Jessica Ziegler de Andrade é escritora, autora de “O tanto que me habita” (Patuá, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
No momento estou assistindo aulas do mestrado pela manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Considero que um local silencioso contribua mais para a minha escrita do que um horário específico. Quando estou em uma fase de muita inspiração costumo escrever sem parar, até de madrugada. Ouço música clássica deitada na rede nos intervalos. Entro num estado meditativo tal que o tempo perde o sentido. Os compromissos e afazeres é que me interrompem. Sinto que fico fora de órbita, como se estivesse vivendo numa outra realidade. Já aconteceu de eu me esquecer até de comer. Escrevo até o meu limite mental. Essas fases não são longas, então consigo me manter saudável. O ritual é ter uma térmica de café do meu lado. Só isso.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para um projeto específico não escrevo diariamente (pretendo adquirir esse hábito algum dia). Porém se considerarmos a escrita de modo geral, sim. Todos os dias esboço algo: alguns versos, algum ensaio acadêmico ou até mesmo a correção do que já escrevi. Pensando bem, acho que escrevo diariamente, sim. É um processo quase natural. Não trabalho com metas. Sei qual é o meu objetivo e me conduzo como posso naquela direção, jogando com as cartas possíveis.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo de escrita oscila entre intenso prazer e muita frustração. Às vezes me sinto extremamente motivada, repleta de ideias e animada com o desenrolar da história na minha cabeça. Outras vezes, penso em desistir de tudo. No meu caso começar nunca foi uma questão, sequer percebo o marco inicial. No meu livro “O tanto que me habita” eu tive um sonho que organizou meus pensamentos e até me deu insights para a organização dos capítulos (se bem que depois optei por tirar as divisões). As pesquisas vão surgindo ao longo da escrita, é a parte que considero mais trabalhosa e nesse quesito tenho pouco conhecimento de causa. Até agora as personagens foram trazendo questões e movendo a roda. Espero que dê certo. No caso de poemas é um pouco diferente. Não consigo explicar. Para mim, cada poema é um universo particular.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não coloco nesses termos de “trava” ou “procrastinação”. Em determinados momentos da minha vida, sinto que atravesso um deserto. São fases de ócio criativo, nelas eu me permito viver o silêncio. Nunca paro de observar. Registro tudo, nem que seja na minha mente. Esses períodos são importantes. Sobre a ansiedade, não sei como lidar direito. Acho que no meu caso, como não estipulo metas, não me sinto engolida por isso. Percebo que aquele determinado material vai demandar mais tempo que outro e aceito o fato. Lógico que me passa pela cabeça desistir de tudo, já até me acostumei com essa insatisfação. Continuo porque a vontade é maior.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Estou sempre revisando meus textos. Em todas as vezes faço alterações. Até a publicação estou mudando palavras, frases, cortando muita coisa… Só tenho um livro solo publicado até agora e mostrei o original para pouquíssimas pessoas. Como era o primeiro, senti que muitas opiniões poderiam me desencorajar. Contudo, nos próximos trabalhos pretendo mudar essa postura. Fiquei mais calejada, suponho.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Utilizo as duas formas. Também escrevo notas no celular, uso o aplicativo “WriterP” para notas rápidas quando estou na rua. Muito do que escrevo nasce a partir desses gatilhos. Gosto também de imprimir as páginas e ir fazendo os cortes e anotações à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei responder de onde surgem as ideias. Talvez de imagens, sonhos, gatilhos… O hábito de leitura é indispensável, no meu caso. Há alguns escritores que me inspiram demais, são fontes cristalinas. Fico com a sensação de que todo mundo que escreve tem na manga aquele livro de cabeceira que impulsiona a criatividade quase como uma pílula mágica. É assim comigo. A caminhada é outro hábito que oxigena muito. O contato com a natureza abre uma janela para a sensibilidade. Mas tudo — tudo mesmo! — pode ser fonte de inspiração… a graça é essa!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevia ocasionalmente, hoje escrevo com uma frequência muito maior. O estilo também mudou bastante. Não fico pensando nisso de “que conselho daria a mim mesma”, fiz o que pude naquele momento e tudo bem. Faz parte da jornada. No fim do dia o que vale é ter seguido em frente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muita vontade de escrever uma peça. Na verdade, quero explorar todos os gêneros. Sobre a última pergunta… o que eu tenho vontade de ler já existe! Aliás, há um mundo de livros que tenho vontade de ler e não tenho tempo. Minha estante é a prova cabal de que eu não tenho me organizado como gostaria (haha!). Há muitos clássicos maravilhosos à espera de uma oportunidade.