Jeanne Araújo é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
No último ano, devido à pandemia, minha rotina mudou completamente. Tenho dormido muito tarde e acordado no meio da manhã. Tomo sol, faço alguns alongamentos, bebo café e começo o dia nas tarefas domésticas. Tenho trabalhado nessas tarefas até mais ou menos três da tarde. Depois começo a fazer outras atividades como leitura, escrita, organização de envelopes para enviar livros, etc.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho muito melhor à noite. Como sou insone, aproveito esse tempo para escrever, ler e ver filmes. Não tenho nenhum ritual para a escrita, mas preciso ter uma mesa organizada e alguns livros ao lado. Sempre recorro aos livros que mais gosto quando falta uma palavra, digamos, mais adequada ao texto que estou escrevendo. A memória tem falhado um pouco, então ter livros ao lado é imprescindível.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sou completamente desorganizada na escrita. Já tentei várias vezes fazer um exercício diário para escrever, não dou conta. Acho que tem a ver com a questão de obrigação. Não gosto de me sentir obrigada a nada e isso perpassa também pelo meu fazer literário. Escrevo quando tenho vontade, quando vem uma ideia, quando vejo ou leio algo que me impele a escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como eu disse anteriormente, escrevo quando tenho vontade, não como uma obrigação. Às vezes, eu começo a ler um livro e bem no meio da leitura, me vêm uma ideia. Então, sento e escrevo um rascunho. Geralmente em um caderno. Sempre escrevo em caderno, depois digito no computador.
Com a primeira ideia rabiscada, faço algumas pesquisas, leio sobre o tema que quero escrever e vou, aos poucos, dando continuidade. Como sou uma pessoa que não tem o hábito de escrever todos os dias (dado que só escrevo quando me sinto compelida a isso), demoro um pouco a terminar um projeto literário. Principalmente se for prosa. Poesia, não. Poesia eu escrevo como se fosse uma festa. Tenho muita facilidade e gosto de dizer em poucas palavras as coisas. Por isso minha facilidade com a poesia e minha dificuldade com a prosa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ás vezes é doloroso. Fico me cobrando. Vejo amigos que usaram esse tempo de pandemia para escrever vários trabalhos. Eu simplesmente travei. Não consegui ler como lia antes durante um ano. Eu lia dois livros por semana ou até mais. Levei meses para terminar a leitura de um romance, por exemplo. Não conseguia me concentrar na leitura. Tinha que ler várias vezes a mesma página, aí desistia. Com a escrita foi parecido. Comecei vários projetos, mas não conseguia dar continuidade. E me cobrava todos os dias. Me cobrar por não estar escrevendo me trouxe crise de ansiedade e tive que fazer terapia. Aceitar que não conseguia escrever e que poderia fazer isso em outro momento foi o que me salvou. Hoje já estou dando continuidade aos projetos parados, já estou lendo como antes e as coisas estão fluindo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras vezes. E sempre mudo algo, sempre. Nunca acho que estão prontos e depois de publicados não gosto de ler. Sempre mando para duas, três pessoas antes de enviar para a editora e para o prefaciador. Tenho essa coisa comigo, de achar que poderia ter ficado muito melhor. Meu último livro de poesia, o Cicuta e Cilício, mandei para 5 pessoas. Revisei-o várias vezes e tive que mandar para a editora senão iria mexer no texto indefinidamente. Já a novela Cercas de Pedras, mandei apenas para 2 pessoas. Mexi pouco nela, nem sei explicar o porquê. Corpo Vadio é um livro de poesia que pretendo reeditar e mudar algumas coisas. Combustão foi um romance escrito a quatro mãos com o jornalista Cefas Carvalho, acho que esse foi o único que não mandei para ninguém, deixei ao cargo do outro autor para as correções e o que fosse necessário. Aliás, escrever e apenas escrever, sem me preocupar com mais nada, como correção, venda e outras coisas, é meu sonho!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre faço os primeiros rascunhos à mão. Tenho inúmeros cadernos com projetos começados. Sempre separo um caderno para cada projeto e, às vezes, termino esquecendo e reencontrando anos depois algum romance, novela ou conto. Com poesia, não. Minha relação com a poesia é mais amorosa, rsrsrsrsr. Nunca a deixo por aí, sempre que começo um livro de poemas, eu termino logo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Das leituras que faço. Ler e escrever estão intrinsecamente ligados para mim. Tenho mais ideias quando leio do que quando viajo, por exemplo. Posso até anotar ideias, frases, começar um parágrafo, mas o estalo só se dar mesmo com minhas leituras. O único hábito que tenho para escrever são as leituras. Talvez por isso, na pandemia, não consegui escrever. Não conseguia ler.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Antes mesmo de escrever, eu sempre fui leitora. Ávida. Contumaz. Acredito que, quanto mais se leia, mas melhora sua escrita. Para mim, isso está interligado. Como eu sempre fui uma criança leitora, acho que diria a mim mesma, continue assim. Você está no caminho certo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um romance sobre mulheres sertanejas. Algo que girasse em torno da força da mulher nordestina. Não sei se consigo. É um sonho, quem sabe ainda consiga realizar. Sobre um livro que gostaria de ler e ainda não existe – talvez uma biografia, mas não sei se valeria à pena a leitura.