade.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Até hoje, sem dúvida, o texto que mais me deu trabalho para ser escrito foi a minha dissertação do mestrado em História Social sobre prostituição masculina e homossexualidade no Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX, e isso por diversos fatores. A escrita desse texto foi a minha primeira experiência mais séria e robusta com a pesquisa histórica, eu precisei recolher fontes, cruzar dados e informações, estudar uma bibliografia extensa, e, em seguida, redigir tudo de modo compreensível para seus/suas leitores/as. Atualmente venho trabalhando, lentamente, na revisão desse texto para a sua publicação como livro, em breve. Mas, sem dúvida, foi até hoje o meu texto mais trabalhoso.
O texto que eu mais me orgulho na verdade é o meu próximo livro de poemas, Agora e na hora de nossa morte, a ser lançado este ano pela editora Urutau. É o meu livro mais honesto, sincero, político e afirmativo, uma espécie de manifesto e tenho realmente muito orgulho de ter conseguido escrevê-lo.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Os temas dos meus livros resultam das circunstâncias em que me vejo inserido e daquilo que eu gostaria de ler. Geralmente as temáticas advêm de observações minhas do que está acontecendo ao meu redor ou de situações que vivo em minha vida pessoal. Em meu primeiro livro, O que ri por último (Patuá, 2020), o tema foi o amor homoerótico, o fim de um relacionamento e a paixão por outros homens. No segundo, O tédio dos dias variados (Urutau, 2020), trato de um reencontro comigo, com meu eu mais profundo, minha história e o feminino que me cerca e me constitui. No meu próximo livro, Agora e na hora de nossa morte (Urutau), o tema geral é a resistência. O livro é, em si mesmo, um manifesto, um grito no qual falo sobre a emergência da vida, da sexualidade e da religiosidade e contra as violências, o racismo, a LGBTIfobia. É, sem dúvida, o meu livro mais denso, honesto, político e o seu tema foi pensado a partir do que temos vivido nos últimos anos, do caos social no qual nos vimos todos inseridos. Tendo isso em vista, não consigo conceber um leitor ideal para os meus livros enquanto eu os escrevo. Acredito que o meu leitor ideal seja eu mesmo. Escrevo aquilo que eu gostaria de ler, o que me interessaria sentir e descobrir. Não consigo pensar em outros leitores, sempre haverá pessoas gostando ou desgostando do que escrevo e pra mim, de verdade, a única e primeira pessoa que precisa gostar e aprovar o que escrevo sou eu mesmo. Por isso, penso, o meu leitor ideal no fim das contas sou eu mesmo.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Não costumo ter nenhum tipo de trava ou bloqueio para mostrar os meus rascunhos para outras pessoas, ainda mais se forem meus poemas ou textos acadêmicos. Tenho maior dificuldade em mostrar textos em prosa, como meus contos. Contudo, no geral, mostro os meus rascunhos para amigues íntimes assim que os considero prontos. As primeiras pessoas a lerem meus manuscritos geralmente são amigues e poetas com quem costumo trocar, e/ou a pessoa com quem eu estiver me envolvendo amorosamente no momento, dependendo do nível da relação. Mas, no fim, não costumo “esperar” um tipo de “aprovação, comentário ou crítica” sobre os meus escritos tendo em vista que sou eu o meu maior crítico e escrevo aquilo que eu gostaria de ler. Quando, e se, outras pessoas gostam e se identificam com o que escrevi, é muito mais uma consequência do que um objetivo de fato.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
A primeira vez em que pensei em me dedicar à escrita eu tinha 13 anos. Na época, escrevi uma novela, mandei uma cópia em xerox do original escrito a mão para uma editora, que foi recusado, obviamente, e guardo até hoje a carta de rejeição (risos). Mas só voltei a me dedicar com seriedade à literatura por volta dos 18 anos, quando participei de oficinas de poesia. Tive ótimas orientações, comentários, indicações de leitura que enriqueceram muito a minha formação como escritor. Acredito, porém, que se eu pudesse escolher o que eu gostaria de ter ouvido quando comecei a escrever, e ninguém me contou, seria sobre a importância de estabelecer contatos sólidos no meio literário, pois são eles que garantem o verdadeiro estabelecimento de alguém no mercado literário brasileiro.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Acredito que ainda hoje não desenvolvi um estilo próprio e talvez eu nunca chegue a desenvolvê-lo, embora me digam, muitas vezes, que eu escrevo de um modo muito particular e próprio. Penso que a singularidade do meu estilo se deve à sinceridade que eu ponho em minha escrita. Falo muito de mim, do que vivo, do que observo ao redor, do que me toca e atravessa. Exponho meus sentimentos e reflexões de forma honesta, e talvez isso garanta uma singularidade ao meu estilo. Certamente existem muites autores que me influenciam. Acabo sendo influenciado por tudo o que leio, em alguma medida, principalmente aqueles que acesso enquanto estou escrevendo algo. Acredito, porém, que o autor que mais me influenciou e segue fazendo isso seja o Caio Fernando Abreu, por sua trajetória pessoal e toda a sua força literária.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Tenho recomendado dois livros: a coletânea de poemas Céu noturno crivado de balas, do norte-americano Ocean Vuong, e o nacional Torto arado, de Itamar Vieira Junior. Não posso deixar de indicar, igualmente, os meus dois livros anteriores e o mais recente, Agora e na hora de nossa morte, a ser lançado neste ano pela Editora Urutau.