Jaciene de Andrade Santos é professora, autora de “Textos em trânsito: Machado de Assis e o projeto literário nacional” (Mondrongo, 2019).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de me desejar um bom dia, beber água, preparar meu difusor aromático, fazer exercício físico. Ultimamente, pratico yoga. Gosto de manter hábitos que me tragam energia. Nem sempre consigo dedicar nisso o tempo que eu gostaria, mas aproveito a sensação de acordar, de perceber como é o ar do dia e me coloco na direção do que tenho a fazer. Minha rotina hoje se volta muito ao meu trabalho como professora. De todo modo, as manhãs são produtivas para mim e sempre foram meu momento preferido para ler, estudar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Se preciso escrever, para cumprir um trabalho ou por necessidade íntima, isso acontece a qualquer momento em que eu possa estar sozinha, em silêncio. Mesmo se eu estiver em público, é como se eu estivesse sozinha. E essa solidão me atrai muito. Lembro das tardes em que eu, criança, ficava horas sozinha inventando histórias, combinando palavras e sendo totalmente feliz nisso. Com o tempo, aprendi que se eu não me dou a chance de ter um pouco de solidão, meu corpo-mente reclama. Então, talvez o ritual que eu construí nessa repetição de experiências seja o de buscar um estado de recolhimento e silêncio, principalmente interno, em que eu possa ouvir de mim o que realmente quero dizer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou fazendo uma pesquisa literária, um trabalho acadêmico, como no mestrado, eu sigo um cronograma diário de produção, porque assim consigo me organizar e visualizar o todo do que estou criando. O mesmo não acontece em relação a textos mais literários, prosa ou poesia. Há momentos em que escrevo mais, e outros em que praticamente não escrevo. Não julgo isso como bom ou ruim. Já tive a ideia de que eu deveria escrever com mais disciplina e reconheço que existem benefícios na prática constante. Porém, ao menos no momento em que vivo agora, ter metas de escrita não me soa autêntico. Seria custoso – e eu não quero – fazer algo em que não acredito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo muitas anotações, e chega um momento em que elas começam a fazer sentido juntas, a se costurar, e é por aí que eu desenvolvo o texto. Uma vez que reuni essas anotações, crio um esquema do que vou escrever, e então começo com o que eu tenho, com as palavras que vierem. Vejo a escrita como uma experiência. Tudo está ali em teste e movimento. São possibilidades. Acho que pesquisa e escrita – uma relação muito evidente em textos acadêmicos – convergem no ponto em que ambas estão à procura de algo. A escrita se realiza também como pesquisa, investigação. Como disse Drummond, “minha procura ficará sendo minha palavra”.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se me sinto travada, me afasto do texto. Busco arejar meu olhar sobre ele e prestar atenção ao que está acontecendo em mim. Tenho consciência de que as expectativas existem, mas realmente não fico me lembrando delas. Quando me envolvo mesmo no processo da escrita, parece que estou em outro lugar, e nada mais existe além daquilo que está nascendo diante de mim. Não posso perder um segundo disso. Só depois, quando paro para revisar e organizar o texto, faço a análise crítica. Me ver no que escrevi é um pouco assustador. Mesmo não sendo autobiográfico, eu estou ali de um jeito que nem sei se as pessoas veem, mas que eu vejo. E estar em vulnerabilidade assusta.
Sobre a ansiedade em trabalhos longos, eu prefiro ver um projeto assim como uma sequência de trabalhos menores, então eu me concentro em cada etapa do que preciso fazer, no momento em que estou fazendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu gosto de reescrever e revisar (às vezes, até demais). Gosto de deixar o texto decantar um pouco e depois voltar a ele, ver aquilo ganhando forma. E eu tenho uma fascinação pela palavra. Reviso ouvindo o texto, para perceber como a palavra cai, onde ela poderia ser mais exata. É algo que sempre gostei de fazer. Não costumo mostrar os textos enquanto estou nesse processo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço rascunhos ou esquematizo o texto à mão e depois vou para o computador. É raro que eu crie tudo direto no computador. Acontece também de sentir que a luz da tela está atrapalhando meu foco ou que a ideia do texto ainda é muito visual e que preciso riscar, fazer linhas para elaborá-lo melhor. Por isso também acabo recorrendo bastante ao papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu não tenho um conjunto de hábitos direcionados a isso, mas eu gosto de me sentir criativa em meu dia a dia. Ou seja, de pensar e agir a partir de uma observação atenta das coisas. Cozinhando, conversando, ou andando pelas ruas, me faz bem sentir que estou em atenção ao mundo, às pessoas. Percebo que tudo isso alimenta a minha criatividade, que é essa sede de saber que estou viva.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sinto uma grande mudança no que vou chamar de “jeito de escrever”, que é essa pulsão que me leva à escrita, mas percebo, sim, um amadurecimento que vem pelas leituras e vivências e que gera uma intimidade maior com o universo da escrita. Eu diria a mim mesma para não jogar meus textos no lixo. Era suficiente para mim a satisfação de escrever, e não me preocupava muito em guardar os textos. Hoje eu queria ler o que escrevia. Tenho apenas um ou outro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero escrever um livro de poesia. É um projeto bastante inicial ainda. Sobre o livro que gostaria de ler e ainda não existe, foi inevitável relacionar essa pergunta a um ponto de vista bem particular, o qual também indica o tipo de leitura que tem me interessado. Meu pai tinha vontade de escrever um livro em parceria comigo, narrando suas experiências como vigilante. Para ele, eu saberia deixar as histórias bonitas. É um livro que não existe e que eu gostaria de ter conhecido.