Ivone Gomes de Assis é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não sou muito de rotinas, mas antes de começar o trabalho, um café da manhã sem pressa e acompanhado de uma boa prosa é indispensável. Pulo da cama cedo e, geralmente, o dia é regido pela agenda. Dividir as atividades entre os universos da escrita, da edição, da fotografia, do rádio, dos eventos e do bem-viver exige uma elasticidade nos afazeres, no entanto, procuro agendar os atendimentos para as manhãs, a fim de deixar o período da tarde para a leitura, a escrita e outras atividades de concentração. Os eventos, sempre que possível, gosto de agendá-los para a noite. É mais ou menos assim o meu dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Creio que produzo melhor pela manhã e à noite. Não sei bem se meu modo de produção segue um ritual, mas gosto muito do silêncio para a escrita. Não gosto de ser interpelada no momento da escrita, nem na hora da leitura, porque a linha de raciocínio quebra e, às vezes, fica difícil de pegar a ponta da ideia, outra vez. Enquanto editora, uma leitura com todos os holofotes nela, é intrínseco. O silêncio é um conselheiro muito bom, visto que ele fala muito, e fala bem. O que, para mim, é imprescindível, além de uma boa pauta, uma boa concentração, é também decidir sobre o que falar antes de começar a escrever. Por exemplo: fui colunista em um jornal de grande circulação, minha coluna era sobre literatura (pauta literária), mas antes de escrever cada coluna, gostava de refletir sobre notícias e obras, para que o texto produzido fosse também parte do cotidiano, a fim de que o leitor acadêmico não veja o texto como trivial e, por outro lado, o leitor popular não veja a escrita como acadêmica. É preciso haver um meio termo. Atualmente, faço o Ponto de Leitura, da Rádio Universitária, sigo este mesmo formato de produção na hora de definir o assunto que vou levar aos meus ouvintes. É gostoso ouvir um ouvinte comentar que compreendeu, com leveza, a temática abordada. Quando escrevo prefácios, orelhas, sinopses, matérias para revistas e outras “escritas” é tranquilo porque são assuntos direcionados, então não há o que questionar, resume-se, praticamente, em análise e interpretação. Agora, se a escrita é para um livro meu, aí temos muitas possibilidades: se for artigo ou pesquisa acadêmica, o nome já fala: “pesquisa”, isso implica muita leitura, entrevistas, análise, material de campo e tudo que uma boa pesquisa demanda. Se forem crônicas, usualmente busco inspiração no pitoresco dentro de minhas vivências. Se forem poemas, costumo reconhecer que sou uma poetisa fraca de produção, mesmo assim gosto de fazê-los ora ou outra, quando encontro inspiração. Agora, literatura infantil é uma paixão que carrego comigo, gosto de brincar com as palavras.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim, escrevo, praticamente, todos os dias, mas sem angústia. Vou conforme o trabalho exige, ou segundo a inspiração.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É engraçado as pessoas dizerem que é difícil começar. Na verdade, o difícil é você planejar a escrita. Uma vez planejada, é só escrever tudo que pretende dizer sobre o assunto. Depois, com o texto já escrito, é hora de reler, alinhavar, costurar ideias, arrematar os pontos, enfim, corrigir as imperfeições. Por último, como acontece com as receitas culinárias, deixo o texto descansar e, em seguida, releio-o, porque, sem dúvida, vou conseguir melhorar qualquer coisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Costumo escrever no momento em que o tempo aponta para o sinal verde. Se o projeto exigir tempo maior, que assim seja. O essencial é que a escrita seja feita em tempo hábil. Medo de não corresponder às expectativas sempre há, por exemplo, estou aqui, redigindo estas respostas e pensando se não estou sendo prolixa demais ou, pior, simplória. Mas se eu for me deter a cada expectativa, não produzo. Por isso, é melhor dar à luz o texto e deixar o leitor extrair o útil e a crítica surrar o inútil. Ouso dizer que, às vezes, dou sorte, e escapo. É fato que, independente da demanda, tudo que escrevo, faço-o com muito amor e dedicação, isso contribui um pouco, haja vista que nossos textos sempre levam muito de nós, e escrevendo com foco, dedicação e amor é mais fácil de comunicar com o leitor, o qual, geralmente, não conhecemos, e ele, por sua vez, nos conhece por intermédio dos textos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão depende do tempo. Se o jornal lhe pede um texto de último instante, não dá nem para reler. Se lhe é solicitado um texto com prévia de tempo, aí leio, releio e “treleio”. Se a escrita for no meu tempo, gosto de escrever, descansar do texto, reler, convocar outro revisor habilitado para uma revisão, depois releio novamente, umas duas vezes. Parece muito, mas não é. A cada leitura, ideias novas surgem, com isso tenho a oportunidade de aprimorar o conteúdo. Gosto muito da leitura em cotejo, especialmente, porque gosto de ouvir a leitura do outro, uma vez que, se ele embaraçar na leitura é porque algo ficou inelegível. Tenho um leitor que faz esta etapa comigo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro a tecnologia. Escrevo direto no computador. Mas, quando se trata de revisão, nada se compara à folha impressa e à caneta vermelha.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Creio que toda ideia vem da observação. Cada instante é uma nova experiência. Destarte, manter-se criativa é manter-se antenada aos fatos. Assunto nunca falta. Vale lembrar que ler outros escritores, mais experientes, é muito importante para enriquecermos nossa produção literária. É sempre bom aprender com quem sabe.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si, se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O processo de escrita de qualquer escritor (com bom senso) muda, a cada nova produção. A escrita é um exercício permanente, quanto mais escrevemos, mais melhoramos, porque vamos esmerilando as ideias e aprimorando a escrita. Minha dissertação, à época, foi o melhor que consegui oferecer, entretanto fosse hoje, indubitavelmente, eu iria aplicar muitas melhorias, sobretudo porque tomei conhecimento de fatos novos, amadureci um pouco mais, enfim, tenho mais “instrumentais cirúrgicos”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Uma multidão de projetos povoa meu pensamento a todo momento. A escrita é projeto inacabado. As vontades também o são. Isso faz com que tenhamos sempre o anseio de (re)começar. Mas, neste ano, quero que saiam, ainda, duas publicações, em minha linha de pesquisa, que estão no prelo, que é a Segunda Guerra. Creio que todos os livros já existiram, e todos, igualmente, estão por escrever. O livro é como as gerações, a cada edição, uma nova interpretação. Isso é incrivelmente maravilhoso, porque falamos a mesma coisa, porém com roupagem nova. Não se reinventa a roda, mas, a cada viagem, há um novo roteiro, com novas probabilidades.