Jerônimo Bittencourt é poeta, artista da dança e idealizador do Contrafaccionistas.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu leio poesia toda manhã, esse é minha rotina. Gosto de aproveitar as primeiras horas do dia para ser atravessado pelas minhas poesias prediletas.
Como um desdobramento desse hábito, criei há alguns anos um ritual que chamo de Resgate, em que mando o áudio de alguns dos poemas que estudei/li pela manhã para determinadas pessoas, tentando aquecer o labirinto alheio.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Parece que pela manhã as coisas fluem melhor, mas na maioria das vezes é um esforço que se prolonga dia a fora até que, no final da tarde, quando já me dou por vencido, alguma coisa acontece. O ritual de preparação é ler poesia, sempre. Ela exercita a atenção e é a melhor armadilha para caçar palavras. Juntá-las, aí já é outra história.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, às vezes bem pouco, quase nada. Quase nunca atinjo minha meta diária, quando é assim Camões me resgata: “Canção, não digas mais; e se teus versos à pena vêm pequenos, não queiram de ti mais, que dirás menos”.
Então me perdoo e penso: amanhã recomeço.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quase sempre minha escrita surge das coisas que estou pesquisando, geralmente poesia, psicanálise e filosofia. Na maioria das vezes as anotações são suficientes pro pensamento, mas a escrita surge de súbito. No meu caso geralmente é uma palavrinha ou uma pequena frase que preciso para poder fazer o texto fluir, naquele encantamento de palavras que se juntam como por mágica, mas quando essa palavra não aparece vira uma luta sem fim e, geralmente, o resultado é um texto truncado que vou tentar resolver no dia seguinte.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu me desespero quando percebo que estou prestes a travar e travo mais e me desespero mais, num círculo vicioso difícil de romper. Ainda assim prefiro a urgência do que os projetos longos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O processo de revisar o texto é também, para mim, sobre reescrever. Como raramente um texto nasce pronto a revisão só termina quando ele vai pro papel. Na maioria das vezes esse é um processo solitário do início ao fim, mas algumas vezes durante o processo de escrita costumo conversar com pessoas, fazendo um convite para pensar algo mais abstrato em relação ao assunto que estou escrevendo, hackeando a atmosfera do encontro para, só então, concluir o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Para escrever poesia me armo do que estiver a mão, seja tinta, sejam dedos. Os textos mais longos, geralmente, são no computador e o bloco de notas do celuar pra uma emergência.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A atitude emociona que me impulsiona a criar gira em torno da obra de 3 poetas: Hilda Hilst, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa. Este últmo num espectro mais abstrato de mestre. O convite de Hilda de repensar a tarefa de pensar o mundo e e o de Drummond, sobre a procura da poesia, me fazem experimentar a poesia como procedimento, desejo de inventar uma utilidade para a poesia a partir do prisma de ela poder ser um procedimento de criação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Gosto de revisitar os mesmos temas, tentando cada vez mais aceitar minhas escolhas com tranquilidade, buscando separar um pouco mais a emoção das palavras…
Se eu pudesse voltar atrás usaria menos gerúndio e adjetivaria menos minhas palavras prediletas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Vou organizar a obra poetica de Fernando Pessoa de um jeito muito específico e obsessivo.
O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe é a obra completa de Fernando Pessoa organizada por ele mesmo ainda em vida, e que há de estar escondida numa arca em algum lugar de Lisboa.