Jaya Magalhães é advogada e escritora, autora de Líricas (2012) e Bem Ditas Cartas (2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não sou uma pessoa matinal, não gosto de acordar cedo, demoro a desenferrujar as engrenagens do corpo e do cérebro durante esse período, faço tudo meio automatizado. Não tenho nenhuma rotina, especialmente agora durante esse período de pandemia. Tem sido muito difícil, não consigo ter horário sequer para o café da manhã, por exemplo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
No geral, qualquer hora do dia acaba sendo boa a depender do nível de concentração que disponho naquele momento. Em relação especificamente à escrita, o melhor horário acaba sendo depois das 22/23 horas, quando sinto que consigo silenciar a rotina e acordar o coração. Mas às vezes acontece de, em meio ao caos, com muito barulho e explosões ao redor, sentir uma vontade urgente de parir um texto, daí então consigo me deslocar do mundo até conseguir finalizá-lo — completamente despreparada.
O ritual depende do direcionamento da produção. É algum artigo/reportagem? Deixo abertos livros, dicionários e demais materiais que me auxiliem durante a abordagem e fundamentação daquele tema. Se estou produzindo para um livro/ conto/ crônica/ prosa poética de escrita criativa livre, não existe nenhum ritual. Sento, respiro e começo a digitar até conseguir acertar a frase certa — o buraquinho da agulha, para começar os primeiros pontos do bordado de palavras.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende. Ano passado fiz um curso e este ano outro, ambos com foco em escrita, e o maior pedido das professoras era: escreve. Todo dia. Quando acordar ou antes de dormir, sem preocupações com métricas ou conteúdo etc. AINDA não consegui seguir essa tarefa TÃO necessária para nós, escritores. É a ideia de nos alimentarmos com aquilo que nós mesmos produzimos — e quanto mais orgânicos os alimentos, nesse caso, melhor. Escrevo todos os dias, mas não produzo todos os dias. E tenho sim uma meta de escrita diária: essa que citei acima. Vou cumpri-la, prometo. Dívida exposta no “Como eu Escrevo” precisa ser paga!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Desde que comecei a publicar na internet, passei a escrever direto no Word. Dificilmente começo a escrever algo no papel e mais raramente ainda costumo compilar notas. Isto por ser uma escritora ainda pouco experiente e sem grandes produções que exigiram pesquisas mais minuciosas acerca de alguma temática a ser tratada.
Atualmente tenho mudado um pouco esse processo. Resolvi, após profundas análises, que o agora é um bom momento para a tentativa de publicação de um primeiro romance — uma tentativa específica de cura/terapia diante de algo que acabou me impactando bastante nos últimos anos. Então me descobri, nos recentes meses, fazendo anotações. No bloco de notas do celular ou no bloquinho de papel, as ideias às vezes pulam da mente e caem na minha mão pedindo para serem anotadas antes que decidam sair correndo outra vez.
É difícil começar, desencantar as palavras, permitir que se mostrem, que se espalhem, que se proponham a preencher a folha em branco. Nesse novo e atual experimento, tenho utilizado a pesquisa quase como um filme. É como se durante esse levantamento eu estivesse diante de pequenas passagens através das quais posso mergulhar e acrescentar o roteiro que julgo necessário para o desenrolar daquela história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que tudo é fase. Antigamente todas essas coisas me acometiam bastante. Após a publicação do meu primeiro livro, por exemplo, fiquei três longos anos sem escrever, sem conseguir encarar a tela, sem conseguir abrir meu próprio livro e deslizar pela leitura das páginas. Eu tinha consciência de que não era o final, de que não iria parar por ali, de que ainda havia muito a ser dito, a ser sonhado, a ser criado, idealizado — mas não conseguia me aproximar. Depois, muito naturalmente, voltei para mim. E as produções começaram a acontecer novamente. Abracei aquela publicação que antes me dava medo, revisei, rabisquei, aceitei, entendi que ofereci o que eu tinha de melhor dentro da realidade que existia naquele presente. Só então recomecei.
Atualmente está bastante complicado evitar a procrastinação: a pandemia tem sido responsável por grandes silêncios e recolhimentos. Estamos ao vivo vivenciando o fim do mundo e sentindo na pele a dor de perder algum amor. Isso tem me dado um silêncio muito profundo. Sobre corresponder às expectativas, isso nunca foi de fato um problema para mim em relação às expectativas alheias, mas sim em relação às minhas próprias expectativas. Essa ansiedade não me atrapalha durante o processo de escrita, mas no depois. No entanto, tem sido cada vez mais leve. Meu primeiro projeto longo é o que estou iniciando agora e por enquanto a ansiedade não despertou. Que assim permaneça!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos de produção livre reviso no máximo duas vezes. Sei que se eu insistir em ficar em cima, fazendo muitas análises, nunca darei por terminado. Foi algo que aprendi só nos últimos anos: deixar o texto ser. Meu perfeccionismo já foi absurdo, hoje em dia não mais. E não, não mostro nada a ninguém antes de publicar. A crítica mais eficaz é sempre a minha. Se estou com dúvida e não estou gostando de algo dentro daquele texto, sei que não vai atingir as pessoas porque de início já não atingiu a mim mesma.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Temos uma relação de longa data. Desde os meus catorze anos, quando ainda escrevia em diários, que já não uso mais o papel para fazer nenhuma espécie de rascunho. Acho maravilhoso que tenhamos acesso a computadores, tablets e até mesmo um celular como fonte rápida de trocas de informações. Não existe por aqui aquela pilha de papel amassado espalhado pelo escritório, de rascunhos ou páginas que deram errado. No Word as palavras somem e aparecem, mudam de lugar, se adaptam, tudo de forma muito limpa e extremamente visível dentro da formatação que decidirmos utilizar. Escrevo direto no computador. E prefiro assim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias surgem dos mais diversos lugares. De uma conversa, de uma observação, de uma história que contaram, de uma reportagem que li, de uma música, de um filme, de um livro, da minha própria vida, dos meus sentimentos. E também, muitas vezes, de lugar nenhum. O principal hábito para manutenção da criatividade: LER. Todos os dias. Nem que seja apenas meia hora por dia. Mas ler. Para parir palavras é necessário ser constantemente alimentado por elas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A principal mudança foi no tom da escrita. Antes os textos eram íntimos, significantes, extremamente poéticos. Uma linguagem que adquiri na adolescência e levei até o início da vida adulta. Com o passar dos anos, a ficção começou a fazer parte das produções, comecei a ousar outros estilos — mesmo mantendo a prosa poética como voz mais ativa —, e a facilidade em passear por novas temáticas foi acontecendo, através de prática intensa, de leituras imparáveis, curso de escrita não convencionais e muito estudo. Tudo isso, obviamente, permanece na minha rotina. Escrever é não parar de aprender, é nunca estar pronto e sempre continuar-se.
Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos eu diria: continue. É isso mesmo, por esse caminho, pode seguir, pode falar de amor sempre, essa é a grande história universal. Abraça a palavra: uma hora dessas você acaba voando.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre quis tentar escrever uma história longa — os livros que fiz até aqui são coletâneas de textos curtos. Ainda não comecei pra valer, mas tenho reunido material para a publicação de um romance e esse é atualmente o projeto que gostaria de fazer (e farei).
Outro dia, numa reunião com outros escritores, alguém disse: todas as histórias já foram escritas e não é por isso que a gente deixa de escrever (ou de reescrevê-las). E isso foi para a mim a constatação de algo que é extremamente real. O livro que eu gostaria de ler, ele já existe. E talvez exista várias vezes, escrito por diferentes autores, dentro do seu olhar único e abordagem exclusiva. Quando faço aquisição de uma nova obra literária e mergulho instantaneamente em suas páginas, descubro estar diante de um livro que eu nem sabia que gostaria de ler e sequer imaginava que existia.