Isabela Sancho é poeta e desenhista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A vista do meu quarto dá para as copas de duas árvores, e eu passo alguns minutos deitada olhando para elas, antes de me levantar. É possível fazer assim na maior parte do ano, quando não faz frio e posso dormir sem fechar as folhas de metal da janela – o que também faz com que a luz natural entre sozinha. Gosto de despertar junto com ela.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto muito das manhãs e do silêncio, e um dia ideal para a escrita começa com ela, sendo intercalada com desenho e coisas básicas a fazer em casa, até a metade da tarde.
Isso é o que faço nos meus dias livres. A verdade é que boa parte da minha escrita acontece nas brechas de tempo (deslocamentos de um lugar ao outro, horários de almoço, por exemplo), de modo muito mais fragmentado e ruidoso.
Além disso, andar me traz ideias, o corpo em movimento me agita para escrever, o que não é muito prático para o registro! Anoto atravessando a rua. Não é um hábito exatamente seguro, mas é o que é.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, mas de modo variável. Podem ser quatro poemas, pode ser uma única troca de palavra. Eu tento organizar um pouco o que escreverei ou desenharei durante a semana, no mínimo para ter um plano a furar!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Normalmente escrevo a partir do que sinto, experimento, vejo. Para isso não é necessária uma pesquisa. Se há alguma imagem que preciso entender melhor como funciona, pesquiso no mesmo momento da escrita, mas de modo breve.
Eu faço muitas notas, mas depois não consigo achá-las todas, ou fico preguiçosa de ter que voltar a elas! Creio que anotar me serve mais para fixar as ideias do que para consulta posterior.
Além disso, há imagens para as quais tenho uma escrita imediata em poemas. Mas há projetos mais estruturados, nos quais penso e redundo por anos até os trazer à tona.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A minha aflição diante da escrita é a de ser absolutamente compreendida! Poesia é exposição, arte é estar exposta. Tenho o medo e o desejo de que aquilo que tento expressar se faça mesmo entender.
Nos dias que antecederam o lançamento do meu primeiro livro, vivi uma certa ansiedade quanto a isso, quase uma vontade de interromper o processo!
Uma bobagem da minha parte, mas devo dizer que não cheguei a uma compreensão tranquila ou muito bem resolvida quanto a isso. Eu simplesmente prendi a respiração, fechei os olhos e mergulhei: lancei o livro, a despeito de mim mesma.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos infinitas vezes, até o cansaço. Percebo que os textos estão prontos quando enjoo deles, quando já os reli tanto que nem sei mais o que sinto a seu respeito.
Às vezes mostro para outras pessoas antes de publicar, às vezes não quero.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os aplicativos de escrita para celular mudaram de verdade meu ritmo e frequência de escrita, permitindo que eu revise poemas dentro do metrô, por exemplo. Mas sempre carrego um caderno sem linhas e uma lapiseira na bolsa. Se preciso esboçar uma sequência, desenhar uma imagem, ou começar um poema, vou para o papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de imagens que me impactam. De uma planta se mexendo na água, uma árvore derrubada, insetos copulando, um sapato invertido, um homem berrando, uma velha vistosa… Não escolhemos os lugares onde somos impressionáveis.
Às vezes, uma frase me toma de assalto e dela parte a escrita, mas é mais raro. Foi assim com “As flores se recusam”, título do meu primeiro livro. Não sei exatamente de onde foi que ela surgiu.
Eu me mantenho criativa na mesma medida em que me mantenho viva.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Antes de qualquer coisa, desenhar sempre foi o que eu sabia que sabia fazer. A escrita veio depois, com a adolescência.
A consequência é que essa primeira escrita já era bastante feita de imagens. Mas muito vaga, muito turva enquanto linguagem. Dava-me uma sensação de abstração excessiva, inconsistência.
Depois, se tornou rígida, abrupta, quase uma camisa de força! Era o esforço de lhe dar um contorno, pesando a mão.
Dos extremos, acho que hoje ela ganhou alguma estrutura, talvez um tom de voz. E tenho tentado explorar a sonoridade de modo menos acidental.
Eu diria a mim, quinze anos atrás: “É assim mesmo, às cegas”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Os projetos que eu gostaria de fazer estão todos começados, pois entendo que estão inaugurados no surgimento da primeira ideia.
Eu gostaria de ser capaz de ler persa como uma falante nativa, e ter em mãos um livro de Rumi vivo em 2018. Esse livro não existe, nem tem como existir.